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A Lei Federal de Incentivo à Cultura 8.313, criada em 1991 e apelidada de Lei Rouanet em homenagem ao secretário de Cultura da época em que foi sancionada, Sérgio Paulo Rouanet, ganhou novos contornos a partir de uma instrução normativa que modifica um de seus três mecanismos de financiamento, o do Mecenato.

A principal mudança, anunciada por Osmar Terra, ministro da Cidadania, é que o teto de valores financiados passará a ser de R$ 1 milhão, não mais de R$ 60 milhões, enquanto o volume máximo de recursos que uma mesma empresa poderá receber passará de R$ 60 milhões para R$ 10 milhões – valor anual combinado de todos os projetos aprovados. Também cai por terra o nome Lei Rouanet, que para o novo governo não tem relevância.

As novas regras excluem projetos de patrimônio tombado (como restaurações de prédios), construção de teatros e cinemas em cidades pequenas e planos anuais de entidades sem fins lucrativos, como museus e orquestras. Já os projetos classificados como festas populares terão um limite de R$ 6 milhões.

O ministro citou como exemplos o Festival Amazonas de Ópera, o Natal Luz, o Festival Folclórico de Parintins e feiras de livros. Os projetos financiados deverão prever, ainda, de 20% a 40% de ingressos gratuitos, enquanto o valor dos ingressos populares, que era de R$ 75, cairá para R$ 50.

Com o objetivo de reduzir a concentração de recursos destinados aos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, serão realizados editais focados no incentivo à cultura regional, construídos em parceria com empresas estatais.

Até hoje, a maior parte dos recursos disponibilizados provinha do mecenato, em que pessoas e empresas atuam como patrocinadores ao investirem em atividades culturais e, em troca, deduzindo esse valor do Imposto de Renda. Pessoas comuns podem abater até 6% do IR com esse recurso.

Para empresas, o limite é 4%. Se por um lado a Lei Rouanet já foi acusada de pouco democrática e transparente e de ser usada para projetos que, em tese, não precisariam dela, por outro foi essencial na chamada retomada do cinema brasileiro, que havia sido desarticulado após o fim da Embrafilme, em 1990.

Em parte, graças à lei, o país conseguiu manter grupos culturais de porte variado, como a companhia Debora Colker, viabilizou grandes exposições como Picasso e a Modernidade Espanhola, no Rio de Janeiro, e a construção do Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo. Como entrou em vigor na era pré-digital, especialistas acreditam que ela ajudou a profissionalizar e atualizar o segmento.

As opiniões sobre as mudanças na lei são, em sua grande maioria, negativas. Carlos Righi, sócio da produtora Damasco Filmes, fala que no mundo inteiro a cultura recebe apoio governamental e que reduzir os incentivos culturais vai acabar com uma indústria que movimenta bilhões da economia.

“É um crime cultural. Isso beneficia quem? O cinema americano, as séries estrangeiras, as bandas de fora. Uma tristeza, uma vergonha”.

O designer Fred Gelli fala que a nova lógica proposta pelo governo reduz muito o impacto dos projetos financiados pela lei. Para ele, independentemente de qualquer coisa, é grave a miopia estratégica em relação à cultura no país.

“É uma lei que abriu muito espaço para coisas acontecerem na cultura, no Brasil, esse é um grande negócio, e o Brasil tem vocação para esse tipo de indústria. A indústria criativa do entretenimento é a que mais cresce no mundo: há levantamentos que dão conta de que cada dólar investido no segmento reverte em quatro para o país. É uma miopia tratar a cultura como uma coisa menor”, comenta Gelli.

Vilma Lustosa, diretora do Festival do Rio, um dos principais eventos dedicados ao audiovisual do país, afirma que a lei vem sendo demonizada por desconhecimento.

“O mecanismo de Mecenato da Lei do Audiovisual foi o que deu mérito à cultura audiovisual de funcionar até hoje no Brasil. Precisamos, cada vez mais, aprimorar, claro, mas ele é muito bom”, argumenta.