“A vida não é a vida que vivemos, mas como a recordamos para contá-la.” A frase de Gabriel García Márquez é recorrente no repertório da psicanalista Fabiana Guntovitch, que está tendo de se virar nos 30 nesses tempos de novo coronavírus. Além dos clientes regulares, no Brasil e exterior, seu pipeline inclui coaching para empresas em regime home office, que traz desafios como medo e insegurança mental. Mais do que isso: estimular a motivação no ambiente corporativo que vive inédito regime não presencial. “Estamos vivendo um momento de muitos medos. Para mudar o que vivemos, precisamos mudar nosso padrão de escolhas, para isso, precisamos mudar nossa visão de mundo”, diz Fabiana. Confira sua entrevista.

PRESENCIAL
O olho no olho numa reunião tem uma vantagem enorme sobre os encontros virtuais. A leitura sobre a interpretação e a percepção do interlocutor é mais fácil pessoalmente. No entanto, para que ela seja assertiva no online, é imperativo que as pessoas estejam extremamente presentes. A tentação de multitasking pode ser um imenso tiro no pé, em especial nos encontros pela internet, onde os participantes não têm acesso ao contexto das pessoas com quem estão se encontrando. Outra característica do comportamento humano que pode aflorar nesse cenário de insegurança é a da conspiração por trás dos panos. Pessoas que temem ser mandadas embora, uma tentativa de manipular as decisões e as relações comerciais dentro das empresas para garantir seu emprego. Isso significa gastar mais energia confabulando do que focar no próprio trabalho. A ideia é criar novas oportunidades e projetos factíveis para durante e depois da crise. Esse tipo de comportamento deveria ser realmente desestimulado pelo RH das empresas.

FIDELIDADE
Clientes regulares estavam melhor preparados para lidar com a crise e com as angústias que a Covid-19 trouxe. Até para que eu consiga atender novas demandas que estão surgindo, alguns abriram mão de atendimentos semanais e passaram para quinzenais. Há demandas de pessoas que estão angustiadas com os desdobramentos dessa crise nas suas vidas – pessoais, afetivas e profissionais. As principais causas de angustia são a incerteza e a insegurança financeira, profissional e o caos nos relacionamentos.

DILEMA
As empresas e o ser humano têm de lidar com o dilema: salvo vidas ou sobrevivo financeiramente. É um novo ambiente ético, moral, social e pessoal. Envolve todas as esferas: individualidade, família, corporativo e governamental. Não é fácil. O ser humano precisa se lembrar que se decidir no automático será emocional e não racional. Precisamos deixar emoções pessoais de lado e sermos sempre estratégicos diante de situações como a atual. E nos unir: família, empresa, pessoas. Um país dividido é um organismo disfuncional; doente.

ISOLAMENTO
Pode ajudar. Dando mais espaço para o profissional focar em projetos que a rotina diária não permitia. Ou abrir espaço para sofrimento emocional, angústia, ansiedade, medo, pessimismo. Ou seja, baixando a produtividade e até levando o profissional a adoecer física e/ou mentalmente.

CRIATIVIDADE
Períodos de isolamento afetam o exercício criativo na área de comunicação? Não necessariamente. Depende de como
é a dinâmica criativa individual. Pode haver inclusive mais espaço criativo do que haveria num espaço corporativo, onde interrupções e interações costumam ser frequentes. No entanto, a disciplina pessoal e a dinâmica familiar influenciarão diretamente na produtividade dos profissionais, tanto criativos, quanto executivos.

FUNDAMENTAL
As agências não podem esquecer que se relacionam e se comunicam com pessoas. Essa interação precisa estar alinhada com a tendência comportamental do ser humano dentro do contexto atual. Quando
as agências conhecem e reconhecem as necessidades e as
dinâmicas comportamentais das pessoas impactadas por suas campanhas ou eventos, o resultado é positivo e se torna consequência de uma inter-relação verdadeira e sólida; o contrário acontece quando o trabalho é pensado priorizando números.

TOM
Cuidadoso, verdadeiro, real, emocional, otimista, flexível, conectado, ouvinte, parceiro e fazendo com que o cliente final se sinta pertencente e acolhido incondicionalmente. O trabalho em ambiente coletivo propicia tensões? Sim. Relações humanas propiciam tensões. Egos e metas ameaçadoras são extremamente estressantes. Quando uma corporação lidera pelo medo e pela desunião o ambiente se torna tóxico e insalubre. Metas e objetivos, quando bem alinhados e navegando sobre relações claras e objetivas, com valores e propósitos corporativos e pessoais em sinergia, são capazes de transformar ambientes até mesmo competitivos em espaços saudáveis de crescimento e superação comunitária.

CONTRADITÓRIO
O isolamento não precisa ser social. Afinal, estamos mais conectados por meio da tecnologia. Só se isola e se desconecta – se fechando para as opiniões diferentes das suas – quem quiser se tornar uma ilha em alto-mar. Somos seres sociáveis que precisam se relacionar para se conhecer, se perceber, evoluir, criar e viver com saúde.

