Participaram da mesa Celio Ashcar, chairman da Ampro e integrante da Aktuellmix; Gabriela Onofre, diretora de marketing sênior da Johnson & Johnson; Keka Morelle, diretora criativa e executiva da AlmapBBDO; Leandro Castilho, diretor de criação da Globo; Roberto Duailibi, presidente-emérito da DPZ&T; e Sergio Gordilho, copresidente e CCO da Africa.
Com moderação da editora-chefe do PROPMARK, Kelly Dores, o grupo iniciou a conversa sendo questionado sobre que tipo de campanha faz sucesso atualmente e o que é preciso fazer para que seja compartilhada nas redes sociais e estar na boca dos brasileiros.
“Os princípios continuam os mesmos. A gente tinha um conceito antigamente que a boa campanha é controversa, é aquela que gera buzz, não existia essa expressão ainda, mas é a que gera oposições, críticas, elogios e perplexidade. Uma campanha que move as pessoas em alguma direção, que dá resultado de vendas, sem dúvida”, afirma Duailibi.
“Nós somos do tempo em que o sucesso de uma campanha era medido pelo número de perus vendidos, pelo número de contas abertas no banco, por venda realmente. Nós somos herdeiros daquele vendedor que saía com uma pastinha na mão, visitando cliente por cliente, fazendo pedido”, lembra.
Uma boa ideia, segundo o publicitário, é aquela que “consegue fazer retornar o dinheiro posto na sua execução, disseminação, frequência e continuidade. Propaganda ainda depende de frequência e continuidade. Não há aquela propaganda que é feita uma vez e depois não acontece nada.”
Ainda de acordo com Duailibi, uma campanha precisa ter emoção. “Mas deve ter também racionalidade. A campanha da Previdência, por exemplo, deveria estar baseada em números e gráficos para dar racionalidade e gerar emoção”, atenta.
Somando vozes à fala do patrono da DPZ&T, Keka Morelle apontou que o que faz uma campanha ser memorável e se conectar com o público é um assunto polêmico. “Isso sempre fez parte de um trabalho criativo e hoje, pela repercussão das redes sociais, as marcas se retraem e têm medo, porque antigamente a gente tinha uma ideia criativa, mas não tinha um feedback tão instantâneo. Acho que marcas como Burger King, por exemplo, sabem muito bem lidar com essa polêmica. Que a gente não perca esse termômetro de fazer coisas tão criativas, que gerem controvérsia e discussão”, propõe.
Para Gabriela Onofre, da Johnson & Johnson, a polêmica é inerente ao ser humano. Segundo a executiva, que hoje atua na área global de absorventes Sempre Livre, uma boa ideia precisa necessariamente tocar as pessoas de forma relevante.
“Pode ser um sorriso, algo que eu concorde e você não e aí isso causa a polêmica, ou pode ser gerar a reação e a emoção. Mas nosso grande diferencial é quando a gente consegue tocar a pessoa. E o trabalho que a gente faz é entender o que realmente está por trás, o que são os insights. O que toca?”, reflete.
“Falar de menstruação é muito mais que falar de um absorvente. Tem tantas emoções: a de ficar menstruada pela primeira vez, a de virar mocinha para a família, todos os tabus, enfim. Por que as pessoas usam Sempre Livre? Porque eu estou lá como marca, eu entendo esse momento, eu ajudo a mãe na conversa, ajudo ela a achar informação”, defende. Gabriela apontou ainda para a relevância da marca do ponto de vista humano. A executiva lembra que há 60 anos a Johnson trabalha essa aproximação, enviando livros para as casas das mães ajudando-as a conversar com as suas filhas sobre o período menstrual. “Hoje a gente fala pelo Instagram, por meio das influenciadoras. O que mudou foi o jeito, mas para ser relevante precisa tocar e para tocar tem de ser humano.”
Mudanças nas relações
Nesse sentido, Sergio Gordilho acredita que é preciso criar relações emocionais com o consumidor de alguma maneira. “Elas podem ser um sorriso, uma informação que a pessoa recebeu pela primeira vez, continua sendo a mesma coisa que a DPZ fazia”, aponta.
