Texto: Filipe Oliveira
Criatividade e inovação são as palavras do momento no mercado de trabalho. Especialmente, no ecossistema de startups – em que a palavra disrupção é repetida quase como um mantra. Festivais, palestras, escritórios descolados e espaços de coworking conquistaram os empreendedores como ambientes que estimulam o pensamento fora da caixa.
Mas será que esses eventos e escritórios estão de fato colaborando com o processo criativo? Para responder essa pergunta, conversamos com Thiago Gringon, coordenador da Pós-Graduação em Criatividade e Ambiente Complexo da ESPM. O especialista afirmou que as pessoas devem passar mais tempo com as crianças se quiserem ser mais criativas. “É preciso voltar a acreditar na magia, nos contos de fada, naquilo que nos maravilhou quando éramos crianças”.
Gringon também analisou como algoritmos e a inteligência artificial estão interferindo em nosso processo criativo e alertou: não podemos deixar a tecnologia ser maior do que nossa criatividade. “Isso me prende na minha zona de conforto, fazendo com que eu não consiga produzir nada além daquilo que já sei. Fico só replicando técnica”.
O que é criatividade? E como ser criativo?
Acho que passei os últimos 10 ou 12 anos estudando para tentar responder essa pergunta e ainda não sei. Na minha visão, ser criativo é uma constante mudança, um constante olhar para si mesmo e para como você está interagindo com o mundo. Ser criativo é manter e nutrir a sua centelha criadora, olhar para si mesmo sempre em construção. Sempre há algo a ser lapidado, a ser melhorado, a ser polido. No seu caso, você produz textos. Cada texto seu é a extensão de sua alma, de quem você é e daquilo que você acredita. Quando você começa a observar suas criações, começa a perceber quem você foi. A partir dessa observação, você consegue entender para onde está indo e quem você deseja ser.
Como a criatividade e a inovação se relacionam?
Inovação é outra palavrinha bem complexa, que está dentro do ciclo da criatividade. É gerar valor novo para o outro, trazer algo para a sociedade e para o mundo que de alguma forma as pessoas não estão vendo ou nem estão prontas para receber. Por isso, que hoje as inovações são, de certa forma, assombrosas, geram dúvida e surpresa. O criador muitas vezes é chamado de louco. Para ser inovador você tem que comprar uma briga grande, tem que fazer com que a sua confiança naquilo que está vendo – e às vezes só você está vendo – seja cada vez mais potente. Assim, pode fazer com que aquilo se expanda e as outras pessoas no momento certo consigam ver.
Então tudo depende da ação, posso ser criativo e não ser inovador por que não executei nada?
Sim, a inovação requer impacto. Aquele produto que você está produzindo deve produzir um impacto que realmente mude o jogo. Ser inovador é mais difícil do que ser criativo.
As pessoas nascem criativas ou podem desenvolver essa habilidade?
Segundo a neurociência, nós nascemos criadores e nos tornamos criativos. É um jogo de palavras, mas que é bem significativo. Criador é o cara que cria e isso faz parte da natureza da nossa espécie. Há vários processos subconscientes que fazem a gente buscar novidades. Essa curiosidade faz parte da criatividade, dessa centelha criadora que nós temos. Se tornar criativo demanda interação com a cultura e com o ambiente em que estamos, isso vai faz com que a gente lapide virtudes, atributos e conhecimentos para aprimorarmos a nossa expressão criativa. Então somos os dois ao mesmo tempo. Em alguns momentos podemos estar mais criadores e às vezes estamos mais perto de sermos criativos, o que faz nos tornarmos inovadores lá na frente.
Algumas pessoas dizem que Matemática não é para elas, outras Português e há também aqueles que acreditam que não foram feitos para a criatividade.
Pode ser muito clichê, mas criatividade é para todo mundo. Da mesma forma como todas essas disciplinas também são. A matemática, por exemplo, é extremamente criativa: o modo que você compreende os números, como constrói as fórmulas e busca por respostas, tudo isso é pura criatividade. A criatividade não é só artística, não é só para as pessoas que se pintam ou que mergulham em uma lata de tinta. A criatividade é como a gente interage com o mundo e isso não depende de nossa linguagem, mas sim de como vou manipular essa linguagem. A dica para quem não se acha criativo é começar a se expor a novas experiências, novos pensamentos, novas ideias, novos conteúdos. Estamos na era dos algoritmos em plataformas como Spotify e Netflix e esses algoritmos nos mantém em nossa zona de conforto. Se expor a um conteúdo diferente é procurar na Netflix aquilo que você normalmente não assistiria, ir a uma festa, ler um livro, escutar uma música, conversar com alguém que está completamente distante da normalidade que é a sua vida. Isso vai fazer com que você observe o mundo por outra perspectiva e questione suas próprias ideias.
