Desde março de 2020, os motoristas de táxi resistentes, teimosos, e muito especialmente os que não conseguem ficar em casa parados, caso contrário a cabeça esquenta e acabarão com seus casamentos, saem todas as manhãs à cata de passageiros. Normalmente, antes de março, mesmo com a concorrência do Uber e assemelhados, os taxistas de uma cidade como São Paulo terminavam o dia fazendo entre 12 e 22 corridas, e com R$ 300 a R$ 400 de faturamento.

Hoje, com sorte, uma corrida de manhã, outra ou duas à tarde, e voltam para casa com menos de R$ 10 no bolso, na medida em que gastaram o restante em alimentação e combustível. Essa não é uma realidade exclusiva de nosso país. Isso vem acontecendo, em maiores ou menores proporções, em todos os países e principais cidades do mundo.

Em Londres, que se notabilizou pela inteligência de ter um único e mesmo modelo para todos os táxis, criado e desenvolvido exclusivamente para ser táxi, facilitando a vida dos motoristas e garantindo o maior conforto para os passageiros, os tradicionais carrinhos pretos praticamente desapareceram das ruas. Diferentemente do que acontece nas demais cidades onde os táxis são carros comuns convertidos, as empresas proprietárias dos carrinhos pretos, donas das frotas, não têm o que fazer com os milhares de automóveis devolvidos…

Falando ao The New York Times, meses atrás, Steve MCnamara, secretário-geral da Associação de Motoristas de Táxis Licenciados da cidade de Londres, disse: “Somos o único ícone que sobrou de nossa cidade, Londres… E, nesse ritmo, teremos desaparecido por completo em no máximo três anos…”. Impossível pensar-se em Londres sem aqueles milhares de carrinhos pretos cruzando as ruas da cidade… Impossível não nos emocionarmos e carregarmos muita tristeza em nossos corações pelos lugares, pessoas e momentos queridos que perdemos para sempre nesta terrível pandemia. Fernando Pessoa, décadas atrás, celebrou esses pontos de referências de nossas vidas. Lembram, numa poesia chamada Tabacaria.

“Cruz na porta da tabacaria! Quem morreu? O próprio Alves? Dou ao diabo o bem-estar que trazia. Desde ontem a cidade mudou.

Quem era? Ora, era quem eu via. Todos os dias o via. Estou agora sem essa monotonia. Desde ontem a cidade mudou.

Ele era o dono da tabacaria. Um ponto de referência de quem sou. Eu passava ali de noite e de dia. Desde ontem a cidade mudou.

Meu coração tem pouca alegria. E isto diz que é morte aquilo onde estou. Horror fechado da tabacaria! Desde ontem a cidade mudou.

Mas ao menos a ele alguém o via. Ele era fixo, eu, o que vou. Se morrer, não falto, e ninguém diria. Desde ontem a cidade mudou…”.

É isso, amigos, segue a vida. Mas vamos sentir muitas saudades de todas as referências de que perdemos nos últimos 18 meses. E sem essas referências, mesmo vivos, também morremos um pouco.

Nós, sobreviventes da Covid–19, daqui para frente e para sempre, com a sensação que esquecemos ou perdemos alguma referência pelo caminho, que está faltando um pedaço em nós. Quem sabe um dedo… Talvez uma perna inteira…

E volta e meia nos distraindo e desejando parabéns e muitos anos de vida nas redes sociais, para queridos amigos que não moram mais aqui, mas nossa memória, sabe-se lá por quais razões, recusa-se a dar baixa.

Francisco Alberto Madia de Souza é consultor de marketing (famadia@madiamm.com.br)