Especialistas falam em inclusão de cláusulas em contratos com produtores de conteúdo e na importância do histórico como as principais práticas a serem tomadas após polêmica envolvendo o Flow
Alavancado na pandemia, os podcasts vêm sendo consumidos cada dia mais e, consequentemente, crescem um território fértil para as marcas. Realizada no final do ano passado pelo IAB Brasil, uma pesquisa mostrou que 56% dos entrevistados efetuam algum tipo de ação a partir de um anúncio em podcast, enquanto 37% garantiram buscar mais informações sobre o produto na internet.
Mas se por um lado os números e a audiência convencem, por outro, existe o risco de acontecer episódios como o da última segunda-feira (7), quando Monark defendeu a existência de um partido nazista no Brasil durante o episódio 545 do Flow.
Entre os comentários, o apresentador disse "acho que tinha que ter o partido nazista reconhecido pela lei", "dentro da [liberdade de] expressão a gente que liberar tudo" e "se o cara quiser ser um anti-judeu eu acho que ele tinha o direito de ser".
E a consequência veio a galope: em horas, nesta terça (8), os patrocinadores e apoiadores do Flow foram publicando notas de repúdio e, ao mesmo tempo, anunciando a saída do programa.
No final do dia, Monark foi demitido e a empresa Estúdios Flow pediu desculpas ao público, sobretudo à comunidade judaica. Mas o estrago já estava feito. No entanto, quais são as lições que as marcas devem ter depois do caso envolvendo o agora ex-apresentador do Flow?
Coordenadora do Centro de Estudos em Marketing Digital da Fundação Getulio Vargas, Lilian Carvalho diz que uma das principais regras é fazer uma análise de risco. “Geralmente, as marcas têm o costume de olhar primeiro para o alcance de determinado programa em plataformas de streaming, mas é importante que façam uma análise de risco que envolva o histórico do conteúdo”, afirma.
E essa não foi a primeira polêmica que Monark se envolveu. Em outubro do ano passado, ele abordou pontos sobre liberdade de expressão para falar das diferenças entre pensamentos e ações. À época, depois de escrever que ‘é a ação que faz o crime e não a opinião”, o apresentador foi respondido por um advogado e fez um questionamento que acabou gerando a polêmica. "Ter opinião racista é crime?", escreveu. Consequência: o Flow perdeu patrocínio do iFood e da Trybe.
Alessandro Souza, coordenador do curso de Comunicação e Publicidade da ESPM de Porto Alegre (RS), acredita que, neste momento, é importante que os anunciantes retirem seus conteúdos do podcast. "Se houve erro na escolha do programa, é adequado recuar e se posicionar com transparência. Claro que haverá perdas, mas ao menos elas serão em algum nível minimizadas", explica.
DEBATE É ARENA
Luciéllio Guimarães, fundador da Imagem Academy e especialista em Reputação e Imagem Social, defende que todo programa de debate se assemelha a uma arena. “Há uma simbiose de imagens, ou seja, um transfere o significado para o outro. A percepção é sempre do indivíduo, do ser humano, e marcas, hoje, são pessoas”, alerta.
Como exemplo, o especialista citou iFood, que foi lembrado ontem nas redes sociais. “A associação é imediata e negativa, por mais que a marca tenha tomado a decisão de se desvincular. Esquecer de algo, ainda mais polêmico, leva um tempo, já que os atributos de cada um são endossados mutuamente”, avalia.
Dario Menezes, diretor-executivo da Caliber, fala em critérios mais estruturados para a seleção de influenciadores e de programas para se patrocinar. Além disso, o especialista alerta também para a incongruência entre a teoria e a prática de uma empresa.
“As marcas estruturam uma comunicação para afirmar serem ESG, mas, por outro lado, patrocinam conteúdos de origem duvidosa. Definitivamente, apenas o quantitativo de seguidores não pode ser a melhor métrica”, alerta.
CONTRATOS E CLÁUSULAS
Outra lição do caso Monark diz respeito ao ponto de vista contratual. Advogada e especialista em direito para o mercado digital, Flávia Maria alertou que a marca não tem controle total sobre o que será dito ou feito por esse produtor.
"Por isso, é tão importante existir esse resguardo jurídico, em que a marca já deixa claro quais posicionamentos não serão tolerados no meio deste período de patrocínio", diz.
Na prática, ela orienta a incluir cláusulas dentro de um contrato em que especificam quais ações e falas não serão aceitas, por exemplo. “Sempre orientamos que essas cláusulas tragam exemplos de condutas que podem gerar uma rescisão imediata do contrato, porém, não fechamos esse hall de possibilidades de ações, afinal não podemos prever o que a outra parte pode fazer”, garante.