A R/GA é uma agência cujos trabalhos pouco têm a ver com campanhas tradicionais de publicidade. Ao criar sistemas para seus clientes, ela tem sido aclamada com Grands Prix nos principais festivais da indústria no mundo e questionado qual é o papel de uma agência. Ela faz parte do grupo Interpublic, soma 13 escritórios e tem na carteira clientes como Nike, L’Oreal, J&J e MasterCard. Nesta entrevista ao propmark, Nick Law, CCO global da R/GA, desconstrói mitos como o poder da criatividade e explica porquê a agência não acredita na grande ideia.
Clientes e agências têm buscado entender como a tecnologia pode ser útil para os negócios. Como evitar modismos e de fato encontrar soluções para aumentar a competitividade dos clientes no mercado?
Nossa indústria sempre usou tecnologia. Se fatiar um filme de 30 segundos, cada elemento da produção está envolto em tecnologia. A diferença entre a tecnologia de 60 anos atrás com o que usamos hoje é que a audiência agora tem o poder de manipulá-la. A que costumávamos usar, com a mídia, possibilitava a emissão de mensagens, mas não a resposta da audiência. Hoje todas que nos rodeiam permitem criar interfaces com as pessoas, o que significa uma audiência sobre a qual temos controle e a habilidade para criar conteúdo e compartilhar. No passado, a comunicação era vertical (top down), e agora é o oposto. A publicidade vertical é o que a indústria está acostumada a fazer: pegamos a mensagem do cliente e enviamos para a audiência. A razão pela qual tecnologia se tornou a grande questão nos dias de hoje é pela forma como estamos trabalhando com as ferramentas atualmente. Isso não significa que ela não tenha estado sempre presente no negócio. Agora toda a indústria está buscando entender quais são as habilidades necessárias para o momento atual e parecem estar todos em pânico.
Se a indústria sempre usou a tecnologia, como usar as ferramentas atuais para sair da publicidade vertical e construir conexões entre marcas e consumidores?
Toda companhia é composta por três camadas: pessoas, processos e estrutura. Eu acredito que a terceira camada é a mais difícil de mudar e, a mais fácil, a primeira. O mais importante para a nossa indústria é entender que não há soluções rápidas. Por 10 anos eu tenho visto pessoas especializadas em digital migrando para agências tradicionais com a promessa de que elas mudarão o negócio. Isso nunca funciona. A razão é porque a estrutura precisa mudar. Na nossa, acreditamos que há duas formas de usar mídia: você pode contar histórias ou construir sistemas. O erro das agências tradicionais é acreditar que elas podem criar ideias digitais com contadores de histórias, e o erro das digitais é acreditar que desenvolvedores de sistemas podem contar histórias. Essas são duas formas de pensar simplesmente diferentes. De alguma forma, sistemas já existiam antes das redes sociais. A televisão é um exemplo. Como indústria, não mudávamos o sistema, somente inseríamos mensagens dentro dele. Era a forma vertical de fazer comunicação. Agora estamos em um momento da mídia em que podemos desenhar sistemas, criar um ambiente onde a audiência pode ter comportamentos. Isso é algo muito poderoso. A nossa indústria acha muito difícil pensar nos criativos para fazer tudo isso. Em muitos casos, a agência para na mensagem. Ela questiona qual é a grande ideia, constrói a mensagem, gasta a maior parte do orçamento na televisão e, depois, busca descobrir como irá espalhar a mensagem pela web. Para nós, isso está errado e a forma de fazer é o oposto. O ponto de partida não é a grande ideia, mas o comportamento que irá fazer o negócio crescer. Você só pode inverter essa lógica se estiver estruturado para tal. Mesmo que você tenha as pessoas certas no time, se o processo não estiver na ordem correta o modelo não funcionará.
Quem são as pessoas adequadas para atuar dentro dessa estrutura?
