Na época do cinema mudo, a imaginação era o ativo que o público usava para se conectar com os conteúdos. Com som, o interesse pela sétima arte se multiplicou, inclusive com as trilhas que fazem a diferença. Já imaginou O Poderoso Chefão sem a música de Nino Rota? O rádio já fazia a sua parte, mas, com o jingle, tornou a comunicação publicitária mais atraente.
E esse recurso já está disponível no Brasil desde 1932. E há obras-primas de lá para cá. Pipoca com Guaraná, da DM9 para a marca da Ambev, é um clássico, assim como Quem bate? É o frio!, das Casas Pernambucanas.
Os mecanismos de sound design e assinaturas sonoras potencializam o reconhecimento de marcas. A Intel, por exemplo, é referência nas suas ações de marketing com o bong de cinco notas musicais. E o Tchan Tchan Tchan da campanha de Prestobarba, da Gillette? E Varig, Varig, Varig? E O que faz ser feliz, na voz de Clarice Falcão, para 0 Pão de Açúcar? A relação é grande, mas não pode faltar jingles do Café Seleto, Banco Itaú, Brahma, Danoninho, Bombril, Cobertores Parahyba e Mococa.
A executiva Alessandra Terpins, presidente da Apro+Som (antiga Associação Brasileira de Produtores Fonográficos Publicitários, agora integrante da Associação das Produtoras de Audiovisual), que tem 31 produtoras associadas, fala que a pandemia trouxe para o mercado um novo olhar sobre o áudio.
“Quando as filmagens ficaram mais escassas e difíceis, os clientes, diretores e agências perceberam a real necessidade de trazer a emoção necessária em seus filmes através do som. Estamos com uma alta significativa na procura pelos serviços disponibilizados pelas produtoras de som. A publicidade se transformou, criou asas e entre elas a área de conteúdo, que continua comunicando ao consumidor, mas com storytellings mais longos e diversificados. Além dos novos formatos das redes sociais, que são muito impulsionados pelo áudio. O som está presente em todos esses formatos”, detalha Alessandra, filha do lendário Tico Terpins (Joelho de Porco) e fundador da produtora A Voz do Brasil com Zé Rodrix.
Alessandra diz ainda que, diante do cenário dos últimos 15 meses, houve crescimento de jobs. “Hoje plataformas como TikTok estão trazendo à tona tracks esquecidos ou que nunca tinham feito sucesso e se tornam dentro de um vídeo de 15” um hit mundial. E arriscamos dizer que o som, a música, é responsável por mais de 80% para esse acontecimento. Isso refletiu diretamente nas marcas e suas ações também quando falamos em identidade das marcas, com suas assinaturas sonoras”, informa a presidente da Apro+Som.
“A trilha do Itaú com a marimba é um exemplo de áudio branding às inversas. O tema musical é tão forte e marcante que com o passar do tempo se tornou a assinatura da marca. Passando por trilhas descritivas, que muitas vezes a melodia não fica em nossa memória, mas são fundamentais para a narrativa como os comerciais de Hollywood nos anos 1990/2000”, diz Alessandra.
Os fornecedores especializados estão alinhados com as demandas, inclusive de sound design, que está completando 30 anos no mercado brasileiro. “O foley, a captação de sons, sejam reais, instrumentos musicais, com uso de periféricos, é um processo de experimentação onde hoje temos muitos bons profissionais atuando na área. Não acreditamos que o sound fx’s tenha mudado o modelo de negócio. No storytelling, sempre esteve e estará presente.
Seria como corpo o etéreo, onde tem o objetivo de unir o corpo físico (filme) e a alma (música), trazendo aquela sensação de união perfeita”, diz ainda Alessandra, que identifica uma série de desafios para o mercado de áudio.
