A participação de mulheres negras como protagonistas de comerciais de televisão teve um share de 21% no segundo semestre 2017 de acordo com a pesquisa Todxs?, uma análise da representatividade na publicidade brasileira, conduzida pelo Núcleo de Inteligência e Estratégia da agência Heads, divulgada no fim do último mês de dezembro, que chegou à sua quinta edição. O volume foi extraído de uma análise de 2.451 filmes de 30 segundos de 228 marcas produzidos no período de julho a dezembro do ano passado de 35 segmentos de consumo. 

No Facebook, a pesquisa observou 1.183 posts de 24 segmentos e 142 anunciantes. Dos 21% de mulheres negras estrelando ações de comunicação de marketing, 71% são jovens, 91% estão empoderadas por liberdade de escolha, auto-estima e talento, e 69% são celebridades. Karol Conka, uma das pioneiras, está presente em ações da NET e da Avon. Bela Gil atuou em uma campanha do Bradesco e junto com a irmã Preta Gil em um comercial do aplicativo iFood. A atriz Sheron Menezes dominou o set em filmes para a Pantene. 

E tem marca que conta com um time de porta-vozes com a cor do Brasil, uma expressão da cantora Alcione. É a L’Oréal Paris, que trabalha com Taís Araújo, Flavia Pavanelli, Juliana Nalu e a revelação do pop Iza. Aliás, a L’Oréal teve atuação decisiva no lançamento do clipe Esse brilho é meu, da cantora Iza. O projeto para promover a linha Casting Creme Gloss da multinacional francesa teve cocriação das embaixadoras, inclusive a branca Flavia. “É uma inspiração ter a Iza trabalhando comigo”, disse Taís, que também emprestou sua imagem, ao lado do marido Lázaro Ramos, para a marca Italac na campanha Lá em casa tem.

Na quarta edição do projeto, feita no primeiro semestre de 2017, a participação de mulheres negras foi de apenas 4%. Se a comparação for com a primeira extratificação realizada no segundo semestre de 2014, eram apenas 4%. No mesmo período de 2015 caiu para 3% e para 1% nos mesmos meses de 2016, mas no segundo semestre desse ano houve crescimento para 21%. 

É um alento ver essa evolução, mesmo com a predominância de mulheres brancas, com 74%, na projeção estatística da Heads. Os homens brancos garantem 87% de presença, contra apenas 7% de homens negros. O tema foi pauta na mídia com discussões acaloradas em 2017, sobretudo pela característica miscigenada do Brasil.

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 A executiva Ira Finkelstein, vice-presidente de estratégia da Heads e integrante do Comitê Impulsionador Her for She, da ONU Mulheres, explica que o caminho a ser percorrido ainda é longo, mesmo com os avanços contabilizados. Sob a sua ótica, um sinal claro de alerta é que 69% do aproveitamento de mulheres negras em comunicação contemplam personalidades.

“Temos mais mulheres negras protagonistas e mais cabelos cacheados e crespos em relação às ondas anteriores. É um sinal positivo e indica que as campanhas estão antenadas às discussões da sociedade. Mas ainda é cedo para comemorar. Num país em que mais da metade da população é negra, podemos dizer que ainda não alcançamos um ideal de representatividade”.

Uma preocupação da Heads nessa avaliação é não deixar a impressão de que se trata de uma opinião solta de publicitários. Por esta razão trouxe o olhar da ONU Mulheres para dar consistência à pesquisa. Adriana Carvalho, que dirige a organização no Brasil, ajudou a equipe formada por sociólogos, antropólogos e profissionais de planejamento estratégico a formular um glossário capaz de separar rótulos, estereótipos e conceitos estabelecidos do objetivo final. Com isso em mente, Ira afirma que ficou fácil perceber que os anunciantes deixaram para trás os clichês e investiram no empoderamento das mulheres negras.

“91% delas aparecem empoderadas, ou seja, são protagonistas de verdade, aparecendo e exercendo funções de destaque na mensagem. Elas não estão repetindo estereótipos sociais que tanto incomodam. Trabalhar em parceria com a ONU Mulheres nos ajudou a identificar as verdadeiras intenções das marcas, sem o viés publicitário”, argumenta Ira.

Por que Todxs? A VP de estratégia da Heads responde: “Porque é um símbolo de representatividade nessa análise sobre a publicidade brasileira. Quem é representado de verdade é o X da questão. As mulheres estão mais estereotipadas ou rotuladas? Ou saber se os homens estão idiotizados ou empoderados. Esse estudo é para mostrar a representatividade das raças na propaganda. E também do pessoal LGBT e deficientes físicos. Pabllo Vittar, por exemplo, ajudou a tirar o estereótipo sendo protagonista de campanhas de marcas líderes como Trident”, detalha Ira.

A Heads acredita que o aumento da presença de mulheres negras na publicidade não é apenas um pico. Na sexta onda da pesquisa, programada para o segundo trimestre de 2018, a expectativa é que o volume seja ainda maior.

“Essa alavancagem expressiva de 600% de mulheres como protagonistas em comerciais de televisão é para ser comemorada. Essa tendência já começara a se expressar na quarta edição. Portanto, não é só um pico. Esse é um movimento que tende a crescer e se elevar cada vez mais. Foi um superachado, pois se percebe que há uma mobilização entre os publicitários sobre esse tema. A classe está ciente de que se deve tomar uma atitude sobre a presença de negros na propaganda, não apenas com papéis marginais, mas como sujeitos e protagonistas da situação. As mulheres empoderadas aparecem com 31% nessa edição e esse dado é relevante porque o índice era baixíssimo no início da pesquisa. O que significa que a indústria da propaganda está se mexendo para retratar a vida real. A mulher realiza papéis que a empoderam”, raciocina Ira. “A Sheron Menezes mostra que é muito feliz com seu cabelo na ação de Pantene”, acrescenta.

RESPONSABILIDADE

A motivação da Heads sobre esse tema está relacionada à responsabilidade da propaganda que tem na sua essência a característica de pautar a mente das pessoas. Ira esclarece que Claudio Loureiro, sócio e presidente da agência, propôs o tema pensando em como a atividade pode ser colaborativa com a sociedade.

“Os valores também vêm dos conteúdos da propaganda exibida nos canais de mídia. Sim, os publicitários são propagadores de valores e crenças. Não podemos nos eximir, portanto, de nenhuma responsabilidade como comunicadores profissionais, afinal movimentamos uma cadeia de pensamentos. Quando vemos que estamos conseguindo, temos de celebrar e dizer para a gente mesmo: vamos continuar! Há resultados palpáveis e o importante é não deixar que seja apenas uma onda ou moda. É preciso empoderar sem estereótipos”.

Ela lembra de exemplos como um comercial de Sundown que mostra um pai passando protetor solar na filha. “Para mim, foi uma quebra de um paradigma, porque normalmente esse é o papel da mãe. Eram mãe e filha negras e o pai branco. Isso é empoderamento. Também tem um pai que aparece como um ser preocupado com a nutrição da filha em um filme de Del Valle Nutri. Antes seria a mãe cumprindo esse papel. O banco Itaú mostrou uma menina jogando futebol com o pai no teto de um prédio. As marcas estão se libertando dos estereótipos e isso significa empoderamento”, finaliza Ira.

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