Motoristas do Uber andam incomodados com o fato de que os donos da valiosíssima marca vêm coletando dados sobre seus passos mesmo quando eles não estão transportando passageiros e “on duty”, como se diz. Dados que valem ouro, e ajudam a calcular padrões de trânsito nas cidades, oferta e demanda – o que orienta os preços das tarifas ao longo do dia –, entre outras possibilidades interessantes, como estabelecer parcerias com prefeituras e corporações, por exemplo. O Uber lucra, portanto, com a coleta de dados non-stop sobre seus motoristas e com isso se mantém competitivo, uma equação que se torna injusta quando essas informações são recolhidas indiscriminadamente, sem pedir licença, sem que os donos originais desses dados recebam nem um centavo a mais por isso. O que os motoristas do Uber alegam é que o fornecimento de dados quando não estão “on duty” equivale a trabalho não remunerado. E estamos falando aqui da startup mais valiosa do mundo, com valor estimado em mais de 50 bilhões de dólares.
O fato é que, como os motoristas do Uber, muitos de nós, de um jeito ou de outro, também sofremos, no mundo digital comandado pela tecnologia, de uma certa dor de cotovelo. Cadê a minha parte em dinheiro por fornecer dados a tantas empresas, talvez mesmo enquanto durmo? Em tempos de “vazamentos espontâneos” de informações, você tem ideia do quanto a sua vida é diariamente monitorada de diversas formas? Sabe pra onde vão os dados das dezenas de cadastros que já preencheu online, às vezes por pura inércia? Sabe o que significa de fato ser monitorado por cookies, liberar que empresas acessem seu cadastro do Facebook a todo momento, até pra fazer aqueles testes ridículos sobre que banda de rock define você? Sabe o quanto o seu celular revela quem você é, o que está fazendo, a que horas e com quem? Eu confesso que já perdi a conta do quanto da minha vida anda nas mãos de corporações.
Mas “a nossa parte em dinheiro”, ou a contrapartida que existe nisso tudo, é que, ao liberar dados, o mundo se “personaliza” ao nosso redor, oferecendo opções que fazem mais sentido, alinhadas às nossas preferências e gostos. No mundo da comunicação e do consumo, fornecer dados faz nossas marcas preferidas nos chamarem pelo primeiro nome e nos apresentarem novidades e vantagens exclusivas. Isso poupa tempo e, às vezes, até dinheiro. Abre portas, oferece oportunidades, nos tira do status de “zé ninguém” virtual. Compartilhar dados com empresas – dentro de limites normais, naturalmente –, não só nos legitima, como pode nos tornar consumidores mais competentes: melhor informados, com maior acesso a escolhas e recursos do mundo virtual. Nos faz passar para as fases seguintes nesse jogo interminável de toma lá dá cá.
Para sorte das marcas e de quem mais está no negócio dos dados, há uma geração de meninos e meninas construindo um comportamento social no mundo eletrônico desprovido de qualquer preocupação maior com o conceito de privacidade original, e revela sua vida como se fosse mesmo um livro aberto, ou talvez mais um filme despudoradamente explícito. Contingência desse novo mundo em que eles nasceram e, para o bem e para o mal, enterrou definitivamente o conceito de privacidade tal qual a minha geração, e as anteriores, conheceu. Não cabe aqui juízo de valor porque, como diz a minha filha de 13 anos, eu nasci mesmo “em outro tempo”. Cabe às empresas lidar responsavelmente com isso, e manterem-se do lado bom da força, resistindo à tentação de extrapolar no uso das informações. Como a Apple, que afirma não abrir para o Governo dados nem de um terrorista, para não correr o risco de se tornar, oficialmente, “dedo-duro” de seus fiéis clientes. Em tempo: quer saber quanto valem o seus dados? O DataCoup e o Financial Times criaram, respectivamente, ferramentas em que se pode calcular o valor dos próprios dados a partir de uma série de informações. Vale só pela brincadeira.