A coluna anterior, que abordava a nostalgia de um passado sobre o qual, inclusive, boa parte apenas conhece de ouvir falar, rendeu muitos comentários e sinais de concordância. Especialmente pelo fato de que todo mundo está sentindo que trabalha mais, tem uma vida mais difícil, ganha menos e vislumbra perspectivas menores.

Lembro-me de uma palestra de Tom Peters à qual assisti em Chicago, ainda nos anos de 1990, na qual o guru, hoje aposentado e vivendo numa fazenda da bela e gelada Vermont, pelo que sei, falou sobre as mudanças em curso e aquelas que viriam. Todos os presentes, da categoria de white collars, executivos, já viam o mundo dos blue collars, operários, com sua vida abalada pelo crescimento fabril chinês. O que Peters disse foi ouvido com certa incredulidade pelas mais de 700 pessoas presentes, e em resumo anunciava tempos difíceis para a categoria, que se achava a salvo da onda chinesa.

O palestrante anunciou que o grande inimigo seriam os então 900 milhões indianos. “Eles falam inglês”, explicou, “e estudam muito”, resumiu. Hoje, 25 anos depois, está claro que o perigo chinês não está apenas no campo industrial, mas já chegou ao setor de comércio e está a caminho de atingir o núcleo da riqueza do marketing e da publicidade: as marcas.

Os indianos, por sua vez, oferecem serviços por uma qualidade e preço difíceis de acompanhar e estão, mais e mais, espraiando-se pela gestão das multinacionais, da tecnologia e logística ao mar- keting e a chamada C-suite. Juntando o impacto da China e da Índia, dos países que lhes são satélites, de uma forma ou outra, e dos nacionais dessas nações que se espalham por todo o mundo, além de combinar essa realidade com a revolução tecnológica, pode-se tranquilamente concluir que não tem jeito de sonhar com a volta de um passado mais tranquilo e, paradoxalmente, mais eficaz para nosso mercado.

Como dizem alguns taxistas mais pé no chão, aqui na cidade de São Paulo, onde a praga dos aplicativos se alastrou, não adianta só reclamar, é preciso ir à luta para superar o Uber e que tais oferecendo um serviço melhor e por um preço não tão mais alto que anule a relação custo/benefício, não esquecendo que é fundamental dar um lustro na imagem, com carros limpos, motoristas bem vestidos e corteses, além de passar um ar de maior segurança.

Para isso, eles que não são familiares a conceitos mais sofisticados como o da produtividade, “é preciso saber trabalhar melhor”. Em essência, fazer bem feito o que deve ser feito em seu ramo de atividades, usar mais a inteligência e o bom senso, esmerilhar nos dias e horários de maior demanda, descansando na baixa, para superar seus colegas “reclamões” e o bando de amadores dos aplicativos.

Mutatis mutandi, expressão que os taxistas não entenderiam, a lição deles serve como uma luva para nós, da área de mar- keting e publicidade, seja de agências, de veículos, de produtoras e, inclusive, de anunciantes. Em vez de sonhar com o impossível de um passado que não vai retornar mesmo, precisamos construir o possível, encontrando jeitos mais racionais e produtivos de ganhar eficiência através de mudanças na estrutura, foco no que cada um faz de melhor, pressão inteligente e constante para não descambar na tática insustentável de brigar apenas pelo menor preço, aplicar as doses corretas de evolução tecnológica e, principalmente, assegurando mais eficácia para o resultado de nosso trabalho.

Trabalho que, jamais podemos esquecer, é uma combinação do esforço, talento e dedicação individual, mas depende de uma corrente coletiva virtuosa, pois todos somos interdependentes uns dos outros, seja em termos profissionais como empresariais.

Rafael Sampaio é consultor em propaganda (rafaelsampaio103@gmail.com)