Gabriela Machado é advogada da More Grls/Divulgação

Apesar de ter voltado para a Câmara dos Deputados devido à alteração do texto no Senado, o projeto de lei que prevê multa para empregador que pagar salário diferente a homens e mulheres que exercem a mesma função levantou discussões e movimentou os bastidores do governo. O presidente Jair Bolsonaro, que já estava com o PL em mãos para vetar ou sancionar, chegou a comentar sobre o projeto em uma das suas lives e pediu a opinião dos seus seguidores. Mas, afinal, o que a proposta representa para o mercado de trabalho, incluindo o de comunicação? Qual será o impacto, caso seja aprovada?

“O PLC 130/2011 confere proteção adicional, já que prevê multa específica para discriminação salarial por gênero. Uma empresa que remunera de forma distinta homens e mulheres que exercem as mesmas funções deverá reparar a pessoa prejudicada não apenas pagando a diferença salarial ou uma indenização por dano moral, mas adicionalmente uma multa de até cinco vezes a diferença registrada”, diz Gabriela Machado, advogada da More Grls.

A advogada lembra que já existem proteções legais sobre discriminações salariais, pois tanto a Constituição Federal como a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) proíbem diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil. No entanto, sabemos que apesar das previsões na Constituição e na CLT, o Brasil não foi capaz de diminuir a disparidade salarial entre homens e mulheres.

“Dentre vários motivos sob o ponto de vista jurídico, podemos destacar dois de ordem prática: (1) as mulheres prejudicadas têm medo de perder o emprego caso questionem a discriminação judicial ou administrativamente e (2) as penalidades previstas na CLT, por serem brandas, compensam a infração à lei. O projeto de lei busca resolver o segundo caso. Com uma punição mais rigorosa, é possível que ocorram avanços na equiparação salarial por gênero”.

A equiparação salarial é ponto central para estimular a entrada e a manutenção das mulheres nas suas carreiras. Essa questão não é diferente no mercado publicitário. Em 2019, o PROPMARK e a More Grls fizeram uma pesquisa que mostrou que as mulheres ocupam 46% dos cargos de liderança. A maioria está concentrada em cargos de “middle management”, um total de 54%. Ou seja, são gestoras, mas ainda não estão no topo da pirâmide. “O cargo de CEO nas principais agências do país é ocupado por apenas 11% de mulheres e 37% em cargos de VP e C-level. Outro ponto a se destacar é que as mulheres ainda estão concentradas nas áreas de atendimento, com 69%. Já na criação, elas são apenas 25%. Mas ainda tem um problema maior para se discutir: de todos os cargos de liderança, apenas 4,3% são ocupados por mulheres negras”, pontua Gabriela.

A advogada lembra que números do mundo corporativo em geral mostram que estamos andando para trás: a porcentagem de mulheres no mercado de trabalho formal caiu e agora é a mesma de 30 anos atrás. “A pandemia afetou principalmente a empregabilidade de mulheres e questões como diversidade ainda são vistas no mercado corporativo como ações sociais. Arriscamos um palpite de que os números devem estar piores”.

Camila Moletta e Laura Florence, cofundadoras da More Grls, criticam a cultura da indicação nas agências/Divulgação

Camila Moletta e Laura Florence, cofundadoras da More Grls, afirmam que a cultura da indicação ainda é muito forte no mercado. “Se para chegar num cargo de liderança criativa for necessário ter trabalhado em grandes agências, com grandes clientes e prêmios no portfólio, como as pessoas que historicamente tiveram menos oportunidades entram nessa bolha?”, questionam.

Sobre a importância da diversidade para os negócios, elas reforçam que a relação entre lucratividade e presença de uma liderança diversa aumentou nos últimos tempos. “Em 2019, uma empresa com liderança mais diversa apresentava 36% a mais de lucro segundo o relatório da McKinsey, o Diversity Wins de 2020. Mas parece que nosso mercado é impermeável a isso. Ainda vemos a diversidade pelo prisma da ação social, e as iniciativas nesse sentido estão mais focadas em cargos de base do que na liderança. Ainda é muito mais fácil para o nosso mercado criar um programa de estágio e escolas de capacitação do que colocar na meta da empresa ter executivos e um board diverso”.

Agências

A WMcCann afirma que tem 50% de mulheres no quadro de liderança e 55% no time, sendo que o número vem crescendo consistentemente. “Além disso, nos envolvemos em diversas ações e iniciativas dedicadas a promover a igualdade de gênero. Na criação, área que culturalmente possui baixa quantidade de mulheres, buscamos a contratação direcionada e parcerias como a que temos com a More Grls, por exemplo. Estas ações para combater os obstáculos culturais precisam andar em paralelo ao trabalho de aquisição de talentos diversos. Pensamos que fechar os olhos para essa lei é fechar os olhos para tudo que foi conquistado até agora em equidade de gênero. Precisamos continuar evoluindo como empresa e sociedade, em oportunidades iguais para todos, com equiparação salarial. No nosso mercado, ter um time diverso é essencial para o business. Ter mentes diversas trabalhando nas campanhas nos abrem para um mundo criativo e sem fronteiras”, destaca Paula Molina, diretora de RH da WMcCann.