Uma das coisas que distinguem o mundo de hoje do que ele era há 20 anos é que havia um tempo em que líderes criativos, como eu, ou diretores de arte podiam ajudar suas agências a solucionar quaisquer problemas. Isso não é mais verdade hoje em dia. Há coisas que a R/GA faz que eu sei o que são, mas não tenho as habilidades certas para fazer. Nós temos que contratar pessoas com habilidades distintas: redatores e diretores de arte, como nos tempos antigos, programadores capazes de falar uma miríade de linguagens, designers com experiência, que entendem como desenvolver interfaces e experiências, criativos e estrategistas em mídia social, especialistas em varejo, que entendam a dinâmica tanto física quanto virtual do ambiente de compra, pessoas que entendam como desenhar um ambiente de marca. A habilidade da R/GA de inovar está relacionada à nossa forma de combinar diferentes formas de pensar. O grande mito da criatividade, perpetuado pela indústria, é que você, sendo criativo, pode fazer qualquer coisa. E isso é uma bobagem. Você fica bom em algo por fazer isso por 10 anos. Essa foi a minha motivação para buscar pessoas e separá-las entre storytellers e desenvolvedores de sistemas, para deixar claro que essas são duas habilidades diferentes. Não é que não queiramos que nossos profissionais tenham uma experiência ampla. O ponto é que você se torna bom em algo por fazer isso por muitos anos. Caso deseje fazer algo diferente, então faça isso com alguém que tenha experiência de anos naquilo.
A indústria publicitária brasileira dá bastante atenção aos criativos. Quem são os grandes profissionais dentro da R/GA?
As pessoas costumam me acusar de eu não gostar de storytelling. Eu nunca disse isso! Eu contrato storytellers o tempo todo. O fato de querermos storytellers trabalhando com desenvolvedores de sistema é porque eu não acredito que storytelling seja o único elemento que importa. É tão mais fácil para as pessoas dizerem ‘ah, tudo gira em torno de storytelling’. Não, não é assim. Um dos trabalhos mais transformadores que fizemos como agência foi a Nike+Fuelband (dispositivo inteligente que levou a agência a ganhar o Grand Prix de Titanium no Cannes Lions 2012). Isso levou dois anos para ser feito, tínhamos 150 pessoas trabalhando nesse projeto e, entre todos esses profissionais, havia somente duas pessoas que eu chamaria de storytellers. O restante eram designers de sistema, programadores, designers de experiência. E isso mudou o negócio da Nike. A ideia de tudo em torno do storytelling está correta se você está fazendo televisão, e eu entendo que há alguns momentos em que você precisa de um bom comercial. Mas não está certo dizer que o talento está com eles. Isso impede a nossa indústria de crescer em áreas onde há muito espaço em branco. E, se nós não ocuparmos esses espaços, haverá startups do Vale do Silício que irão. Então, o que iremos fazer? Representar nossos clientes em todos os tipos de mídia ou decidir que somos butiques de contar histórias? Dessa forma, acabaremos sabotados por companhias como Google e Facebook, que hoje controlam os sistemas digitais. Isso é o que acontecerá a essas pessoas que convencerem a si mesmas de que storytelling é tudo.
Nessa estrutura, seus criativos e desenvolvedores trabalham juntos de alguma forma?
Sim, eles sempre trabalham em conjunto. Storytellers são muito bons em simplicidade. Eles pensam no momento presente. Já desenvolvedores de sistemas são muito bons em possibilidades. Eles veem tudo de uma forma conectada e entendem como as coisas funcionam. Mas você não cria uma marca e uma coerência pensando em possibilidades, algo difuso e amplo. Nosso processo de pensar o briefing é garimpar possibilidades e explorar. Há sempre um momento no projeto em que simplesmente temos muita coisa, muitas ideias, muitas conexões, muitas opções de caminhos. Quando profissionais de agências tradicionais chegam à R/GA, eles sempre se desesperam. Eles querem saber o que está havendo e quem está no controle daquela bagunça. É preciso paciência. Precisamos entrar naquele mar de conexões complexas e só concluímos quando encontramos a simplicidade.
