A reviravolta que deu o título ao New England Patriots, na primeira prorrogação da história do Super Bowl, foi impressionante. Os recordes batidos na publicidade, como sempre, foram outro show à parte. O verdadeiro espetáculo, porém, ficou por conta das marcas que decidiram se posicionar em relação ao atual contexto sociopolítico norte-americano: Airbnb, Coca-Cola e Budweiser foram algumas das bandeiras que investiram milhões para, além do mero anúncio de produtos no intervalo comercial mais caro da história, patrocinar uma clara mensagem sobre igualdade. Um sonoro: “não estamos do seu lado, querido Trump.” Foi lindo. Corajoso.
No entanto, toda escolha traz consequências. É da vida. Ao anunciar que contrataria dez mil imigrantes em resposta ao decreto presidencial que temporariamente impediu a entrada de muçulmanos e de refugiados nos Estados Unidos, a Starbucks sofreu um amplo boicote por parte dos apoiadores do presidente. A hashtag #BoycottStarbucks foi uma das mais comentadas na manhã do anúncio do decreto. “Trump quer criar emprego para os americanos e a Starbucks vai contratar imigrantes?”, questionou um seguidor no Twitter. Como se não bastasse, a rede de cafeterias sofreu um novo revés: foi banida também por estrangeiros, que criaram um movimento global contra marcas norte-americanas. Outro duro, forte e certeiro golpe na sereia.
O case Starbucks é um ótimo exemplo sobre os riscos atrelados ao posicionamento político de marcas globais. A história da publicidade está repleta de outros episódios. O mais emblemático talvez tenha sido o apoio dado pela IBM ao Terceiro Reich. “Com a IBM como parceira, o regime de Hitler pôde substancialmente automatizar e acelerar as seis fases dos 12 anos de Holocausto: identificar, excluir, confiscar, ‘guetizar’, deportar e exterminar”, afirmou Edwin Black, jornalista americano, no livro Nazi Nexus (“Nexo Nazista”, ainda inédito no Brasil).
A gigante de TI não esteve sozinha. Volkswagen, Siemens, Hugo Boss, Bayer e até a “inclusiva” Coca-Cola, em maior ou menor grau, também colaboraram com Adolf Hitler. Reza a lenda que durante a Segunda Guerra a Coca-Cola jogou dos dois lados, apoiando tanto as tropas germânicas quanto as forças norte-americanas. Diversos textos narram que, por meio de trabalhadores escravos, a multinacional desenvolveu um refrigerante sabor laranja especialmente para os nazistas. Para alguns, esse foi o pano de fundo do surgimento da Fanta.
Uma famosa empresa brasileira também é apontada como “anti-case” de posicionamento político. Seu nome? Rede Globo de Televisão. Segundo críticos, a emissora simplesmente ignorou o histórico comício em meados da década de 80 que reuniu 300 mil pessoas na Praça da Sé, região central de São Paulo, para reivindicar eleições diretas para presidente. Outro episódio conhecido associado à história da Globo diz respeito à uma suposta edição tendenciosa do debate ocorrido nas vésperas da eleição presidencial de 1989, a primeira pelo voto direto depois de 29 anos de ditadura militar. Para alguns, a vênus platinada deliberadamente favoreceu o então candidato Fernando Collor de Mello contra o oponente Luiz Inácio Lula da Silva.
Voltando a experiência Starbucks, segundo o diretor geral da Kantar Vermeer para América Latina, Eduardo Tomiya, o caso expõe os riscos de se posicionar. “a Starbucks e outras marcas globais estão diretamente associadas aos Estados Unidos. De alguma forma, isso vai trazer pontos positivos e negativos. A partir do momento que ela se posicionou, vai precisar ter muito cuidado para minimizar os riscos e se mostrar firme em seu propósito”, afirmou.
Ficar entre a cruz e a espada nunca é interessante. Tomar partido acarreta riscos. E não se posicionar, dependendo do contexto, também pode ser uma péssima estratégia
O que fazer, então?
Avaliar o cenário e ponderar os riscos, considerando que, toda e qualquer decisão será julgada dentro de um ambiente sociopolítico específico.
Na essência, esta é a verdadeira questão!
Pedro Hermano é sócio-fundador e diretor de criação da Agência 242