“Quando eu estava na Bahia olhava aqueles anúncios e pensava: eu quero trabalhar nessa profissão. O nosso negócio é esse. Criar relações emocionais. As ideias são baseadas nisso, que geram valores para as marcas por meio de vendas e imagem, o que é significativo hoje, mas não mudou muito do que a gente vem fazendo”, diz.
Ainda de acordo com o executivo, é fundamental compreender que, mesmo com o advento da tecnologia, o core do mercado ainda é e precisa ser a comunicação. “Nós não somos uma indústria de tecnologia, somos uma indústria de comunicação. Usamos a tecnologia melhor do que ninguém e precisamos usá-la, com certeza. Mas nossa ideia continua baseada nisso, sem criar relações emocionais a gente não consegue fazer nenhum tipo de conexão.”
“A gente tem de ser relevante por meio das conexões e é isso que trabalhamos todos os dias. É a essência da nossa indústria, se a gente perder isso de discutir as ideias, de que a ideia é relevante para a gente, perdemos nossa indústria, não tem mais motivo, a gente pode trabalhar com outra coisa, mas não com comunicação. Às vezes, nossa ideia não está mais em um formato de comercial, mas está em forma de produto ou outro tipo de ação e as pessoas estão esperando isso também”, vaticina.
Para Leandro Castilho, diretor de criação da Globo, essa transformação na relação com o consumidor se acentua diante de em um cenário onde as pessoas, cada vez mais, têm se tornando marcas. Para ele, essa mudança atinge também o público-alvo, que passa a ser personalizado. “Quanto mais próximo e olho no olho for esse projeto de comunicação, mais eficiente ele será. Da mesma forma que nós buscamos pessoas próximas a nós que são honestas e legítimas, quanto mais os projetos forem honestos e legítimos mais eficientes eles serão nessa relação”, diz.
Celio Ashcar, da Aktuellmix complementou o pensamento de Castilho ao afirmar que a comunicação precisa ser direcionada. “A gente não fala mais para a massa, temos de fazer uma comunicação direcionada para quem queremos passar essa informação. Não usamos mais o termo GPS, a gente usa o GSS, que é ‘gastar sola de sapato’. É preciso estar na rua para antes de fazer a comunicação, entender para quem vamos fazer e qual a mensagem que vamos passar.
E ela pode estar em diversos meios. Como agência temos de escolher a melhor mensagem e o melhor canal”, diz.
Criatividade
A partir da provocação sobre o que é ser criativo hoje e como eles fazem para incentivar suas equipes, os participantes falaram sobre as mudanças na indústria da publicidade e como isso vem alterando a criação ao longo dos anos.
Segundo Keka Morelle, encontrar caminhos para a criação precisa ser um exercício rotineiro. “É preciso se colocar numa posição de estudante, de buscar informação, de estudar. Sair do seu ponto de vista é imprescindível, a lente que a gente tem sobre um trabalho ou uma marca precisa ser ampliada, meu incentivo diário na agência é que a gente saia da nossa bolha e vá conhecer e entender melhor a diversidade do nosso consumidor, da nossa audiência.”
O CCO da Africa acredita que desde sempre ser criativo está atrelado à capacidade de manter “certa infantilidade”. “Precisa ser um pouco infantil no sentido de não ter muros para a gente falar as coisas que a gente fala, colocar as coisas que a gente coloca”. Gordilho atenta que para manter a equipe engajada é preciso ter esse caráter de não se levar tão a sério. “Comunicação é isso: é conversar como a gente conversa com os amigos e contratar dessa maneira”, diz.
Por outro lado, complementa o executivo, é necessário ter a expertise de entender que a indústria mudou. “Fomos formados sendo grandes contadores de história. A propaganda brasileira é conhecida por essa característica. Só que hoje, isso já não é suficiente porque você precisa acompanhar essas grandes histórias e é preciso compreender que elas saem das pessoas”, comenta.
Para Gordilho, esse acompanhamento precisa ser inerente aos criativos. Se antigamente eles buscavam as grandes histórias “no bar”, hoje precisam estar atentos ao “social listening”. “Esse aperfeiçoamento fez com que nós criativos tenhamos de ser ainda mais criativos. […] O nosso trabalho hoje é de banda e não mais de um cantor sozinho. Envolve muito mais a equipe porque cada um tem uma função.” Para ele, o profissional que consegue buscar um insight criativo e levar para a agência é tão importante quanto quem cria a história e quanto quem a conta.