A tecnologia e os algoritmos estão nos deixando mais ou menos criativos?
Depende. A tecnologia é uma extensão humana, que estende a nossa atuação criativa, possibilitando novas ferramentas e técnicas para manifestarmos nossas ideias. O problema é quando a força dessa tecnologia é maior do que eu. Aí fico dependendo dessa ferramenta para criar e isso me prende na minha zona de conforto, fazendo com que eu não consiga produzir nada além daquilo que já sei. Fico só replicando técnica. Acredito muito na inteligência artificial, acho que essa tecnologia vem para replicar como nosso cérebro funciona. Mas hoje a IA é limitada a partir daquilo que a gente conhece. Quando ela mesmo começar a se programar, vai dar saltos que a gente não espera.
E você acredita que a inteligência artificial será capaz de ser criativa?
Aí podemos entrar um pouco no que é processo de criação. Tem um ótimo livro chamado Roube Como Um Artista que fala do primeiro momento de um processo criativo, que é quando começamos a imitar. Fazemos a releitura de uma obra, imitamos uma ideia, tentamos misturar as coisas. A inteligência artificial faz exatamente isso: pega um conjunto de informações e referências, combina e te dá uma resposta. Então, de certa forma, a IA é criativa. Um segundo momento desse processo é você se desapegar de suas referências e começar a conectar coisas que antes não estavam conectadas, até que você começa a produzir algo que é completamente único. Esse livro fala que um bom ladrão é aquele que sabe referenciar muito bem, só que sem fazer uma cópia explícita.
A criatividade está sendo corretamente estimulada no ambiente educacional?
O sistema educacional em todas as instâncias tem que melhorar. Recomendo um ótimo TED que é A Escola Mata a Criatividade, do Ken Robinson. Levando em conta que a criatividade é como interajo com o mundo, preciso construir um ambiente pedagógico que favoreça novas interações e o que Aristóteles e Platão faziam: que as pessoas questionem o próprio pensar e reflitam sobre as questões da vida. Se eu começo a investir hoje para desenvolver e nutrir esses atributos criativos de uma criança de sete anos, daqui a 20 ou 30 ela vai ter muito mais confiança para inovar e propor diferentes caminhos no mercado de trabalho. Isso muda a cultura de um país. Hoje no Brasil temos diferentes sistemas educacionais, nenhum é perfeito. Mas cada vez mais percebo pelas minhas conversas com os professores que tem melhorado essa inserção da criatividade não só na aula de artes, mas nas aulas de Português, Matemática e Educação Física. É um tema polêmico, porque a criatividade vai propor questionar o próprio sistema, mas a longo prazo existem muitos ganhos.
E no ambiente profissional?
Hoje os modelos profissionais replicam os processos de aprendizagem da escola. E acho que o abismo no profissional é bem maior pelo simples fato de estar lidando com adultos. Ao longo da nossa educação, aprendemos que o resultado é importante e que ele interfere em nossos ganhos, nosso trabalho e na nossa renda. Um adulto tem muito medo de perder o controle e ele precisa fazer uma gestão de tudo. Os sistemas profissionais hoje estão baseados no comando e controle, às vezes mais leves, mas ainda existe um controle sobre as coisas, sobre quais são os resultados esperados. Quando falamos em criatividade, eu não posso esperar muito resultado, principalmente pensando em inovação. Eu posso guiar os meus processos para produzir um impacto, mas não posso dizer que vou fazer algo inovador. A inovação vai vir da resposta da sociedade.
Algumas empresas estão deixando de punir o erro com o objetivo de gerar inovação lá na frente e alcançar resultados. É esse o caminho?
Sim. E não é um caminho novo. Thomas Edison disse certa vez que nunca errou, só encontrou 10 mil maneiras de não fazer. E a ciência – que comemora o erro tanto quanto uma descoberta – está baseada exatamente nisso. Quando uma empresa começa a encarar o erro de outra forma, até deixa de chamar de “erro” porque ela não está errando, mas sim experimentando e explorando o seu mercado. O mercado está mudando, as pessoas estão mudando e as empresas também precisam mudar. Encarar o erro como um caminho é a ponta do iceberg. Existe um movimento que a gente fala que tem que ser da base da pirâmide para a presidência, mas também existe o da presidência para baixo. É todo mundo repensando o próprio jeito de trabalhar. Temos a máxima de que vários trabalhos vão morrer, vários trabalhos que nem conhecemos vão surgir. Estamos formando alunos para um cenário que a gente não conhece. As empresas falam muito disso nos eventos de inovação, mas poucos de fato fazem. E aí entra uma coisa que falei na última aula: para ser de fato inovador, você tem que parar de ir a eventos de inovação e começar a brincar com crianças”
Por quê?
