Uma startup digital com um superalgoritmo anunciará ser a próxima onda social e, para fazer isso, vai anunciar em out of home e TV aberta. Uma empresa tradicional de comunicação vai anunciar seu braço digital. Já a agência digital vai anunciar que agora é 360. Um artista pop vai ser convidado para ser diretor criativo de uma marca hypada e a agência desse cliente vai fazer uma ótima campanha pra anunciar isso. Algumas das maiores empresas legitimamente brasileiras vão continuar a ignorar as empresas de comunicação legitimamente brasileiras na hora de contratar os serviços de comunicação para o Brasil. Enquanto isso, empresas legitimamente francesas vão fazer concorrências gigantes entre agências e no final vão contratar as agências legitimamente francesas. O Brasil vai ser a terceira força criativa em Cannes. Se contarem todos os Leões criados por brasileiros para agências do mundo, o Brasil vai se tornar a primeira força em criatividade.

Mais uma dupla de criativos brasileiros será contratada a peso de ouro por uma agência de Nova York. Outra para Paris. E mais uma para Londres. Criativos serão contratados para o board de marketing de clientes. Mais um CMO brasileiro vai alçar voo internacional em grandes clientes, mostrando que o verdadeiro MBA é quem faz acontecer aqui sobre as condições que o país nos impõe. Aquela empresa vai achar uma causa para chamar de sua. Outras empresas vão redescobrir os produtos e a força que eles podem ter para as marcas. Aquela holding de publicidade vai fazer mais uma fusão entre suas marcas de agências. E dessa fusão vai resultar uma nova agência a ser anunciada ao mercado com uma sequência interminável de nomes históricos. Um pesadelo para recepcionistas. Aquela outra nova rede, um pouco mais pro digital, vai continuar adquirindo empresas e também fazendo fusões. Com o movimento, as suas ações vão subir na Bolsa, mas isso não vai afetar muito a vida dos clientes. Na verdade, nada mesmo. Em determinado momento do ano, vão anunciar que a publicidade morreu e agora as máquinas serão criativas. Uma empresa vai anunciar uma grande inovação: criando uma equipe interna de criação. Aquela marca pop brasileira, que deixou de ser relevante para ser comentada, vai se ver disputando preço e anuncia que voltará a investir em marca. Aquele arauto do futurismo que nunca chega vai reciclar as previsões das tecnologias de dois anos atrás, vai listá-las, publicá-las novamente, avisar que avisou e isso vai mudar tudo. Para ninguém. O profissional esgotado vai profetizar o fim da profissão, que nada mais vale a pena e a publicidade morreu. Depois vai abrir pousada no litoral e fazer freelas. Aquele jovem influencer vai propagar que tem mais audiência do que um canal de TV, mas vai torcer para ser convidado para algum reality de um canal de TV.

O consumidor vai reclamar que não aguenta mais ser perseguido por anúncios o tempo todo em sua trajetória digital. Mas vai falar isso baixo para não ser julgado e cancelado como retrógrado. Vão redescobrir o áudio. Vão redescobrir o craft. Vão monetizar. Algumas empresas vão patrocinar fake news sem saber, pois poucas procuram auditar isso. Uma determinada marca vai anunciar que faz as filmagens todas pelo celular. E que qualquer um pode fazer uma superprodução em casa. Alguns clientes vão acreditar nisso. O funk ainda vai ser a música mais tocada nas plataformas. E, no meio disso tudo, aquelas empresas e profissionais que pensam a longo prazo e valorizam suas marcas e trabalham duro vão assistir a tudo isso e pensando: bem, isso aqui é uma maratona, não corrida de 100 metros. Melhor continuar seguindo o caminho da relevância e da originalidade. Fazendo diferente e bem pensado.

Em 2022, a caravana vai passar mesmo com cães nos calcanhares latindo o tempo todo.

Flavio Waiteman é CCO-fundador da Tech and Soul (flavio.waiteman@techandsoul.com.br)