“Senhores senadores, senhores deputados. Está mais do que na hora de eu dar um fim às suas permanências neste lugar, o qual vocês desonram com seu desrespeito pela virtude e maculam praticando todos os vícios. Vocês são um bando inimigo do bom governo. Vocês são um bando de miseráveis mercenários e, como Esaú, venderiam seu país por uma gororoba e, como Judas, trairiam seu Deus em troca de algumas moedas. Ainda sobrou sequer uma virtude entre vocês? Há algum vício que vocês não tenham? Vocês são tão religiosos quanto meu cavalo. O ouro é seu Deus. Qual de vocês ainda não foi subornado? Há alguém entre vocês que tenha um mínimo de zelo pelo país? Não foram vocês que macularam este lugar e o transformaram num covil de ladrões por suas práticas iníquas? Vocês se tornaram odiosos para a nação. Vocês foram colocados aqui pelo povo e se tornaram a maior razão para desgostos. Seu país apelou para mim para limpar neste estábulo de Águias, colocando um ponto final em seus procedimentos iníquos e, com a ajuda de Deus e a força que Ele me deu, é isso que vou fazer. Eu lhes ordeno que saiam imediatamente deste lugar. Saiam! Se apressem! Seus venais, deem o fora! Tirem essas porcarias cintilantes que vocês usam, saiam e fechem as portas. Em nome de Deus! Retirem-se”.
Esse discurso, que parece inventado agora por mim, destinado aos frequentadores de uma determinada casa de Leis neste país e nesta época, por um fictício invasor, não tem uma única palavra de ficção. É o discurso de Oliver Cromwell – nascido em 1599 e morto em 1658 – quando dissolveu, no grito, a Câmara dos Comuns do Império Britânico, em 1653. Na verdade, ele se sentia falando em nome do povo britânico que já não suportava mais os falsos religiosos, os mercadores de leis, os demagogos populistas, os corruptos de várias espécies que se acastelaram na Câmara e falavam em nome da pátria e de Deus. Mas o final não foi feliz. O parlamento foi efetivamente dissolvido e Cromwell montou um Conselho de Oficiais do Exército, chamado de Parlamento dos “Santos”, pois, além de altas patentes militares, eram também líderes protestantes. Em pouco tempo os “santos” provaram não ser melhores do que os congressistas da velha ordem. E fizeram tanta lambança, brigaram tanto entre si e disputaram mesquinhamente tudo que era possível disputar em cargos públicos, concessões de serviços, cobranças de impostos, que, totalmente desmoralizados, se autodissolveram em dezembro de 1653. Cromwell então se nomeou Lorde-protetor e assumiu o governo, apoiado por uma expressiva parcela da população, que acreditou ter encontrado um guia que levaria a Grã-Bretanha rumo à justiça. Não havia eleição naquele tempo, nem Ibope. Mas nas praças e nas ruas era possível se sentir o amor, veneração e confiança do povo em Cromwell, um Messias.
Um Jânio, um Chaves, um Fidel, um Collor, um Getúlio Vargas, um Bolsonaro, um Lula. Em 1658, Cromwell piedosamente morreu e, com ele, o regime que implantara, há esta altura desacreditado e politicamente inviável. A pressão das massas restaurou a monarquia e foi coroado o Rei Carlos, que se transformou em Carlos II. Foi criado então um sistema político de pesos e contrapesos, que permanece o mesmo até hoje, 355 anos depois. Estou contando esse episódio da história do mundo porque acabo de ler o livro Discursos que mudaram a história, organizado por Ferdie Addis, editora Prumo, de onde retirei o discurso de Oliver Cromwell, onde fiz ligeiríssimas adaptações sem alterar um nada do conceito. É profundamente emocionante (não achei expressão melhor, desculpem) ler os 40 discursos que tiveram grande influência nas nossas vidas. Como O Sermão da Montanha; o discurso de Gettysburg, de Lincoln; as falas de Churchill no Parlamento; o discurso de posse de Kennedy; Eu tenho um Sonho, de Martin Luther King; e Que reine a liberdade, de Nelson Mandella. Tem também uma declaração de uma importante líder política: “Temos de resistir às lisonjas dos pusilânimes, ignorar os berros e ameaças dos extremistas, devemos permanecer juntos e fazer nosso dever. Não podemos ser levados a desviar de nossa rota por ameaças”. De uma tal de Margaret Thatcher.
Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira@grupomesa.com.br)