Paula Molina, da WMcCann: “Precisamos continuar evoluindo como empresa e sociedade”/Divulgação

Para Thaisa Veras, talent director da Ogilvy Brasil, garantir os mesmos direitos salariais para homens e mulheres é uma medida importante, principalmente em um cenário em que nem todas as empresas têm políticas estabelecidas nesse sentido. Segundo ela, no Grupo Ogilvy não há disparidade entre salários por questão de gêneros. Ela acrescenta que, atualmente, 57% do quadro de pessoas na liderança na Ogilvy é composto por mulheres. No board, com profissionais que se reportam diretamente ao presidente, o número é de 54% de mulheres.

“O Grupo Ogilvy tem compromisso e responsabilidade com a diversidade como um todo. Desde 2018 temos formalmente estruturado o comitê de diversidade Somos, que fomenta e provoca no público interno conversas sobre recortes de raça, gênero e outras situações de possível invisibilidade. E especificamente com o recorte de gênero, promovemos o programa de liderança feminino 30 For 30. O projeto fomenta e capacita novas lideranças femininas na agência”.

Thaisa Veras, da Ogilvy, destaca que garantir os mesmos salários é medida importante/Divulgação

Na Propeg, 65% da diretoria executiva é composta por mulheres, informa o CEO da agência, Vitor Barros. “No atendimento, este número chega a quase 100%. Dentro de criação, uma das áreas dentre as quais esse grupo pouco se vê no mercado, temos muitas redatoras e diretoras de arte. Na agência, a presença feminina nunca foi um retrato de preocupação com o gênero, e sim com o potencial de cada profissional. Independentemente do gênero, queremos os melhores profissionais dentro da Propeg, e se esse grupo for um time de mulheres, então iremos atrás delas”.

Na visão do executivo, a mudança para um mercado mais igualitário só depende de agências, anunciantes e até consumidores levantarem a bandeira por um cenário diverso. “Nunca, um homem terá a mesma compreensão que uma mulher na hora de desenvolver uma campanha feminina, por exemplo. Então, basicamente, para melhorar, precisamos enxergar necessidades, oportunidades e talentos. A dominância masculina nunca foi uma realidade na nossa agência, mas esse é um cenário que, até mesmo estando alheio a de um ambiente desses, podemos ter uma noção. Acredito que a publicidade tem diversos motivos para mudar esse quadro, e um deles implica nas campanhas pouco representativas”, reforça ele.

Diego Alonso, CFO da BETC Havas, avalia que o projeto de lei é uma iniciativa muito válida, sobretudo para que o processo de equidade saia dos discursos e se torne uma prática constante. Segundo o executivo, a BETC Havas foi uma das primeiras agências a assinar o WEP (Women Empowerment Principles), da ONU Mulheres, onde um dos principais compromissos é oferecer os mesmos salários para homens e mulheres na mesma posição.

“Temos 25 mulheres que ocupam cargos de liderança em níveis de direção, e um conselho executivo formado por pelo menos 50% de mulheres líderes. Além disso, estão presentes nas áreas de atendimento, criação, mídia, estratégia, RTVC, HR, social content e digital. Na BETC Havas, além de uma VP de criação, temos três diretoras de criação, VP de RTVC e uma diretora de social content, entre outras. A agência acredita que a diversidade é crucial para nossa evolução como empresa, e abolimos qualquer tipo de retrocesso a esse pensamento”, finaliza Alonso.

Eduardo Lorenzi, da Publicis: “Proposta tem como objetivo reparar gap histórico”/Divulgação

Para Eduardo Lorenzi, CEO da Publicis Brasil, a proposta tem como objetivo reparar o gap histórico e que as estatísticas no mundo inteiro mostram das diferenças salariais entre homens e mulheres. “Se as empresas de modo geral não tivessem o viés de gênero nas práticas salariais, essa lei nem seria pensada”, pontua ele.

Na opinião do executivo, é importante que a discussão sobre a discriminação salarial vire pauta e se transforme em conversa na sociedade. “O que precisa mudar junto com a prática salarial é a cultura”, avalia Lorenzi. Segundo ele, atualmente, a Publicis tem 57% de mulheres em cargos de liderança.

O CEO da Publicis lembra que a criação sempre foi um ambiente muito masculino. “No passado, havia uma percepção totalmente infundada de que mulheres não poderiam estar na área, o que não faz nenhum sentido.  Aqui, na Publicis, lançamos o ‘Entre’ como uma das iniciativas para ajudar a corrigir isso. Descobrimos que as mais jovens já eram desencorajadas a entrar na criação desde a faculdade. O ‘Entre’ é um programa de capacitação, desenvolvimento e inclusão na área criativa de universitárias que se identificam como mulheres. Em 2020, ele foi exclusivo para profissionais negras”, conta Lorenzi.

“Coloquei como meta para todos os líderes de departamento da Publicis ter maior diversidade em seus times. Além disso, nosso recrutamento de novos colaboradores busca perfis diferentes do que classicamente vemos em agências e é proibido de usar “faculdades de elite” como critério de eliminação na seleção”.