A partir de 1990, país do leste europeu viveu um momento de entrada de marcas e organizações; hoje, o movimento é contrário

Uma das mais icônicas imagens do fim da Guerra Fria é a gigantesca fila de mais de 5 mil soviéticos em Moscou na inauguração da primeira loja do McDonald’s no país, em janeiro de 1990. A partir daí, seguiu-se um período de entrada de marcas ocidentais no país, estratégia apoiada pelo Departamento de Estado dos EUA.  

Três décadas depois, no entanto, a invasão russa na Ucrânia provoca agora um fluxo contrário – companhias europeias, americanas e asiáticas estão paralisando e até deixando o país após a intensa ofensiva do presidente Vladimir Putin aos vizinhos ucranianos. Spotify, PayPal, Nike, Boeing, Ikea, Microsoft, Apple, Google e o WPP, um dos principais grupos de comunicação do mundo, descontinuaram suas atividades em solo russo.

Entre os conflitos dos últimos anos, só o da Venezuela causou certa debandada de grandes companhias - nada comparável aos acontecimentos atuais.

O que acontece agora é reflexo da relevância da Rússia no cenário internacional e do campo onde o conflito é travado, com observadores e atenção total da mídia internacional, segundo Marcelo Boschi, doutor em administração, professor de marketing e branding e coordenador dos MBAs da ESPM Rio.

“É um país muito mais relevante e isso faz com que a atuação das marcas seja mais sensível e mais visível do que nos outros. Consequentemente, o impacto negativo de continuar fazendo transações com os russos é muito mais significativo e as sanções econômicas acabam reverberando nessas marcas, que buscam se defender”, afirma.

Segundo especialistas, sanções econômicas reverberam nas marcas (Photo by Adrien Wodey on Unsplash)

Quando compara a situação atual com outros episódios críticos nos últimos anos, Roberto Gondo, professor de inteligência competitiva e mercado no curso de Publicidade e Propaganda do Mackenzie, diz que os impactos midiáticos não foram tão pulverizados e divulgados.

“O grande medo das empresas de se posicionarem e de manterem as suas operações na Rússia é de se tornarem aliadas ou coniventes com a situação que acontece na Ucrânia, que é muito ruim e midiaticamente gerou uma fragilidade na Rússia”, explica, lembrando um exemplo que tem sido bastante utilizado para ilustrar o atual conflito, a batalha de Davi contra Golias. O McDonad's, inclusive, se mantém por lá e tem sido alvo de diversas críticas e cobranças.

Para Lilian Carvalho, professora de marketing da FGV EAESP, o principal motivo é o econômico, antes das questões de imagem. “Em qualquer guerra, em qualquer conflito, os executivos de empresas fazem uma análise de qual é o risco de manter as operações e os possíveis cenários. Não é muito diferente do que acontece quando tem fuga de investidores”. As sanções e as restrições implementadas pelos Estados Unidos, União Europeia e Japão também tendem a dificultar as movimentações financeiras das empresas.

Nova ordem global das marcas
Além disso, as marcas atuam em ambientes cada vez mais sensíveis com o avanço das redes sociais, o que ajuda a acelerar as cobranças por posicionamentos transparentes diante de situações complexas como a atual.

Boschi lembra que hoje passamos por cenário muito diferente de tempos atrás, quando marcas estiveram associadas, por exemplo, ao regime nazista e à segunda guerra mundial, como Adidas, Puma e Bayer. “Participar das guerras direta ou indiretamente trará prejuízos nessa nova ordem global das marcas”, explica.

Lilian acrescenta que nunca houve uma guerra com essas proporções e em que redes sociais fossem tão populares, capilarizadas e com tantos usuários. “Muitos analistas dizem que estamos vivendo um experimento de uma guerra que está sendo lutada no que eu chamo de ‘metaverso’, que é a interação entre o mundo real e o digital, sem fronteiras entre os universos”. Daí, toda a reverberação em larga escala e a tomada de decisões.

Apesar de considerar importante as marcas se posicionarem, ela questiona a real necessidade das empresas deixarem o país, pelos impactos que podem trazer aos cidadãos comuns. No caso russo, por exemplo, uma boa parte da população tem saído para protestar contra o governo e sofrido com uma repressão estatal que não vem de hoje.

“Eu entendo perfeitamente a preocupação de quem está mais ligado à área de comunicação de responder aos anseios dos consumidores, de se posicionar como uma marca ativista, mas o profissional de marketing precisa pensar que isso pode ser visto como abandono de cidadãos vulneráveis que estão morando na Rússia”. Ela também vê a situação com potencial para gerar retrocesso, quando, por exemplo, coexistiam as marcas capitalistas e as comunistas.  

Pressão em eventos futuros
Os especialistas afirmam, no entanto, que nem todos os conflitos devem demandar tamanha ação e cobrança das empresas, vai depender do poder midiático e dos atores envolvidos. “Não será automático, no caso da Rússia é uma questão muito grande porque ela está entre as 6 maiores potências globais e muitas dessas empresas tinham estruturas lá”, explica Gondo, do Mackenzie.

Boschi, da ESPM Rio, faz uma análise semelhante: depende, porque nem todo conflito terá a repercussão do atual. “Esse evento da invasão da Ucrânia é um evento geopoliticamente muito importante considerado um dos maiores eventos de guerra do século 21”, complementa.