Todo mundo pediu para eu republicar esta receita. Não foram poucos os e-mails que recebi contando que nunca mais esqueceram dela e gostariam de lê-la outra vez. Docemente constrangido, repito para os velhos fiéis seguidores desta página, e para os eventuais novatos, este modesto sucesso de público e crítica.

Aconselho que leiam ouvindo White Christmas, na voz de Bing Crosby. Trata-se do Peru ao Whisky. Uma piece de resistence nas noites encantadas de Natal. Comecemos pelos ingredientes:

1 peru de uns 5 kg para seis pessoas
1 garrafa de whisky
sal
pimenta a gosto
350 ml de azeite de oliva
500 g de bacon em fatias

Envolver o peru no bacon, atá-lo, temperar cuidadosamente com o sal e a pimenta. Massageá-lo com o azeite. Pré-aquecer o forno por uns dez minutos. Servir-se de generosa dose de whisky enquanto aguarda.

Colocar o peru numa assadeira de bom tamanho. Não esquecer de untá-la previamente. Sirva-se de outra dose de whisky. Ou melhor, enquanto a porra do peru marina tome duas doses de whisky.

Uma pergunta: seria mesmo certo chamar de “marinar” o ato de deixar essa merda no azeite e na pimenta-do-reino para pegar gosto? Bem, não importa. Tome outra dose. Axuste o terbostato na marca três e debois de 20 binutos bote pra assassinar, não, para assar.

Derrubar três doses de whisky no porra do peu, peru. Uma dose em você mesmo. Ou no cobo. Ponha gelo. No cobo, não no peru. No peru do forno, não no seu. Bem, foda-se. Depois de beia hora, fornar a abertura e controlar a assadura do pato.

Pegar a garrafa do biscuit e derramar uma boa dose por trás da fragata, não, da gravata. Nada disso, derrube a manteiga no copo de uisqui. Não, porra, banteiga no forno. Reegue bem o marreco com o uísque. Beba o que soçobrou. Como diria o grande Costa e Silva, antes soçobre do que fafalte.

Queberda! Mais uisqui. Nocê e no peru. Depois de meia hora titubear até o vorno e votar no peru, abrir a porra da borta do vorno e votar no peru, não, voltear o peru do outro labo, lado. Fica de bruços. Posição de enrabar peru. Ahahaha. Dexculpi.

Queimar a mão ao fechar a merda da borta… tentar sentar na gadera, servir mais um copo de uísque. Ou, ao contrário, tanto faz. Cozer (?!), costurar (?), cozinhar (?), não, sim! Deixar no vorno por umas quatro horas. Tentar retirar o vorno do peru. Mandar mais um uisqui em cima. De tudo.

Tentar tirar o forno do sacana do peru de novo porque a primeira dãoooo deu. Pegar o peru que caiu no jão, enjugar o filho da puta com um pano de chão, toalha de babel. Muita toalha. Puta zona! Foda-se.

Jogue o peru num trato, não, num chato, numa trabessa, numa pandeija, ou qualquer outra coixa. Num vumita no frango, caraio!

Era isso. Quando publicada fez o maior sucesso. O tempo passou e a história me parece meio datada. Hoje a moda é ceia de Natal com vinho e coisinhas leves, mais adaptadas ao clima tropical.

O máximo do exagero é ainda uma rabanada, em homenagem aos antepassados. Lá em casa, a ceia de Natal tem até opções veganas. Há uma seção da mesa onde me sinto um coelho radical. Como parei de beber, tomo suco de uva. E choro de saudades de leitões, vinhos e recheio de peru.

A única vantagem é não acordar no dia seguinte com a mulher perguntando: você se lembra do que fez ontem à noite?

Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira.luvi@gmail.com)