Em meio a produções como “Era uma Vez em… Hollywood”, “O Irlandês”, “Jojo Rabbit”, “Histórias de um Casamento” e “1917”, dois filmes parecem ter agradado mais aos profissionais de produtoras no Brasil: “Coringa” e “Parasita”. O PROPMARK entrevistou alguns deles sobre os aspectos que tornam essas produções tão especiais e questionou sobre o legado que elas deixam para o setor.
“Além de uma entrega e uma atuação impecável de Joaquin Phoenix para o personagem, Coringa tem uma história bem visceral, perturbadora e que flerta com os limites morais do que é certo e errado. Também me faz pensar sobre a estrutura social da atualidade ao redor do mundo, refletindo sobre o paralelo entre o universo DC e Marvel, construindo um novo Batman nos cinemas e dando origem e sentido às desavenças entre mocinho e vilão”, avalia Dudu Venturi, sócio e produtor-executivo da Zepp Filmes
Para ele, Coringa mostra que boas historias é que ficam, priorizando os atores e menos pirotecnias e efeitos especiais, dando o devido equilíbrio entre storytelling e técnica. “Por exemplo: o filme tem uma fotografia mais suja e de pouca iluminação; uma direção de arte crua, make & hair e figurino naturalista, dialogando diretamente com o universo estético que a historia pede. Assim, percebo que, para o setor de produção, não precisamos ser megalomaníacos ou seguir tendências estéticas do mercado. Podemos e devemos pensar que o visual de um filme deve dialogar diretamente com a historia que é contada”, completa.
“O ”Coringa” é o meu filme favorito. Muito pela atuação do Joaquin Phoenix, que constrói um personagem de maneira não dualista, já que não existe uma vilanização do personagem. E também pela complexidade que a trilha possui. Hildur Guðnadóttir, a compositora da trilha, conseguiu traduzir essa densidade na música”, afirma Silvio Piesco, sócio e diretor de criação da Tesis.
Ele explica que a trilha é feita de camadas sobrepostas, assim como o personagem. “Não existe o preto no branco. Existe o lado tenso e sombrio, mas também delicadeza, muita vezes simultaneamente”, explica. “Hildur é uma compositora incrivel que não se limita a padrões musicais – assim como Joaquin Phoenix não se preendeu aos cliches que se esperaria da personagem, Hildur também surpreende nas suas escolhas musicais”, avalia. Para Piesco, o principal ponto a ser observado pelo mercado é que a música não para de se reinventar.
Andre Ferezini, diretor de cena da Piloto, gosta de “Coringa”, mas também o documentário brasileiro “Democracia em Vertigem” e de outro favorito dos profissionais no setor: “Parasita”.
“É impossível dissociar uma obra audiovisual como um longa-metragem do seu tempo e do local geográfico onde foi realizada. Esses três filmes citados, cada um com suas especificidades, mostram algo em comum que parece ser a voz do cinema atual: a revolta”, analisa, citando ainda o brasileiro “Bacurau”, que não concorre ao Oscar. “Dá para se ter uma noção da temperatura em que vivemos. Estamos numa era de vilões, de pessoas retrógradas e enlouquecidas no poder, e o cinema e as artes em geral respondem com muita força nesses momentos”, afirma.
“Vivemos “tempos interessantes”, como diz aquela maldição chinesa. Significa que estamos em uma fase de incertezas, agitação, turbulências, de falta de tranquilidade e de paz, e de muitas coisas sendo resignificadas. E a produção cinematográfica atual é prova disso. É este recorte temático, o da revolta, que a meu ver tem atraído e feito conexão com o público”, resume. Ferenzini.
Raphael Pamplona e Caio Amantini, da dupla de diretores Los Pibes, da produtora Awake, fecham questão com “Parasita”, como filme favorito. “O filme tem uma direção muito fina, com movimentos de câmera e enquadramentos que constroem muito bem a narrativa, e uma montagem invisível e ótimo acting. Mas, com certeza, o roteiro deste filme é o que mais me encantou. Ele trata de maneira catártica e em termos, absurda, sobre a luta de classes, um tema cada vez mais recorrente no cinema”, avalia Caio. “Só que o filme traz essa questão sob um novo olhar. Uma luta não entre o rico e pobre, mas entre o pobre e o mais pobre, onde parece que cada vez que você sobe alguns degraus desta “escada social”, as chances de cair ao fundo do poço só aumentam”, completa.
Para ele, além da questão social, o filme demonstra outra tendência no setor de produção: o idioma não é mais uma barreira, e pode-se sim fazer obras audiovisuais em língua nativa para todo o mundo.
Raphael afirma que “Parasita” consegue criar uma relação de exposição entre duas realidades ocultas com plots “absurdos” porém possíveis devida à genialidade na construção semântica entre as duas famílias. “Mesmo que em uma estrutura clássica, o filme consegue ser inventivo e catártico para falar de luta de classes”, resume. Ele acredita que “Parasita” reforça uma demanda global por narrativas contemporâneas e autorais, e fora da indústria americana e seus padrões. “A luta de classes também é um assunto, já que foi tema central de três dos principais filmes em Cannes esse ano (Bacurau, Parasita & Coringa). Todos se tratam de um cinema que se preocupam em parar de tratar a massa como boba ou ignorante e as trazem como elementos ativos para a mudança da desigualdade”, avalia.