Pensamento criativo considera acontecimentos globais, propósito de marca, comportamento, repercussão e potencial de engajar pessoas
Subir ao palco do Palais para receber um Leão no Festival Internacional de Criatividade Cannes Lions é motivo de comemoração, mas nem todas as pessoas que aplaudem a conquista entendem o caminho criativo que leva a um dos prêmios mais cobiçados da publicidade mundial.
Repercussão é trecho obrigatório da jornada. “Isso pode ser direcionado às empresas e tomadores de decisão, no caso do Terr4, ou ao público em geral, como foi a ação no game que fizemos para ‘All out’ durante a Copa do Mundo”, exemplifica Marco Giannelli, CCO da AlmapBBDO.
A agência ganhou Grand Prix e Bronze em Creative B2B Lions com “Eart4”, criado para B3 e Pacto Global da ONU, que transformou o planeta Terra em uma empresa de capital aberto sob a sigla Eart4 para alertar sobre o esgotamento dos recursos naturais.
A AlmapBBDO levou ainda um Ouro em Media Lions com “Guarded bus stop”, feito para a Eletromidia, que ganhou também Bronze em Brand Experience & Activation ao lado de “Unbanned armband”, criado para All Out, vencedor ainda de Bronze em Entertainment for Gaming. Outro Bronze foi para “Vladmir/Elon/Francis/Boris”, criada para a CNN, na área de Print & Publishing.
“No caso de Eletromidia foi ainda mais maluco porque queríamos chegar primordialmente em anunciantes e agências para mostrar a capacidade de inovação da empresa. Mas, no fim das contas, a ideia furou a bolha e chegou em inúmeros grupos de WhatsApp”, explica o CCO da quarta brasileira mais premiada na 70ª edição do festival.
Embora cada vez mais guiado pela tecnologia, o processo de criação não mudou. “É transpiração, esforço, determinação e uma resiliência insana. Porque ter uma grande ideia já é muito, muito difícil. Mas colocá-la de pé é dezenas de vezes mais exaustivo. Por isso é que essas coisas só acontecem dentro da agência com o comprometimento que vai do estagiário ao presidente”, observa Giannelli.
A AlmapBBDO conta com profissionais para inscrever as peças e realizar o trabalho operacional. Mas o envolvimento dos criativos é indispensável. “Qualquer textinho de uma ficha que a gente tenha de escrever falando da ideia pode ser decisivo entre ganhar ou não. E acho que precisamos ficar cada vez mais atentos para isso”, orienta Giannelli.
Diamante
Terceira brasileira mais premiada, a VMLY&R estuda as categorias, formulários de resposta e os trabalhos que já foram vencedores “para que possamos inscrever os trabalhos da forma mais poderosa possível”, destaca Sleyman Khodor, CCO da agência. Colocar a ideia na rua é só a primeira parte do trabalho. Contar o que foi feito de forma impactante é tão essencial quanto lançar o projeto candidato a Leão.
“O pensamento por trás das ideias premiadas é o mesmo que usamos nas que acabam não sendo premiadas. O segredo é buscar, em cada briefing, uma oportunidade”, conta Khodor.
No garimpo, está a busca por ideias valiosas. “Você busca e busca até que chega em algo. Depois que encontra, lapida até ficar o mais reluzente possível”, compara Khodor. Segundo o executivo, o Leão é uma consequência.
“Não existe um processo criativo feito para se chegar até ele. O que existe, sim, é a definição de um critério claro sobre o que é bom ou não tão bom assim”, pondera. Segundo ele, o Cannes Lions entra para posicionar “a régua que nos ajuda a medir o quão criativas são as nossas ideias”, pontua.
A VMLY&R ganhou Ouro com “Dogs without borders” em Sustainable Development Goals. Criado em parceria com as operações de Nova York e Madrid, o case foi criado para KDog, associação voltada para a detecção de câncer em cachorros, e Sociedade Franco Brasileira de Oncologia. O trabalho ganhou ainda Prata e Bronze em Brand Experience & Activation.
Com “Los Santos +3ºC”, para Greenpeace, conquistou também Ouro e Prata em Entertainment for Gaming, mesma categoria em que levou outra Prata com “The gaming cap”, para Dell.
Já o curta-metragem “Buscapé. Back to the City of God”, para Vivo e Motorola, rendeu Prata em Film Lions e Media Lions, além de Bronze em Film Craft. A agência ainda voltou para o Brasil com Prata em Entertainment for Sport para “Black coaches”, criado para a Vivo; e Bronze em Outdoor com “Smiles everywhere”, para Colgate.
Provocações
Dona de 16 Leões com nove projetos diferentes, a Africa Creative ressalta a conexão das marcas com o momento atual e propósito. Além de Titanium, “Bring home the Bud” - criado em parceria com Wieden+Kennedy São Paulo e Nova York para Budweiser - ganhou Prata em PR e Bronze em Creative Strategy. A ação foi lançada após a proibição da venda de cervejas nos estádios da Copa do Mundo no Catar, em novembro e dezembro de 2022.
“The foamy haircut”, para Brahma, ganhou Ouro em Creative Effectiveness. O case “Trucss” levou Prata em Direct e Bronze em Design, enquanto “The exiled team”, outro trabalho para Brahma, garantiu Prata em Entertainment for Sport e Bronze em Social & Influencer. Desenvolvido para a Vivo, “The Autism journey” trouxe Bronze em Brand Experience & Activation, Design e em Health & Wellness Lions.
O case “Brahma medical department” também foi premiada com Bronze nas competições Brand Experience & Activation e Outdoor. Mais Bronzes vieram para “Salla 2032”, de House of Lapland, em Creative Effectiveness; e para “Other MC’s”, da marca Heinz, e “Atura o baile (Put Up With the Dance)”, para Budweiser - esse último com participação da Gana -, ambos em Social & Influencer.
A rota percorrida pela segunda melhor colocada entre as brasileiras vai de respostas a acontecimentos globais, captura do comportamento do consumidor e uso do humor para cativar e engajar as pessoas até a aplicação de inteligência artificial com o objetivo de personalizar cards que auxiliam na comunicação de crianças no espectro autista, experiência trabalhada em “The Autism journey”. “Um projeto que é a união da tecnologia com o propósito de criar conexões”, lembra Juliana Leite, VP de projetos especiais e conteúdo criativo da Africa Creative.
O briefing apresentado pelos clientes é o ponto de partida dos projetos. Diversas possibilidades são exploradas, mas ao longo do processo criativo surgem provocações que diferem da ideia final que ganhou Leão. “Gostamos de desdobrar as necessidades dos nossos clientes e parceiros. Quando avaliamos juntos e trazemos o cliente para o centro, invariavelmente chegamos em mais ideias robustas e assertivas”, sublinha Juliana.
Ao chegar à área de projetos especiais, as ideias passam por uma avaliação de viabilidade. Muitas vezes, é nesse momento que elas adquirem potência com outras plataformas e conexões. “Assim que exploramos as possibilidades para materializar a ideia, a criação passa a ter novas ferramentas para expandi-las, ou até mesmo transformá-las completamente”, esclarece Juliana.
Um dos parâmetros que devem ser considerados é a responsabilidade na criação, respaldada por parceiros capazes de endossar a iniciativa. Conhecer a história e a conduta dos clientes também é fundamental, seja para trabalhar o propósito das marcas ou para captar o comportamento orgânico dos consumidores. Pertinência para entrar nas conversas e efetividade são outras bases do trabalho.