Na minha casa e nas casas da família as pessoas creem no coronavírus e na possibilidade de transmissão da doença. Apesar de a média em matéria de educação formal seja doutorado, diante da pandemia estão agindo como caipiras de história antiga. Jeca Tatu seria considerado um pensador de vanguarda se o assunto for como se comportar diante dos riscos de contaminação. Vai daí que resolveram instalar um sistema de transmissão na fazenda dos parentes de minha nora, levaram seus lap-tops, e transferiram seus escritórios para a roça. Continuam trabalhando em meio a produtores de leite e derivados, criadores de cavalos de raça e agricultores. Não deixaram de fazer reuniões e se manterem informados. Mas longe do vírus. Eu estava em dúvida se valeria a pena trocar minha casa, que é quase rural, pelo frio enregelante do interior bravo das Minas Gerais.

Mas nora e filho encerraram a discussão, de forma violenta e definitiva. Usando o chamado pátrio poder, levaram minhas netas com eles quando se mudaram provisoriamente para o mato. Daí, se poderia haver alguma dúvida, o assunto foi encerrado. Arrumamos a matula, demos um trato nos computadores, pegamos os agasalhos datados do tempo que se ia à Europa, lotamos o carro e apontamos a proa para o sertão bravo. Pois foi no interior das Minas Gerais, com os parentes de minha nora, a multidão de primos e primas das netas, que já na provecta idade que me encontro, tive uma experiência maravilhosa. Um retorno a um estilo de vida que perdemos não sei quando, mas é uma lição. Um jeito de viver que eu já tinha esquecido. A fazenda da família fica perto de uma cidade chamada Entre Rios de Minas, onde foi criada e desenvolvida a raça de cavalos campolina. Tem 15.000 habitantes e uma qualidade de vida que, confesso, me fez remoer de inveja.

O que perdemos, o que perdemos! Não falo de um ruralismo retrógado e melancólico. Muito menos de uma contracultura hippie ou fundamentalista. Estou falando de uma cidade antenada com o futuro, com todas as comodidades possíveis, mas que decidiu usar as ferramentas criadas pelo progresso somente naquilo que pode trazer conforto. A lan house, por exemplo, é um laboratório do dr. Silvana, com tudo que alguém antenado pode desejar em matéria de computadores e jogos eletrônicos. Tem equipamentos que não fariam vergonha a numa similar no Vale do Silício.

Mas fecha na sexta à noite e abre na segunda, pois este é o horário civilizado de um estabelecimento do ramo. Diante de um problema grave, tal como o médico, o técnico pode ser encontrado no bar, na casa da noiva ou numa festa. Mas é só perguntar a qualquer pessoa na rua. Impossível de acontecer que na terceira abordagem não se saiba onde ele está. Os estabelecimentos comerciais oferecem quase tudo que um ser humano precisa para viver. Mas algo chama a atenção. Não há uma franquia na cidade inteira.

O bar é do Tião, ou Da Praça, ou do Manoel ou do Gaguinho, assim como todo o comércio e serviços são identificados pelo nome do dono. A borracharia é do Zeca; a oficina, do Valdemar; a quitanda, da Esmeralda. Abrem-se exceções para as sofisticadas lojas de roupas, presentes, joias e adereços. Nesse caso, permite-se a livre criação. Bonita’s, Fino Toque, Alfazema. Pelas meninas e rapazes da cidade dá para se perceber que há espaço para elegância e glamour. Não existe fundamental diferença nas roupas de Entre Rios de Minas e, digamos, do Leblon ou de um shopping dos Jardins em São Paulo. Mas, eu juro, há mais sorrisos. E há também belos cavalos, justificando o slogan da cidade, esculpidos em mármore, no começo da avenida principal: “Entre Rios de Minas – Berço do Campolino”.

O caminhão da companhia de transportes local tem um slogan escrito no baú que é, por si, um exemplo de vida: “Não Tenho Horário”. Pode ser bom, pode ser ruim, depende da sua cabeça. Por causa desse caminhão, peguei um tremendo engarrafamento. Ele estava descarregando dois sofás na loja de móveis e fechou uma das ruas principais. Formou-se uma fila de mais de seis carros, tornando o trânsito um caos. Os motoristas, depois de bradar todos os gracejos possíveis ao motorista do caminhão, abandonaram seus carros e foram para o bar, melhor lugar para se apreciar o trabalho de retirar os sofás do baú. Eu conto mais coisas na semana que vem. Eu estou tendo de voltar. A rádio me espera. Mas volto contrariado, tendo certeza de que, se existe um lugar sofisticado neste país, ele se chama Entre Rios de Minas.

Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira.luvi@gmail.com)