No segundo dia da 25ª Semana Internacional da Criação Publicitária, que acontece até a próxima sexta-feira (30), em São Paulo, Adrian Ho, sócio e fundador da Zeus Jones, e Seto Olivieri, diretor geral de criação da Leo Burnett Argentina, puseram em xeque duas questões fundamentais para os profissionais da área: a motivação e inspiração de uma campanha publicitária e o ambiente, tanto geográfico quanto sociológico, em que os criativos se situam.
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Dono de uma política profissional diferenciada na Zeus Jones, Adrian Ho discutiu sobre como resgatar a dignidade do publicitário e usar o meio para o bem. O residente de Minneapolis citou exemplos onde o trabalho modificou, para pior, o profissional que o realizava – como o recém-revelado caso da carta de demissão do Goldman Sachs, onde o funcionário revela que ele e seus colegas chamavam os clientes de “muppets” e queriam “arrancar” o dinheiro deles – enquanto os trabalhadores não têm a mesma chance de mudar o mercado.
Citando o website internacional “Agency Spy”, uma espécie de WikiLeaks do meio publicitário, com direito a comentários maldosos de todos os lados, Ho criticou essa parte de cultura tóxica e estressante das agências. “Achamos que somos melhores e estamos sempre tentando persuadir e manipular o próximo. Esse modo de pensar não apenas é insalubre, mas também leva a erros primários mesmo na visão do mercado”, afirmou o fundador da Zeus Jones. “Deveríamos ser os mestres das emoções, mas justamente por nos acharmos melhores não conseguimos gerar empatia”, disse Ho, que comparou boa parte dos profissionais de mercado a psicopatas, sem titubear. “Muitas pessoas desta indústria batem com a descrição”, ressaltou.
Como alternativa, Ho propôs uma mudança não no que a publicidade faz, mas como ela o faz, e citou os cases da Zeus Jones para Purina e Rainn (associação americana contra a violência sexual) como exemplos. “As pessoas não são convencidas por persuasão simples. Muitos podem até comprar um produto após serrem persuadidos por uma campanha comum, mas isso não cria um vínculo da marca com o cliente, o que implica que a campanha de persuasão simples terá que ser refeita. Uma estratégia de relacionamento às vezes é mais eficaz”.
O sócio da Zeus Jones ainda explicou que é preciso mudar a estrutura do mercado e das próprias empresas do ramo. “A estrutura das agências é um ponto fundamental, elas alimentam esse ambiente tóxico. Fui head of planning na Fallon, mas não consegui mudar isso lá. Não podemos deixar a estrutura sobrepor a nós mesmos, é horrível saber o que é certo e não poder realizá-lo”, disse. “Temos tudo nas mãos para mudar a indústria para algo mais humano, mas a tendência hoje é ela seguir justamente o caminho contrário”, encerrou.
Cinco premissas de criação
Após a palestra de Adrian Ho, o argentino Seto Olivieri subiu no palco do centro Fecomércio, em São Paulo (SP) para mostrar um mundo ideal para a criação publicitária. O diretor geral de criação da Leo Burnett Argentina enumerou cinco pontos principais para comprovar sua teoria, que explica como que o ambiente – não apenas geográfico ou organizacional, mas sim até no âmbito psicológico – pode influenciar em um bom e inspirador trabalho.
Olivieri defendeu um modelo sustentável de agências, equilibrando competências, ideais e dinheiro. O principal case do diretor foi a mudança que ele protagonizou no ambiente criativo da Leo Burnett Argentina, que precisava se tornar “um melhor lugar para se pensar”. Mas antes mesmo dos quesitos arquitetônicos, a mudança teria que ser na atitude dos profissionais daquele departamento. Para que essa mudança ocorresse, Seto Olivieri colocou cinco premissas para se atingir o “mundo ideal” da criação.
O profissional contou que escreveu uma carta para seu superior na agência, citando que para que esta passasse a ter mais sucesso, era necessário ter mais engajamento por parte de seus funcionários. E para isso, a empresa precisava modificar seu conceito. “Hoje temos cargas de trabalho imensas, muita pressão, clientes e condições adversas de trabalho. Então você acaba pagando essa demanda extra da agência com a sua vida pessoal: você não pode ir ao cinema, não pode ir ao parque, não pode descansar, não pode sair. Uma agência não pode ter a cultura de trabalho egoísta, é preciso se fazer algo para se ter orgulho e motivação para ir trabalhar todos os dias. Assim, você se sente melhor para criar e melhora seu desempenho”, afirmou Olivieri, reproduzindo os argumentos da carta.
