Os mais bem informados de nosso setor lembram do histórico impacto da campanha Perception and reality, criada no começo dos anos 1980 pela então FallonMcElligott Rice, de Mineapolis, para a revista Rolling Stones se reposicionar diante do mercado publicitário americano. A imagem que a revista tinha junto aos anunciantes e publicitários era de ser um veículo alternativo lido basicamente pelos roqueiros, hippies e seguidores. Na realidade, porém, tinha uma demografia de leitores de altíssimo nível econômico e cultural, só perdendo para o perfil da sofisticada The New Yorker.
Recentemente, a Think Box concluiu um estudo, batizado de TV Nation, sobre o volume e perfil de consumo da TV no Reino Unido, na qual ficou mais do que evidente que o mercado publicitário daquele país tem uma percepção muito distorcida da sua realidade diante do fenômeno digital. As diferenças entre a percepção da publicidade e a realidade dos consumidores é brutal, demonstrando, uma vez mais, que existe uma crença hipermaximizada sobre o impacto publicitário do digital e muito minimizada em relação à TV. E isso significa, na prática, recomendações bastante equivocadas e decisões totalmente enviesadas sobre os investimentos das marcas.
O estudo completo está disponibilizado no bit.ly/2g7KZcJ, mas suas principais conclusões podem ser vistas a seguir. No caso da percentagem da população que assiste à TV ao vivo (no momento em que seus programas são transmitidos), enquanto os consumidores dedicam a esse formato 87% de seu tempo dedicado ao meio, os anunciantes e publicitários acham que é de 49% – ou seja, os responsáveis pelo destino das verbas subestimam a força da TV tradicional em 75% de seu real peso na vida da população.
Enquanto as pessoas dedicam 8% de seu tempo ao consumo on-demand da TV, os anunciantes e publicitários do Reino Unido afirmam acreditar que essa alternativa seria hábito de 91% delas. A percentagem do tempo que os consumidores empregam com serviços on-demand, tipo Netflix, é, na visão dos anunciantes e publicitários, de 84% – contra uma realidade mensurada em pesquisa de 11%. No caso do tempo em que a população assiste a vídeos no YouTube, os anunciantes e publicitários acreditam ser de 62% do total diário de consumo desse gênero de mensagem. Mas a pesquisa revelou que, na real, essa percentagem é de apenas 16%. Outra crença estabelecida junto ao mercado publicitário é a de que o consumo de vídeos no formato multitelas (ou seja, através de diversos devices) já seria um fato consolidado, a nível de 50% do tempo de consumo. A verdade do mercado, porém, é que esse consumo ainda está na faixa de 19%.
Outro grupo de comparações que demonstra que os anunciantes e publicitários estão vivendo em um mundo à parte da população para a qual dirigem a publicidade dos produtos e serviços de massa pode ser conferido em seguida. Enquanto os responsáveis pela publicidade acreditam que 93% da população consome habitualmente o LinkedIn, na realidade esse índice é de 14%. No caso do YouTube, a crença dos primeiros é de 92% da população, mas a pesquisa demonstrou que, na realidade, é de 60%. Já os números referentes ao Facebook são, respectivamente, de 90% e de 62%. Em relação ao Twitter, o descompasso é de 81% contra 22%. No caso dos serviços de VOD (vídeo on demand), o consumo de Netflix, que os anunciantes e publicitários acreditam ser de 63%, na realidade do mercado, é de 30%. Também os números do Amazon Prime mantêm essa proporção: de 30% contra 15%.
Fica evidente, portanto, que existe uma grande distorção no modo pelo qual anunciantes e publicitários estão percebendo a realidade do consumo das mídias pelos consumidores, tanto porque projetam o próprio comportamento e o de seus familiares e amigos para o conjunto da população, tanto porque andam embevecidos pelo canto de sereia do digital.
Rafael Sampaio é consultor em propaganda