MILLENNIALS
As novas gerações são menos preconceituosas com o espaço online, tanto acadêmico quanto profissional. Existem prós e contras em ambas as formas de produção. Pessoas perfeccionistas, focadas e disciplinadas que gostam de ir mais a fundo em conteúdos e que são autodidatas. Elas preferem poder se dedicar sem interferências e sem perder tempo com deslocamento. Por outro lado, pessoas que não são tão engajadas ou automotivadas precisam do compromisso presencial. Pois não confiam que produziriam se tivessem a oportunidade de ligar o Netflix ou o Instagram. Na verdade, tudo se volta ao comprometimento, ao quanto cada um vê de valor, de propósito e de sentido na tarefa que está se dispondo a executar.

TENSÃO
Tensão é energia acumulada, e mal armazenada. Trabalhar a tensão é liberar essa energia de formas que tragam prazer. Para algumas pessoas, é fazer exercício físico. Para outras, meditar, dançar e cantar. Isso é muito pessoal. O que não devemos é fazer de conta que não temos energia acumulada, que estamos passando impune por esse período e empurrar mais uma vez para debaixo do tapete nossos medos e angustias. Se fizermos isso, quando menos percebermos, estaremos tendo pensamentos trágicos e nos desconectaremos do presente, de nós mesmos e do que temos controle. Nos tornaremos reféns de emoções que não nos impulsionam estrategicamente para cruzar esse caminho de cura e de ressignificação do ser humano.

CORONAVÍRUS
Trouxe uma oportunidade quase imposta de retornar à fonte, de olhar para nós mesmo, para as nossas relações mais próximas. E não apenas de reorganizarmos nossas prioridades. É hora de reflexão. De nos tirar de uma zona de conforto, de estados de negação justificados, escancarando relações desajustadas que poderão ser salvas, ou não, durante esse período de isolamento. E tensão social e pessoal trazido pelo novo coronavírus.

EMOCIONAL
Estamos todos fora da nossa zona de conforto. E não há tranquilidade emocional naturalmente fora da nossa zona de conforto. O que não necessariamente é trágico. Ao contrário. É fora da zona de conforto que enxergamos novas formas de nos posicionar, de nos relacionar. Ter mais oportunidade de criar, de sermos flexíveis e de enxergarmos o mundo sob novas perspectivas.

GESTÃO
O sistema de tomada de decisão do ser humano, diferentemente do que se idealiza, não é racional e deliberado, pois, para cada decisão estratégica, o cérebro demanda um gasto energético importante, e o ser humano não poderia desprender tanta energia se essa fosse a regra nas tomadas de decisão. A regra é a tomada de decisão automática, instintiva, e principalmente emocional. Esse sistema, apesar de não ter um custo na manutenção do organismo, pode acarretar um imenso custo nas consequências das escolhas fundamentadas nas emoções (e, infelizmente, na maioria das vezes, as emoções negativas são predominantes), nos modelos mentais configurados pelas nossas crenças limitantes, e nas defesas do nosso ego. A gestão baseada no medo e no pânico ativa ainda mais nosso sistema emocional e impulsivo, que não é capaz de tomar decisões estratégicas nem de viver o presente. Ele abre mão do próprio livre arbítrio e passa a navegar a situação desconectado da realidade presente; conectado com seus medos, ansiedades, angústias e suas percepções das experiências vividas ou ouvidas no passado que marcaram seu inconsciente.

RAIVA
É uma emoção necessária e impossível de ser erradicada do ser humano, apesar de não ser bem vista ou aceita pela sociedade. A raiva tem seu espaço na sobrevivência da espécie humana, mas não dentro do ambiente corporativo. Por que não? Porque quando ela é realmente ativada, o cérebro sofre alterações químicas e físicas. Acontecem descargas hormonais e de certos neurotransmissores, e algumas áreas do cérebro ficam hiperativas e outras hipoatilas. Adivinhe: a região límbica do cérebro responsável pelas emoções e pelas reações instintivas, impulsivas e automáticas é ativada e o corte pré-frontal, responsável pela estratégia, pelo planejamento, pela ponderação e bom senso, “desativada”. Agora quando é que no ambiente corporativo podemos nos dar ao luxo de nos deixar levar pelos impulsos emocionais sem ponderar, sem estratégia, sem bom senso, sem planejamento? Nunca, não é mesmo? A raiva deve ser domada. O profissional que tem dificuldade em domar sua raiva, a boa notícia é que não é difícil aprender a lidar e a domá-la. Busque ajuda! É preciso ter a raiva sob seu domínio, usá-la a favor. E não ficar refém dela, na vida como um todo; não apenas na vida corporativa.

FELICIDADE
Não é uma dádiva. E sim uma busca, conquista pessoal e social. Felicidade não cai do céu. E todos nós somos responsáveis pela nossa felicidade e em parte pela oportunidade de felicidade na nossa sociedade. A neurociência identificou como importantes promotores de felicidade e bem-estar: conexão, não virtual, mas humana; construção de vínculos nas relações e sair da superficialidade; estar presente. Viver o presente sem ter espaço para ruminar o passado ou o futuro enquanto vive o presente. Altruísmo. Propósito. Gratidão. Fazer exercícios físicos, que promovem bem-estar cerebral e são antidepressivos e ansiolíticos. Ter boa alimentação. E controlar o estresse.

PSICANÁLISE
É uma ferramenta maravilhosa de autoconhecimento e de ressignificação das dores da alma humana. A grande sacada é trazer à tona conteúdos e esquemas mentais do inconsciente individual que impactam no funcionamento e na qualidade de vida de cada um de nós.