Uma peça desenvolvida pela Ogilvy para a campanha “São Paulo contra o crack”, proposta pelo jornal propmark para o aniversário de 458 da capital paulistana, aguçou a curiosidade. O anúncio trazia apenas: “É possível vencer o vício do crack. O Claudio venceu. E pode te contar como”, acompanhado de um número de telefone e uma sugestão: “Se você é ou conhece um usuário de crack, pode ligar. O Claudio vai atender”.
A reportagem do propmark ligou. Afinal, quem é Claudio? Um personagem, o número era verdadeiro ou levaria a uma continuação da peça? Ou era uma pessoa que havia passado por problemas com drogas? O Claudio atendeu. É um personagem real que quer compartilhar a sua experiência com as drogas. Disse ele no primeiro momento, ainda sem saber que a ligação era do promark, que havia aceitado o convite para ajudar quem entrasse em contato: tanto indicando espaços onde as pessoas poderiam receber auxílio ou mesmo ao contar a sua história. Dias depois, quando questionado se daria uma entrevista para contar a sua história, disse sim. A seu pedido, o identificaremos apenas como Claudio.
Há dois anos em recuperação, ele afirmou que tem sido “um prazer enorme” receber ligações para contar a sua experiência. Foram várias durante a semana passada. “Quando ligam querendo saber a minha história, e eu conto, é muito bom. Eu desligo o telefone mais fortalecido”. Hoje em dia, ele já não sente mais o abalo de antes ao tratar do problema. “Falo abertamente”, diz. Quando são “companheiros”, como ele fala, é uma “vitória”. ‘Se eu puder ajudar e uma pessoa sair, será uma felicidade enorme”, uma alusão ao baixo número de usuários que conseguem largar o vício.
Claudio mantém a nomenclatura “dependente químico” com o complemento em “recuperação”. “Nós acabamos aprendendo que a doença é incurável”. Segundo ele, há pessoas que vivem oito, 12 anos livre das drogas e sofrem recaídas. Por isso, é preciso levar os cuidados para o resto da vida e trabalhar diariamente para não voltar às drogas. O termo usado por especialistas serve para explicar a situação: adicto, do latim adictum, que significa “escravo de”. “Você vai pisar na casca de ovos pelo resto da vida”.
Dos 38 anos de vida, apenas 14 anos foram longe das drogas. Começou aos 14 anos, com o uso de maconha e álcool. Aos 16, chegou à cocaína. E aos 18, “usava tudo que aparecia”, de chá de cogumelo a sintéticos. Mudou-se para a praia, onde permaneceu por dois anos. As investidas nas drogas tinham como objetivo pertencer a grupos. Era uma “busca por aprovação”. Na volta à capital paulista, fez cursinho e depois faculdade de hotelaria, regada a muitas festas, como é comum no mundo universitário. E o vício continuava. Aos 21, conheceu o crack, uma droga que usava esporadicamente. “Nos primeiros anos, conseguia fazer outras coisas. Eu praticava esportes, trabalhava”.
Após a faculdade, voltou para a praia. Teve restaurante próprio, depois pizzaria. Morou 10 anos lá e vinha para São Paulo em ocasiões especiais para visitar a família. O pai, dependente químico de álcool, havia cometido suicídio quando ele tinha pouco mais de 20 anos. Como quase todos os dependentes químicos, disse ele, teve problemas familiares. Começou na adolescência e seguiu durante a vida adulta. “Era muita briga”. A mãe sempre quis ajudar. “Na loucura da droga, eu não queria conversa. Como eu achava que tinha um certo controle e estava estudando e trabalhando, eu não pensava que estivesse me atrapalhando”. No vício, conheceu “quase todas as favelas de São Paulo”. Para ele, as ações da intervenção da Polícia Militar na Cracolândia, onde já esteve para comprar drogas, são “tristes” pela desorganização. “Tinha que tomar alguma ação. Mas foi uma atitude meio isolada. Não deu o suporte necessário para os usuários. Não vi nenhuma solução definitiva. Apenas dispersaram as pessoas, o que não resolve o problema”.
Para si próprio, Claudio prometeu parar quando chegasse aos 30. Mas não conseguiu. Aos poucos, viu que a sua vida começava a sair do controle. O relacionamento amoroso não dava certo; pulava de emprego em emprego na vida profissional. O prazer da droga também não existia mais. “Era só para anestesiar as dores. Só por vício, sem prazer nenhum. Era dependência, compulsão e obsessão”. Aos 36 anos e morando em São Paulo novamente, Claudio “não conseguia fazer nada”, conforme afirma. “Tinha uma depressão muito grande, sem motivação e em um estado bem letárgico”. Foi aí que a mãe dele acionou uma clínica. E ele decidiu ir e, aos poucos, com o aprendizado tanto sobre a doença quanto pelo cuidado com o lado espiritual, optou por ficar. Foram 10 meses de tratamento. Agora, ele volta só para visitar os pacientes que lá estão e contar a sua história e participa de grupos dos narcóticos anônimos. “Tem que tomar cuidados para não ter recaídas”, afirma.
A rotina atual é de estudos: são cerca de 10 horas diárias. Ele quer mudar de área. Sair do ramo de eventos é mais uma forma de se proteger contra recaídas. “Eu ainda estou caminhando para uma vida profissional melhor. O relacionamento familiar melhorou muito, estou muito mais próximo dos outros familiares”. A prática esportiva, presente na vida desde criança, está mais forte agora, garante Claudio. “Não troco os dias da vida atual por nenhum quando usava drogas. A sensação de bem-estar é muito grande hoje”.
O anúncio criado pela Neogama/BBH, com o endereço para o site efeitocrack.com.br, também teve uma forte repercussão. Entre os dias 23 e 27, foram mais de 2,1 mil page views – 80% de usuários novos.