2017 foi o ano que o mundo bateu o recorde de vítimas de crises humanitárias. Conflitos, fome, epidemias, desastres naturais. Orçamentos para ajudas humanitárias de países como os Estados Unidos também sofreram cortes.

 

Fiquei pensando em como estávamos involuindo como sociedade na mesma velocidade que evoluímos. Como é possível que chegue menos recursos, água, remédio, abrigo a quem mais precisa num planeta com tanta informação, tecnologia, avanços na saúde, engenharia, transporte. É como se a consciência tivesse mergulhado num enorme vale entre o avanço e a solidariedade.

 

Tivemos uma ideia que tinha tudo a ver com o espírito natalino que envolve Nova York em dezembro: trazer para o coração da cidade, “disfarçadas” de coral natalino, dezenas de refugiadas de 17 diferentes países para cantar uma versão diferente de ‘Noite Feliz’ (Silent Night). A versão, batizada de “Another Silent Night”, cuja tradução seria “Outra Noite de Silêncio”, foi inspirada nas noites de horror e incerteza que elas viveram enquanto lutavam para sobreviver e fugir. Recomeçar.

 

A ONU aceitou imediatamente. O próximo passo foi conversar com as 32 meninas sobre suas histórias e as de suas famílias. Antes de reescrever a letra e fazer a performance no centro das decorações natalinas de NYC, rodamos um minidocumentário. Não teve uma pessoa que não entrasse na sala de edição sem sair chorando. O depoimento de uma iraquiana de 13 anos, Fatimah, me trouxe a primeira epifanía ao longo dessa campanha.

 

Alguém da idade dela já viveria o calvário normal de uma adolescência nos EUA: aceitação, crescimento e bullying. Ser menina, iraquiana e refugiada no país deixava esse caminho muito mais complicado.

 

“As pessoas acham que eu vim para cá para fazer terrorismo, sendo que eu vim para cá para fugir do terrorismo”, conta ela. “A minha família só quer viver em paz, trabalhar, eu só quero ser uma menina comum e viver minha vida. Mas as pessoas não entendem isso.”

 

Sendo imigrante nesse país, como toda a equipe da ONU
que aprovou a campanha, isso soou ainda mais poderoso e libertador.

 

Documentário gravado, reunimos as meninas, ensaiamos, levamos elas para a entrada do Lotte Palace – para quem conhece Manhattan, é bem ali no burburinho da árvore do Rockfeller Center, das vitrines de Natal da 5th Ave e colado na St. Patrick’s Cathedral. Não dava para ser mais festivo que isso.

 

As meninas cantam, o público chora, aplaude e se emociona. E transformamos o material num videoclipe/documentário para as redes sociais e cinema.

 

Alguns sites de notícias se encantaram pela história e publicaram o material, que foi extensamente compartilhado nas redes sociais. Isso alavancou o número de visualizações de uma maneira absurda (a campanha atingiu algumas dezenas de milhões de interações logo no lançamento).

 

E, como tudo que se torna popular hoje em dia, veio um grupo reclamar, mínimo, mas veio.

Sim, existem pessoas que são contra a ajuda a crianças de países em guerra, vivendo epidemia, devastado por furacões. As razões, que eu teimei em ler (nunca faço isso), iam de “já temos problemas demais pra resolver” a “eles não são da nossa cultura nem da nossa religião”.

 

Pensei por um segundo nos problemas que meu país vive. E como as pessoas não querem resolver nada em função do que pode ser um bem comum. Está valendo a lógica de querer só ter razão e de prevalecer.

 

Depois lembrei das histórias que ouvi da Fatimah e das outras 31 meninas de 17 países, da felicidade delas de estarem pela primeira vez em Nova York, cantando para uma plateia que queria ouvir a história delas.

 

Graças a ajuda humanitária, elas sobreviveram e estavam ali. Diferentemente de vários parentes e pessoas como elas, que ficaram pelo caminho.

 

Fatimah tinha razão. As pessoas não entendem. E é por isso que a gente tem de insistir e ajudar como puder. Seja você o refugiado que escapou, o publicitário, o jornalista que emprestou esse espaço ou você que está lendo esse artigo.

 

A humanidade precisa resistir. Todos os dias. E todas as noites. Felizes ou não.

Ficaremos acordados.

 

(Assista o filme em tinyurl.com/filmeONU)