O Grupo Talkability, holding que entre diversas empresas controla a Bullet, uma das maiores agências do live marketing brasileiro, segue uma forte tendência entre as grandes empresas da área ao anunciar a criação de um departamento de compras para atuar diretamente na negociação com fornecedores da agência e com as mesas de compras dos próprios clientes. No caso da holding, a área é comandada pela sócia e COO Adriana Ribeiro há seis meses e já conta com nove profissionais, entre eles a gerente Fabiola Vilar, compradores para diferentes setores e controllers. O setor negocia a redução dos valores finais dos projetos propostos pela agência, além de formalizar os processos.
Fernando Figueiredo, sócio e presidente do grupo Talkability, diz que as mesas de compras vieram para ficar – para o bem e para o mal, porque há estruturas que tornam processos mais eficientes e outras que simplesmente beneficiam uma das partes, espremendo o restante da cadeia. “Passamos por três fases em relação às mesas de compras nos anunciantes: a primeira de negação, a segunda de conformismo e a terceira, que é a atual, de aceitação. Hoje, 100% dos clientes possuem mesas de compras e, claro, existem vários tipos. Existem as que só trabalham com planilha de Excel, buscam economia acima de tudo e, por isso, são prejudiciais a toda a cadeia de fornecedores. E há outras que entendem que devem buscar sim o melhor custo-benefício sem abrir mão da qualidade. É nesse segundo tipo que estamos investindo”, diz o executivo, que destaca que a grande maioria dos clientes já entendeu quais são as boas práticas nessa área – casos de Samsung, Google, BRF, Unilever, Ferrero, Colgate e Nissan, para citar alguns exemplos.
O que levou as empresas de marketing promocional a criarem seus departamentos de compras foi justamente a necessidade de repensar a relação com fornecedores e clientes, munindo-se principalmente de bons profissionais na área. Em geral, a área de custos era “tocada” pelos produtores, muitas vezes freelancers envolvidos nos projetos. “Entendemos que as mesas de compras são um mal necessário. Queremos, então, ser ainda melhores do que as mesas dos clientes. Queremos tornar os trabalhos mais rentáveis para nós e mais econômicos para os anunciantes. Homologamos fornecedores, buscamos formas mais econômicas de trabalhar, cuidamos de tudo e dificilmente, quando apresentamos nossos preços, há algo a ser questionado”, explica Figueiredo.
Ele diz, por exemplo, que muitas vezes modificar um pouco o tamanho de uma peça num projeto ou descobrir um fornecedor que tem um determinado tipo de papel em grande quantidade no estoque pode tornar tudo muito mais econômico – e ter profissionais envolvidos nisso cria um processo que se retroalimenta continuamente.
O executivo revela que ainda existem clientes que buscam economia nos 15% da agência de live marketing. “A maior miopia é querer economizar nisso. E os outros 85% acabam sendo esquecidos. Deve-se focar em comprar direito, com qualidade. O que somos capazes hoje é de provar que os investimentos valem a pena. Não adianta brigar contra o anunciante, mas tentar, junto com ele, encontrar o melhor caminho para todos”, conclui Figueiredo, que costuma ouvir que “a Bullet é cara”. Ele explica que a fama vem do fato da agência nunca abrir mão da qualidade em detrimento do preço. “O melhor preço definitivamente não é o mais barato. Trabalho com fornecedores bons, que entregam com qualidade, e essa para mim é a única maneira de trabalhar”, completa.
Kito Mansano, presidente da Ampro (Associação de Marketing Promocional), diz que as mesas de compras das empresas vêm em benefício do mercado. “O que não fazemos é ser predatórios, como muitos clientes ainda são. Queremos comprar melhor, e não fazer dinheiro. E estamos nesse negócio para entregar o melhor resultado, que nem sempre é o mais barato”, diz Mansano, em concordância com o pensamento de Figueiredo.
A área de compras de sua própria empresa, a Rock, tem hoje seis pessoas. “Com a profissionalização da área, é claro que o resultado financeiro vem, mas não fazemos como o Santander, por exemplo, que tem uma área de compras predatória. Na Ampro, batemos constantemente nessa tecla. A Ambev, por exemplo, paga seus fornecedores em 120 dias. Quem sofre é a recepcionista do evento”, diz Mansano, que há cerca de um ano vem lutando, à frente da Ampro, para combater as más práticas em departamentos de compras. “As empresas de live marketing finalmente entenderam que não são inimigas, e sim concorrentes. Temos que ter uma voz, por meio da associação, para blindar as más práticas e as represálias dos anunciantes. Estamos mapeando o mercado”, ressalta o presidente.
Segundo ele, a Unilever aprimorou suas práticas ao ouvir os fornecedores. Hoje eles têm, inclusive, um canal direto de reclamações para seus fornecedores. “Infelizmente há anunciantes que realizam ações predatórias para destruir fornecedores simplesmente porque podem trocá-los”, revela.
Do outro lado
Rachel Denstone está há um ano como coordenadora de suprimentos de mídia e marketing da BRF, citada por Fernando Figueiredo como uma das empresas que procuram ter boas práticas de compras. Segundo ela, é preciso investir na construção de uma relação de confiança entre anunciante e fornecedores, um processo de médio a longo prazo. “Já vi de tudo: agências mais transparentes, outras que nos deixam na neblina. O importante é questionar, sempre. É o que eu faço. Procuro estabelecer uma relação bem aberta com nossos fornecedores de comunicação”, diz Rachel, que faz parte do comitê da ABA (Associação Brasileira de Anunciantes) ligado a Procurement, que abrange vários aspectos na relação entre empresas e fornecedores e que vem desenvolvendo manuais de boas práticas para as áreas de compras dos anunciantes.
Já foram criados manuais para as áreas de produção publicitária, displays e produção gráfica. Está em produção um para a área digital. Ela também participou do 1º Congresso de Live Marketing, em julho passado, no painel que abordou o tema. “Há desconfiança dos dois lados. E o fato é que ainda há em mesas de compras pessoas muito despreparadas, sem qualquer conhecimento de marketing”, diz Rachel, que trabalhou um ano na J&J e 16 na P&G, sendo durante 11 anos em compras de marketing.
A executiva diz que não se vê diante de muitos impasses de negociação de custos porque tudo é conversado – tanto internamente, com seus diversos clientes, quanto com as agências. E que não há outro caminho a não ser a profunda especialização e conhecimento dos profissionais que atuam nessas áreas tanto no cliente quanto nas agências, pois há muitas variáveis. “É preciso conhecer muito bem algo que se defende”, conclui.