O primeiro ponto citado pelo diretor de criação foi o paradoxo de ideias versus desculpas, onde o argentino opôs as duas coisas. “Nunca podemos nos orgulhar de ter uma boa desculpa. Por melhor que ela seja, uma desculpa não ganha dinheiro, nem prêmios, nem rende uma promoção. Então é melhor se pensar nas ideias!”, raciocinou o argentino, usando o “caso Mascherano” como case. A campanha com o jogador do Barcelona foi realizada para divulgar um motor a Diesel da Fiat e segundo ele, em vez da agência se conformar em divulgar o produto sem apelo junto ao público, foi além e fez uma estratégia de comunicação completa e que rendeu muito mais repercussão.
O segundo argumento de Olivieri foi o de “não dar nada por estabelecido”. “Jamais aceite a afirmação ‘não sei, mas sempre foi assim e vou continuar desse jeito’. Isso é um comodismo sistemático que enferruja qualquer criação”, disse.
O argentino ilustrou sua teoria com o experimento dos macacos. Certa vez, cientistas penduraram um cacho de bananas em cima de uma escada e soltaram cinco macacos em uma jaula. Quando um dos animais ia pegar o alimento, todos eles tomavam jatos de água gelada, o que fazia com que os outros mamíferos agredissem o “desbravador”. Passado algum tempo, nenhum macaco subia mais a escada, então se trocava um dos animais. Quando o novato ia tentar se alimentar, todos os outros se antecipavam à água e agrediam o “calouro” para impedi-lo. Com o tempo e já sem nenhum animal originário da primeira experiência e sem nenhuma punição aos “aventureiros”, nenhum macaco jamais subiu na escada e não sabia sequer o motivo. Essa é a filosofia do “sempre foi assim”, segundo Olivieri.
O diretor também defende que o criativo precisa olhar para cada job com a inocência e as ideias como se fosse o seu primeiro, e de até arranjar alternativas à vontade do cliente. “Respeitar o cliente e obedecer o cliente são coisas diferentes. Você precisa confrontá-lo se acha que a sua ideia irá gerar mais resultados”, afirmou Seto Olivieri, mostrando o trabalho da Leo Burnett para a Cruz Vermelha como exemplo.
A terceira premissa do criativo continuou na linha de menos egoísmo: “pense nas marcas”, disse o diretor de criação. “Muitas vezes quando estamos desenvolvendo o job pensamos apenas na nossa agência, ou em nós mesmos – mais dinheiro, prêmios, uma promoção. Você tem que deixar isso de lado para pensar em como efetivamente ajudar esta marca”, afirmou Olivieri, que ressalta que estas bonificações são até mais facilmente atingidas quando se pensa primariamente em seu cliente.
O penúltimo argumento de Seto Olivieri é a utopia. Apesar do conceito grego de utopia ser algo atingível apenas no panteão dos deuses, o diretor estimula a elevação da criação além do projeto. Por menor que seja o cliente, mais apertado que seja o prazo e o budget, sempre há tempo de sonhar e de tentar transformar isso em realidade, segundo o palestrante. É preciso pensar alto antes de colocar os pés no chão. “Os Estados Unidos chegaram à lua – ou convenceram a todos que chegaram – baseados em uma ideia inicialmente utópica, que depois veio a se concretizar. E para encerrar as suas teorias para um ambiente criativo perfeito, Olivieri passou um recado: divirta-se.
“Muitos profissionais se pressionam demais e falham justamente por isso. Sentir pressão para criar uma campanha é algo injusto, ridículo e egoísta. Pressão sofre a pessoa que está desempregada e não tem como alimentar os filhos, não quem está em um processo de criação Ficar se pressionando ao pensar ‘este pode ser o job da minha vida’ só atrapalha”, bradou. “Você tem que se divertir criando, aproveitar o que está fazendo e gostar do que faz, assim o trabalho sai bem-feito”, afirmou Olivieri, que encerrou sua palestra mostrando cases para a Car One (venda de carros usados) e Fiat Punto e ressaltando que estes foram os trabalhos que mais gostou de criar.