O consumo é vital para a sobrevivência das marcas. Na direção contrária, a sustentabilidade repensa essas relações e alerta para o futuro do planeta. A publicidade, em ações para atender novas tendências do mercado, une consumo e sustentabilidade por meio do “marketing verde”. Entretanto, os modismos de uma vida ecologicamente correta podem desencadear outros excessos que colocam os produtos “verdes” e “normais” em uma mesma categoria: a do consumo desenfreado.
As ciclofaixas, espalhadas pela cidade de São Paulo, incentivam o uso das bicicletas para desafogar o trânsito e diminuir a emissão de poluentes na atmosfera. Com a campanha de divulgação, uma cena comum tem sido ver famílias, aos domingos, chegar em seus carros à gasolina, estacionar em pontos próximos às ciclovias com suas bicicletas e, depois do passeio, voltar para casa de carro.
Esse é o exemplo dado pela professora do curso de Propaganda e Marketing do Mackenzie, Selma Felerico, para explicar os “discursos esquizofrênicos” destacados por ela como o paradoxo das falas que envolvem o consumo consciente. “A sustentabilidade e os ‘ecoprodutos’ se tornaram tendência e novidades tomam conta do mercado e das vendas. Essa maquiagem do marketing verde gera um novo padrão de consumo excessivo. Ou seja, não mudamos a forma de consumir, apenas os produtos consumidos”.
Os problemas ambientais estão presentes no dia-a-dia de todos. Atualmente, a crise hídrica enfrentada pelos Estados de São Paulo e Minas Gerais respinga na forma como a publicidade irá trabalhar a promoção de serviços e produtos, explica Carlos Eduardo Santos Silva, professor do curso de Propaganda e Marketing do Mackenzie. “Toda a sociedade se mobiliza por uma causa que afeta a todos e essas mudanças ‘forçadas’ nos hábitos diários exigem que os produtos também se reformulem para atender a um novo consumidor, mais atento para as consequências de suas atitudes”.
Segundo Silva, o pensar sustentável das empresas não é um custo a mais e, sim, um investimento. “Os recursos naturais estão se esgotando e alguns publicitários têm tido iniciativas para reduzir os impactos para o mercado. As embalagens inteligentes, reaproveitáveis ou recicláveis são bons exemplos, pois as embalagens estão em tudo o que compramos e acabam sendo descartadas automaticamente”, comenta o professor.
O conceito “greenwashing” indica a apropriação de virtudes ambientalistas no marketing e relações públicas das organizações, empresas, marcas ou pessoas. Esse rótulo tem como objetivo criar uma imagem positiva diante da opinião pública, uma vez que a responsabilidade ambiental está presente nas campanhas educativas.
Silva, no entanto, destaca a importância das marcas fornecerem informações verdadeiras sobre seus produtos. O storytelling deve ser sustentado de acordo com as ações da empresa. Ele ainda ressalta que essas lembranças positivas podem virar uma crise de imagem, caso esse rótulo sustentável seja falso ou desonesto. Ele cita os casos recentes ocorridos com as marcas Diletto e suco do Bem, notificadas pelo Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) por conterem em suas embalagens informações que não são verdadeiras. Relembre o caso.
O consumo da moda movimenta o mercado de compras e é um dos setores mais fortes da economia. Em um anúncio publicitário de moda ou vendo o produto final na loja, não é possível saber qual seu processo produtivo. As recentes denúncias de trabalho escravo contra grandes redes de fast fashion, por exemplo, é apontado por Selma como um problema antigo na indústria da moda. Segundo ela, a sustentabilidade está, também, na forma como essas peças foram produzidas, as condições de trabalho e os materiais utilizados.
“Na década de 70, coreanos, bolivianos, entre outros, já estavam no Brás e no Bom Retiro, em São Paulo, trabalhando em condições desumanas para grandes marcas de moda. Compramos roupas que custam R$ 100,00 na loja, mas foram costuradas por R$ 0,50. Precisamos pensar o que está por trás dos grandes anúncios e das modelos perfeitas vendidas pelas campanhas publicitárias”, explica Selma.
Além do desejo, um produto pode ser consumido por ostentação e status, devido aos valores agregados a ele em seu visual e marketing agredados. Para a professora, a ostentação parte dos formadores de opinião, que tornam alguns itens mais desejados que outros. “Os blogueiros são os grandes disseminadores dessas tendências e poderia partir deles, com seus altos graus de penetração, repensarem o consumo consciente e despertarem as discussões sobre as consequências do que compramos para o meio ambiente”, finaliza Selma.