Porque as crianças têm um livre expressar muito grande. Se observar como uma criança olha para uma sala e não vê um sofá, mas sim um forte, um navio, ela te ensina a se divertir com a própria ação criadora. Isso as empresas perderam ao longo dos anos. Nós gostamos de ir a eventos de inovação conhecer cases porque precisamos saber o que as outras empresas estão fazendo. O problema é que são histórias que já foram, fazem parte do passado. Temos que brincar mais e ir menos a eventos de inovação. E olha que dou aula em eventos de inovação [risos].
Nesses eventos muito se fala sobre a famosa “mentalidade empreendedora”. O que você pensa sobre isso?
Confesso que já estive mais apaixonado pelas startups, hoje sou mais realista. Várias startups começam com esse mindset: “vamos produzir, vamos fazer” só que chega em um certo estágio, que é normal de uma empresa, que preciso gerir. Aí essa startup entra nas fórmulas que já conhecemos e vira uma grande startup fazendo apenas a manutenção e melhoria daquilo que ela propõe. Hoje existem vários eventos em que vendem um jeito de ser startup. Se existe um jeito de ser, já começou errado. Se uma startup ou um empreendedor deseja gerar impacto, tem que ser mais autêntico consigo mesmo do que com os processos que vão apresentar para ele. Largue um pouco essas metodologias e vá de fato na rua, converse com o consumidor, vá ser você. Acredite na sua autenticidade e na autenticidade do seu projeto. Vejo vários empreendedores incríveis que acabam se perdendo nas metodologias e nos resultados que eles têm que entregar. Funciona, mas acaba gerando indústrias de startups e quando começa a ficar quase que fabril, não está mais funcionando porque perdeu a essência do que é inovação.
Falando ainda sobre o universo de startups, o que você pensa sobre espaços de coworking e escritórios moderninhos como o do Google?
Isso é um amo e odeio. No livro De Onde Vêm As Boas Ideias, o Steven Johnson fala que tem dois grandes espaços que favorecem novas ideias: cafés e chás. Segundo os meus alunos, existe um terceiro que é o bar. Então tomar um café, um chá ou uma cerveja possibilita a troca de ideias, referências e perspectivas sobre o que estou produzindo. Uma coisa que pergunto muito quando dou aula para startupeiros é: quem tem uma ideia de um milhão de dólares? Vários levantam a mão. A próxima pergunta que faço é: quem está compartilhando essa ideia? Ninguém compartilha. O problema é que se você guarda essa ideia para você e sua equipe, vocês terão a mesma perspectiva. O que possibilita um coworking ou esses escritórios moderninhos? Choque de pessoas. Você está lá, vai na cafeteira e compartilha um problema com alguém que você talvez nem conheça. Aí essa pessoa dá sua opinião e isso faz com que você expanda sua percepção. O lado odeio desses lugares é que fica um monte de gente sentada e ninguém conversa.
Muita gente diz que a interação com iguais não é tão eficiente. Eles defendem multicultura e equipes multidisciplinares nas empresas. É o que você também pensa?
Sim. Conversar com iguais nos mantém na zona de conforto. Conversar com diferentes – pessoas que nos provocam, nos incomodam – faz com que a gente se questione e veja o mundo por outra perspectiva. Não é preciso concordar com a outra pessoa, mas tem que respeitar diferentes pontos de vista. Isso vai fazer você ter uma performance melhor, inclusive. Quando tenho uma cultura organizacional formada exatamente pelo mesmo tipo de pessoas, vou fazer com que essa empresa sempre produza a mesma coisa. Hoje temos a máxima da inclusão e da diversidade que começa a trazer diferentes pessoas para dentro desses sistemas. O problema é o quanto esse diferente é aceito. Quando falamos de diversidade, tem que ser de fato diferente. Não basta ter uma empresa formada por homens brancos, escolarizados e trazer um gay branco escolarizado. Não muda nada, só a orientação sexual. Agora, se trago outras figuras, de outros lugares, de outras realidades, de outros países, de outras esferas econômicas, de fato começo a produzir e nutrir uma diversidade. Mas em todas as instâncias da empresa é preciso representar essa diversidade.
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