Henry Gustav Molaison, de Hartford, Connecticut, sofria de ataques epiléticos. O ano era 1953, e decidiu-se por operá-lo. Cirurgia de altíssimo risco de resultados trágicos, mas… A técnica adotada, perfurar dois buracos na parte frontal de seu crânio e sugar uma poção de seu cérebro – a metade da frente do hipocampo dos dois lados, mais a amígdala cerebral (formação no formato de amêndoa). HM – Henry Molaison – tinha 27 anos. Nunca mais foi capaz de registrar o presente, as novas experiências. Todos os dias tinha de ser apresentado para as mesmas pessoas.
Mas, o serendipismo! Tentou-se resolver o Parkinson e descobriu-se a formação compartilhada do cérebro. As diferentes funções em seus diferentes espaços. Até então, a memória era parte integrante do cérebro em sua totalidade. A partir de Molaison, a certeza de que não era bem assim. E que as diferentes memórias habitavam diferentes espaços do cérebro. Talvez a mola propulsora e definitiva para o nascimento da neurociência. Molaison viveu até os 55 anos. Só se lembrava do dia da operação para trás.
De certa forma, a mesma síndrome que prevalece em determinados artistas e intelectuais brasileiros. Que preservam a memória nos anos 1950 e continuam se encantando com as revoluções românticas daquela época; ignoram todo o restante. Mesmo lendo os jornais todos os dias, acompanhando os acontecimentos, emocionam-se com o que aconteceu lá atrás, e sorriem melancolicamente diante das atrocidades de hoje.
Não tem o menor registro que as tais das revoluções românticas converteram-se em cruéis e brutais ditaduras. Até hoje não reconhecem, por exemplo, todas as barbaridades e assassinatos coletivos ocorridos em Cuba no correr de décadas. Rigorosamente o mesmo ocorre nas empresas. A Síndrome de HM se faz presente em boa parte das organizações de sucesso do passado. Seus dirigentes continuam se referindo àqueles tempos e momentos, absolutamente convencidos de que, quando menos se espera, tudo voltará a ser como antes.
Enquanto isso, novos concorrentes vão ocupando o mercado, o consumidor evolui, amadurece e empodera-se, e o vendaval tecnológico joga tudo para cima infinitas vezes: uma nova realidade vai se formando. Mas o cérebro dessas empresas está definitivamente aprisionado ao passado. HM lembrava-se com incrível precisão de acontecimentos de sua infância. O momento e as circunstâncias em que seu pai se transferiu da Louisiana, sobre a intensa alegria todas as vezes que patinava no parque, suas aulas de banjo e os passeios que fazia com a família na Mohawk Trail. Da operação em diante, não se lembrava de absolutamente nada. Do que fizera no dia anterior, na manhã de hoje, segundos atrás!
Suzanne Corkin, professora de neurociência comportamental no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), acompanhou HM por mais de 40 anos. Em depoimento a Tim Adams, do The Observer, Suzanne diz: “Henry era um homem envolvente, terno, com ótimo senso de humor, consciente de seus problemas de memória e resignava-se diante de seu destino. Repetia que as pesquisas sobre a sua condição certamente ajudariam outras pessoas a viver melhor”. Infelizmente, não é o que acontece nem com muitos de nossos artistas e parcela significativa dos empresários. Estão absolutamente convencidos de que o passado prevalecerá e, então, a justiça será feita. Diferentemente de HM, não aceitam os fatos, descuidam-se do presente, e colocam em risco qualquer eventual e possível legado. Caminham, inexoravelmente, para o fim.
Francisco Alberto Madia de Souza é consultor de marketing