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Não sou nem de longe um Rubem Braga, que escrevia crônicas lindíssimas apenas olhando a paisagem de sua janela. Chamado muito propriamente de “Sabiá da Crônica”, Braga ficava pensando e escrevendo sobre temas absolutamente banais, ou aparentemente banais, como casais de namorados, chegada de um bem-te-vi de fora das vizinhanças, o dia a dia de uma senhorinha mendiga que habitava um banco fazendo um eterno crochê. Tenho mais assunto do que isso, pois meu escritório, como sabem meus parcos e infiéis leitores, fica na Cinelândia, palco tradicional das grandes manifestações de rua no Rio de Janeiro. Palco perfeito, pois é grande (a Praça Floriano foi aberta no tempo de Pereira Passos e sua gloriosa melagomania) e é nela que se encontra a Câmara dos Vereadores, a antiga Gaiola de Ouro, onde os vereadores… (o que é mesmo que os vereadores fazem?) bem…, onde os vereadores estacionam sua magnífica frota oficial. Pois aqui, na minha janela acontece de tudo. Aqui se defendem desde o impeachment da Dilma à canonização de Antonio Conselheiro e a volta da tomada de três pinos, com evidente predileção às laboriosas categorias de funcionários públicos, cujas reivindicações vão desde melhores condições de trabalho ao puro e simples recebimento de salários.

Tem também os taxistas que querem chupar de canudinho a jugular dos motoristas do Uber, gente imoral que não presta o educado, cordial, barato, honesto, confortável e solidário transporte regular oferecido pelos conhecidos e amados motoristas de táxi do Rio de Janeiro. Pois bem, assunto eu tenho. O que me falta é o talento do Braga, que com um material destes estaria no céu. Mas minha janela já flagrou alguns acontecimentos que, se não explicam na totalidade, dão uma boa dica de como funciona nosso serviço público.

Por exemplo, juro por Deus que não vou fazer o menor exagero. Meu escritório anterior era na Praia do Flamengo, com a mais magnífica vista para o Aterro e o mar. Da minha janela, eu acompanhei a realização de uma imensa, monumental, obra de reurbanização de todo calçadão da praia. Obra cara, complicada, que compreendia criação de ruas, ilhas de pedestres, jardins, canteiros, sinalização. Levou meses abrindo imensos buracos, trocando a fiação aérea, retificando esgotos e canalização de água. Ficou uma beleza. Durante um mês.

Trinta dias depois de a obra entregue, chegaram equipamentos de outra concessionária, incluindo escavadeiras, britadeiras, pás e picaretas, e destruíram tudo para passar canos, abrirem mais buracos e transformar a região num cenário de ataque terrorista. Não era obra emergencial, de jeito algum. Era obra planejada com antecedência, orçamento e concorrência, datas de início e término. Mais meses de poeira, explosões e um dos barulhos apontados por especialistas como um dos mais desesperadores que o ser humano é capaz de produzir: o da britadeira. Parece irmão gêmeo da broca do dentista. Quando ficou pronto, não posso dizer que tenha ficado horrível, mas parecia resultado de operação plástica nos lábios, que revela a intervenção, mas não destrói por completo o rosto. As plantas foram trocadas e as novas vieram meio desenxabidas, mas parecia que tudo tinha voltado ao normal. Até que… Daí foi a obra de um prédio da esquina, um Solar de La Boquette D´or da vida. Destruíram a calçada de pedras portuguesas. Reconstituíram? Sim. Mas deixaram a cicatriz, enfeando o caminho. Daí eu me mudei.

Enquanto isso, na rua de minha casa, a chuva arrancou os paralelepípedos do calçamento. Faz dez anos que três vezes ao ano a chuva destrói a rua. Eles arrumam. Cada vez fica pior. Aqui na Cinelândia estão fazendo as obras do Boulevard por onde passará o VLT, o bonde moderno. Quanto tempo vai durar a rua, a calçada, os jardins e as mirradas e combalidas árvores que plantaram? Rubem Braga, me ajuda. Eu queria falar das tristes pombas de minha janela, não reclamar do governo.

Lula Vieira é publicitário, diretor da Mesa Consultoria de Comunicação, radialista, escritor, editor e professor