Vocês anunciaram, após o desenvolvimento da Nike+Fuelband, que criariam uma área de inovação em produto. Como uma agência de publicidade consegue inovar numa área na qual clientes têm anos de experiência?
Como companhia entendemos que, se quiséssemos ampliar nossa área de atuação, não poderíamos somente conversar com a diretoria de marketing, mas também com o diretor de tecnologia e com o CEO, pessoas que têm papéis mais operacionais dentro das empresas. Temos um núcleo chamado Grupo Transformador de Negócio, para o qual recrutamos pessoas de companhias como Forrester Research, Interbrand e McKinsey, com uma formação de consultoria mais clássica. Nosso briefing pode começar com a ideia de que podemos ampliar a área de atuação do cliente. O ponto de partida é o problema de negócio, não a mensagem publicitária para lançar um produto sazonal.
A R/GA é uma agência internacional e já declarou que deseja se tornar uma companhia global. Quais são seus escritórios mais criativos hoje?
Temos 13 escritórios hoje. A operação de São Paulo é o nosso terceiro maior escritório em profissionais, atrás de Nova York e de Londres. As duas unidades da América Latina (São Paulo e Buenos Aires) são, do ponto de vista criativo, as melhores. Toda a energia criativa da rede está vindo da unidade brasileira, de Buenos Aires e de Londres. Embora a rede tenha bons trabalhos no geral, cada mercado tem suas especificidades. Na Suíça, por exemplo, temos pessoas que realmente entendem de sistemas e como isso se justapõe a dispositivos. Os profissionais são bons em desenvolver atividades realmente amplas. No Brasil, há grandes designers e aqui também há uma forte cultura publicitária. Em Buenos Aires, há ótimos desenvolvedores e produtores. Em Sydney encontramos um bom híbrido de pessoas capazes de contar histórias dentro de ambientes sistêmicos. Cada mercado tem suas características e especificidades, mas a qualidade criativa é elevada como um todo.
A agência tem uma estrutura diferente de outras tradicionais, com disciplinas como design visual e design interativo. O modelo criativo da R/GA soa compreensível para o mercado?
Os nossos clientes entendem mais o que a R/GA faz do que a indústria em geral. Para mim, é muito difícil prever quando nossos projetos serão premiados. Somos tanto uma companhia de desenvolvimento de software quanto uma agência criativa. Com isso, transitamos por várias indústrias. A que presta mais atenção em nós é a de publicidade, mesmo que façamos mais que somente publicidade. Um ano antes de Nike+ ser premiada (em 2007 o projeto conquistou seis prêmios, incluindo o GP de Cyber e um Black Pencil no D&AD), inscrevemos o NikeiD.com, uma ferramenta que permitia às pessoas desenhar o próprio tênis. E o projeto não ganhou qualquer prêmio. Na época, esse era o canal de vendas online mais rentável para a marca. De alguma forma, a indústria publicitária não entendeu o poder daquele projeto. Essa é a razão pela qual temos uma relação estranha com a nossa indústria. Depois de Nike+, a indústria nos adorou. No ano seguinte, fizemos o aplicativo de Nike+, que unia coisas como o acelerômetro e o GPS do iPhone, o que permitia a qualquer pessoa interagir com a marca, não sendo necessário comprar um tênis para isso. O pensamento era que, ao entrar na plataforma, as pessoas passariam a gastar mais. Achávamos que era uma grande ideia. E nos disseram que já haviam visto aquilo antes. Pelos últimos 10 anos, a Crispin+Porter lançou extensões do Whopper para a Burger King. A diferença entre as variações de Whopper criada pela Crispin é muito menor do que a diferença nas variações entre os produtos para a Nike que desenvolvemos. Mas o mercado, por estar acostumado a olhar variações em campanhas, e não variações em software, achou que já havia visto aquilo antes. Somos tanto premiados pela indústria de publicidade quanto incompreendidos por ela.