“O principal e mais importante para conseguirmos uma maior profissionalização do setor já estamos conseguindo: a união das produtoras através da associação. O grande desafio é a compreensão de todas as partes quanto à competência de cada um nesse processo. A internalização do áudio em agências é em algumas circunstâncias benéfica para elas, mais especificamente quando o que precisa ser feito pode ser mais pasteurizado e não exija um expertise e talento musical e sonoro. Mas em muitas outras circunstâncias acaba sendo extremamente complexo para a agência conseguir produzir in loco – o que transparece o valor do bom produtor musical”, acrescenta Alessandra.
A premiada Satélite, que tem no portfólio o Grand Prix no Film Lions de 2015 com o filme 100, produzido pela Stink, está trabalhando a todo vapor, de acordo com a sócia Fernanda Costa. “Estamos em um momento superaquecido. Mas ainda estamos em meio a uma pandemia e com todo mundo dentro de casa. Então os projetos têm sido muito para digital e algumas instalações com transmissões live e webseries, mas, no final, acabam derivando pra publicidade. Acho que podemos falar que a demanda de trabalhos no exterior aumentou. Estamos sendo bastante procurados pra fazer trilha para Estados Unidos, Alemanha e outros países. O câmbio tem ajudado bastante. Com a nova realidade de produção causada pela pandemia, coube muito às produções de áudio trazer ainda mais personalidade e aconchego para essas novas demandas e isso tem nos dado mais voz e reconhecimento”, analisa Fernanda.
Por outro lado, Edu Luke, sound creative director da Hefty, observa que com a redução dos sets cinematográficos devido às restrições sanitárias, as produtoras de som “desempenharam um papel fundamental no desafio de manter as campanhas interessantes e efetivas mesmo com recursos de imagens limitados”. Luke diz mais: “Sentimos que boa parte do mercado reconheceu essa responsabilidade e o sucesso das produtoras de áudio nesse esforço”.
O poder das frequências sonoras, ainda segundo Luke, é fortaleza das produtoras. “A demanda continua em alta e a maior prova é poder ver no ar tantas campanhas onde o principal asset é uma música sob medida bem aplicada, um sound-design criativo e bem pensado, ou a aproximação e identificação com o público através de uma locução certeira e bem dirigida ou mesmo ver a força de recall que o sound logo traz para a construção de uma marca.”
Quem também está observando o termômetro do segmento elevado é Hilton Raw, sócio-fundador da Raw Audio. “Principalmente o varejo online. As marcas estão vendendo muito online e estão anunciando para isso, tanto na internet quanto na televisão, a cabo e aberta. Outra coisa que as marcas também estão tentando é se reposicionar e se reaproximar dos clientes, nas demandas inclusive. E nos valores que os clientes têm, estão tentando estar mais perto desses valores, tentando se reacomodar.”
Raw crê que o som exerce protagonismo na publicidade e fala que sempre ouviu que representa 50% de um filme. “Mas só 5% do orçamento. Isso é uma brincadeira, e depende, claro, dos filmes. Filmes obviamente de moda, de canto, jingle, o áudio é muito importante né. Talvez agora mais ainda, num momento que a produção de cinema tá meio travada, o áudio tem um valor maior ainda porque às vezes você só tem um cartelado e tudo que você possui é um áudio para chamar a atenção.”
Rodrigo Tigre, CEO da AudioAd, acredita que um dos vetores do crescimento das demandas de som é o podcast. “O que a gente vê e enxerga no mercado, pelos clientes com que a gente fala e pelos projetos que estamos fazendo, é que está tendo um interesse muito grande das marcas de entrarem no áudio e eles começam entrando com o podcast. Ainda existe muita dúvida de como eles fazem, se fazem podcasts próprios, tanto é que vimos uma enxurrada de podcasts prioritários ou então vendo como uma marca pode se apropriar de podcasts. O cenário geral de produção tá bom, está bem aquecido, tem bastante marca querendo produzir os próprios conteúdos. Mas tem essa questão, inicialmente querem produzir os próprios conteúdos, mas talvez esta não seja a melhor opção. Existem outras maneiras de uma marca estar dentro de podcasts que não sejam podcasts proprietários”, finaliza Tigre.