Essa transformação na indústria, para Gordilho, é a segunda maior de sua carreira, após a substituição da Letra 7 pelos computadores. “Até então éramos geradores de filhos, a gente criava uma ideia e só via ele lá na frente. Hoje a gente acompanha nossos filhos na escola. Nós que somos criativos e gostamos de ideias, é muito enriquecedor este universo que estamos vivendo, onde cada mídia se complementa. A gente está vivendo um momento único na comunicação brasileira”, aponta.
Segundo Celio Ashcar, o consumidor espera experiências e mais do que contadores, hoje, os profissionais de comunicação precisam ser “entendedores de histórias”. Para Roberto Duailibi, o conceito de criatividade sempre esteve ligado à boa execução dos projetos e hoje há ingredientes que interferem no processo criativo, como a polarização. “É muito mais difícil ser polêmico com humor, porque as reações são muito mais violentas”.
Integração
Mais do que deixar a criatividade nas mãos exclusivamente das agências, é preciso que todos estejam comprometidos e envolvidos no processo, incluindo as marcas. “A gente não pode delegar a criatividade só para a agência. Temos de inspirar quem está trabalhando com a gente. O que é o meu propósito? E disso virão grandes ideias. Se a gente estiver aberto, nos colocando no papel de quem está vivendo, as coisas acontecem”, comenta Gabriela Onofre.
A executiva afirma que para a campanha global de Sempre Livre, que tem como mote “Sempre Juntas”, a marca promoveu uma viagem para Índia, África do Sul e Filipinas para que planejamento e atendimento da conta acompanhassem de perto os tabus ligados à menstruação.
“Hoje tem essa troca com o consumidor, ele também é parte do processo criativo. A gente como marca tem de experimentar mais, precisa saber o que a gente é, quais os nossos posicionamentos, porque nós só vamos pensar em conexão humana se nos se comportarmos como uma persona. O nosso público também é parte hoje dessa criação, a gente precisa que as agências nos ajudem a orquestrar tudo isso”, diz.
Para Leandro Castilho, diretor de criação da Globo, a equipe precisa estar disposta a aprender. “No nosso setor, a gente embala a ideia dos outros com o objetivo de construção de marca. O resultado não é a audiência, mas a relevância da marca”, defende.
Cenário atual
A última rodada de perguntas do painel levantou a questão sobre como fazer propaganda bem produzida em um cenário econômico instável. “Acho que essa é única coisa que não mudou no Brasil”, brincou Keka Morelle.
“Sempre tivemos de lidar com esse assunto de corte de verbas e ser criativo em um cenário menor”, ponderou a executiva, que iniciou sua carreira no Rio Grande do Sul e defende que, fora do eixo Rio-São Paulo, é comum que as peças tenham menos investimento e precisem se adaptar aos orçamentos enxutos.
Já para Gordilho, apesar de acreditar que “quando a ideia é boa, o dinheiro aparece”, ele afirma que a escassez de recursos é intrínseca do mercado nacional. “A propaganda brasileira sempre foi de ideias simples e objetivas e isso talhou a gente”, diz.
“Somos a terceira indústria de criatividade do mundo num país em que a economia varia entre décimo, sétimo etc. quer dizer, nós somos mais relevantes no mundo que a nossa economia. […] Temos um mérito muito grande porque várias gerações construíram essa reputação de fazermos grande criatividade sem contar tanto com o budget”, reflete.
Para Gabriela Onofre, é preciso ter parceria entre cliente e agência. “Essa relação de confiança faz com que outras ideias apareçam independentemente da verba”, diz.
Por fim, os participantes falaram sobre haver publicidade tradicional e moderna. “Não existe nada mais moderno que o print. Não é sobre a textura do papel. Um anúncio é um post e o princípio é o mesmo: a ideia. Foi aí que o Brasil construiu sua reputação criativa. O novo só é novo até não ser mais. O bom não envelhece”, finaliza Gordilho.