O que Pernambucanas, Sadia, Kellogg’s, Duracell, M&Ms, Coca-Cola, Dolly, Cheetos e Michelin têm em comum? Todas optaram por algo muito importante em suas trajetórias e estratégias: mascotes. À primeira vista, o recurso pode parecer datado, mas, após análise mais cautelosa, é possível perceber que ele se mantém mais atual do que nunca. Um dos principais exemplos disso é o Friozinho, da Pernambucanas, que marcou época nos comerciais com o jingle Não adianta bater, eu não deixo você entrar. 

Criado em 1962, com ar de vilão, ele foi repaginado como um personagem carismático e parte das famílias. Em 2018, o filme celebrando os 110 anos da empresa marcou a volta da personagem e promoveu um encontro com a atriz Paolla Oliveira, embaixadora da marca que abre a porta para o simpático bonequinho. A campanha criada pela J. Walter Thompson mostra que a Pernambucanas está presente há tanto tempo nos lares brasileiros, que eles podem “deixar o frio entrar”, pois têm produtos para aquecer a todos. No mesmo ano, o Friozinho ganhou uma websérie no YouTube. Ele mora na “Nova Gelândia”, com o cachorro Alaskão, é amável e aproxima as pessoas, destacando, por exemplo, que não se deve julgar as aparências. O conteúdo tem um curta-metragem que foi exibido em trailers nos cinemas, e episódios na plataforma.

Beto Almeida, CEO da Interbrand no Brasil, comenta a importância de utilizar uma mascote para criar empatia com seu público-alvo, independentemente do segmento de atuação. “Pode ser um fabricante de pneus, uma cadeia fast-food ou uma loja de departamentos, a mascote sempre foi largamente utilizada na comunicação como forma de gerar empatia entre as marcas e os seus diversos públicos, por meio da criação de um personagem que traduz de forma lúdica e/ou inspiradora os conceitos de comunicação da marca”, explica.

Décadas se passaram entre os dois Friozinhos da Pernambucanas, e o elo com os consumidores permanece. Essa conexão é um dos pontos ressaltados por Maria Matuck, professora da ESPM e especialista em criatividade na área de publicidade e propaganda. Para ela, por mais que a tecnologia evolua, o vínculo com as pessoas está preservado. “Nunca vai superar o fato de ter alguma coisa concreta que a pessoa pode comprar, colecionar e se relacionar. Por mais que a tecnologia se modifique, o ser humano tem necessidade de afeto e de vínculo. E nós, adultos, depositamos atributos emocionais em um personagem que está fora da gente.”

Necessidade e criatividade
A AlmapBBDO cria e adapta ao mercado brasileiro mascotes como os M&Ms Vermelho e Amarelo, e do Chester Cheetah, da Cheetos, criações globais das marcas. Mas a agência também tem seus filhotes, como os limõezinhos de Pepsi Twist, criados em 2002. Com personalidades diferentes e bem sarcásticos, eles fizeram sucesso e voltaram para relançamento da bebida em 2017.

Pernil, diretor-executivo de criação da agência, não estava na casa quando ele nasceu, mas participou do retorno. “A personalidade deles mudou um pouco no sentido de que algumas piadas já não podiam ser feitas mais para não gerar ruído ou preconceito. Mas a personalidade de um sacanear o outro quisemos manter. Foi um jeito de usar os mesmos personagens, mas, com o perdão do trocadinho, com um twist novo para ter algo que não seja mais do mesmo. O grande erro de se ter um personagem é você usá-lo sempre da mesma maneira, com a mesma piada. Por mais que a gente tenha uma cultura de bordão, de repetição, hoje as coisas estão muito mais dinâmicas”, diz.

A lista de ícones que atravessaram gerações ou que nasceram nos últimos 20 anos é enorme. Muitos consumidores se acostumaram e reconhecem personagens como o Lek Trek, da Sadia, criado em 1971 por Francesc Petit, da DPZ. O mesmo ocorre com Tony (Kellogg’s), Urso (Coca-Cola), Giraffinhas (Giraffas), Solzinho (Ri Happy) e Bocão (Royal), bem como outros que os nomes já entregam suas origens Dollynho, Ronald McDonald e Toddynho.

No entanto, por mais que uma mascote possa ajudar diferentes marcas nos mais diversos segmentos, não significa que ela possa nem deva ser usada por todas as empresas. Maria aponta peculiaridades a serem consideradas. “É um tema que tem complexidade. Por exemplo, quando é algo relacionado ao público infantil e isso pode ser um disfarce. Outra é com relação aos estereótipos, com a questão do politicamente correto. Quando a gente cria a mascote para uma campanha vale a pena pensar em tudo o que está ao redor”, diz. Do outro lado, também há atributos positivos, como o maior controle a respeito de atos e consequências. “Tem uma vantagem com relação às celebridades de carne e osso, porque não correm o risco de dar uma escorregada e fazer algo danoso para a imagem das marcas”, acrescenta.

Segundo o CEO da Interbrand, o ponto de partida é sempre a estratégia da marca e o correto entendimento de com quem falar. Precisa de investimento, não só na sua criação, mas na manutenção e ter uma equipe de profissionais especializada para garantir seu sucesso e longevidade. Por isso, nem toda marca deve aderir ao seu uso. “Mascotes são a personificação do espírito da marca e não necessariamente a marca em si. É preciso levar em conta se esse é realmente o estilo daquela marca, se existe recurso financeiro para a construção deste personagem e entender papel na comunicação”, diz.

Longevidade e resultado
A consistência e o foco também são fatores importantes nessa equação. Pernil afirma que ainda há exemplos de sucesso de mascotes, mas a quantidade diminuiu. “Para funcionar, não adianta você ‘dar um tiro’. Tem de passar anos falando, tendo a mesma mascote para que ela pegue e tenha uma personalidade. E hoje em dia as pessoas e as empresas têm urgência. Já é muito difícil encontrar consistência de comunicação forte ao longo de dois, três anos. Ao longo de um ano uma empresa muda drasticamente. Com isso, as chances de ter uma mascote que vai perdurar já muda muito”, diz o criativo.

Nesse sentido, Maria explica que as equipes das agências estão cada vez mais híbridas, com pessoas de várias disciplinas, como da psicologia, formando times que trabalham nessas construções. Para ela, há espaço para a criação de novas mascotes desde que façam sentido e consigam conviver bem com outras ferramentas de comunicação. “Quanto mais tiver consistência e manutenção na mídia, mais perdura sua imagem. Tem uns que deixaram de existir, porque a campanha mudou, a marca não existe mais, mudou a estratégia etc. Mas eu não diria que está em desuso, simplesmente a mascote compete com outras estratégias, que a partir da entrada da internet, se multiplicaram. A mascote é uma das possibilidades.”

A partir desta semana, o site do PROPMARK estreia uma série de entrevistas com algumas das principais mascotes do país. As primeiras conversas são com Lek Trek, Urso, Giraffinhas, Tony e Toddynho. “As pessoas gostam de tirar selfies”, diz o frango da Sadia. Acompanhe.