A Trace Brasil, que faz parte da Trace Global, lança no próximo sábado (25) o canal a cabo Trace Brazuca, nas operadoras Claro e Vivo, nos números 624 e 630, respectivamente.
José Papa, ex-CEO Cannes Lions, lidera a empresa no Brasil. No fim de 2019, a Trace já havia desembarcado em terras tupiniquins, mas o projeto do canal linear ainda estava no papel.
Praticamente um ano depois, o canal chega às operadoras focado no público negro. Papa afirma que se conectou com “a pauta que define o Brasil”. O executivo se reconhece como “branco privilegiado” e revela que o maior desafio não foi a burocracia imposta pela legislação brasileira para um novo canal. “Isso já era esperado”, diz. O ponto de maior conflito foi a “resistência histórica à pauta”.
“Quem poderia imaginar que há um ano a gente teria a discussão da consciência racial no nível que a gente agora tem no mundo”, reflete. Desde 2019 a ideia do canal já existia. A missão agora é colaborar com o resgate da história “de um jeito otimista”.
AD Junior, head de marketing da Trace Brasil, explica o que é a cultura afrourbana. “Esse conceito que existe há muito mais tempo do que a gente está falando. A gente não está importando nada para o Brasil, a gente só está legitimando algo que já existe”, elucida. “A cultura afrourbana que a gente está falando tanto é tudo aquilo que vem do negro brasileiro, da periferia do Brasil e que é de fato a cara do Brasil. Não tenho como objetivo acusar o que é ou não a cara do Brasil. Mas é importante falar que ela é muito mais as músicas da comunidade do que o ‘Samba do Avião'”, exemplifica.
Segundo o CMO, a Trace será o para que a cultura afrourbana e periférica se espalhe para o lugar onde ela deve estar. “Lugar de produtores de conhecimento, de conteúdo, de música, de arte que devem ser referenciados. Penso muito que no início dos anos 80 se não tivéssemos, por exemplo, canais negros nos Estados Unidos, muito provavelmente a gente não teria um impulsionamento de shows incríveis colocando esses rappers nos lugares aonde eles de fato merecem estar. A mesma coisa a Trace quer fazer aqui no Brasil. Vamos deixar de ser caricatos, vamos de fato dar a essas pessoas o lugar que elas merecem, o lugar de pódio porque são os grandes criadores de entretenimento nesse país”, comenta.
Para marcar o lançamento, uma campanha colaborativa foi criada nas redes sociais. Criada pelo Coletivo Gana, a iniciativa engajou anônimos e celebridades a gravar um trecho da música “Nego Drama”, do grupo de rap Racionais MC’s.
O vídeo completo será veiculado no canal, no dia do lançamento. Segundo Ary Nogueira, cofundador e diretor de arte do Gana, era importante colocar a cara do negro na TV já na campanha de lançamento. “Para não parecer que é algo de fora, vindo da gringa. Todo mundo vai dizer: ‘esse canal tem a minha cara'”, comenta.
O Trace Trends, quadro da plataforma na Rede TV!, segue no ar, mesmo com o lançamento do canal na TV fechada. “Surgiu essa oportunidade enorme de um tiro de canhão com uma rede de TV aberta quando lançamos o projeto. Para nós, foi uma oportunidade de alinhamento de proposta. Muito legal da Rede TV! ter acreditado e abraçado um projeto ousado como esse. Eles entenderam também o propósito econômico, uma vez que tivemos Bradesco e Vivo fechando conosco sem história. Eles entraram acreditando na narrativa do projeto”, explica Papa.
Papa reitera a importância da confiança de Bradesco e Vivo tiveram no projeto “muito antes de virar tendência”. “Agora, todo mundo discute a pauta. Eu quero respeitar muito aqueles que, ousadamente acreditaram muito antes de termos essa discussão histórica, sem precedentes, num nível global, que de repente fez com que todo mundo ficasse consciente de algo que é um problema secular do Brasil. Abriu muita porta, mas não gosto de usar como vantagem porque foi em cima de uma tragédia. Mas de fato, abriu muita porta”, revela.
A programação será variada entre conteúdo autoral e material de fora. “Temos uma programação que começa com muito mais música agora, nesse momento, porque não se grava nada desde a pandemia’, revela AD Junior. O head de marketing explica que a intenção não é apenas ficar no campo musical, mas expandir para outras frentes. “Queremos ter programas de viagem, de culinária, de dança. Neste momento, o que vamos ter são várias pílulas, por exemplo, do Trace Trends, que vamos diluir um pouco na programação”, revela.
A estreia do canal ocorrerá no dia 25 de julho, Dia da Mulher Negra-Latino Americana e Caribenha. A data foi escolhida por sua representativa e a programação irá celebrar o dia. Segundo AD Junior, um dos primeiros conteúdos que serão exibidos será o curta “Rainha”, da diretora Sabrina Fidalgo.
“Também teremos a Mwana Afrika, reposicionando esse lugar de ancestralidade na cabeça de muita gente, reposicionando a ideia de quem sempre foi martelada na quebrada de que a ancestralidade é amaldiçoada e o negro precisa fazer uma conversão para poder ser uma pessoa melhor na vida”, explica o head de marketing.
O executivo exalta ainda o papel de Kenya Sade, coordenadora de programação, para que o canal seja coerente. “A programadora do Brasil é a Kenya, a mulher mais poderosa do canal, mais a Karina Brito. As pessoas que mais têm o poder de conteúdo na hora de programar são duas mulheres, o que fala muito, pois o Brasil tem 51% de mulheres e 56% de pessoas negras. A programação é vista com esse olhar”, comenta. Vale ressaltar que Kenya não pôde participar da entrevista, pois estava em reunião.
Por fim, AD Junior ressalta que, além de trazer um conteúdo que tenha um compromisso com a diversidade, há um compromisso, acima de tudo, de fazer o público negro entender a sua ancestralidade uma maneira positiva. “O nosso canal não tem o mínimo objetivo de ficar contando tragédia. O canal está projetando aquilo que nós queremos viver num futuro próximo”, finaliza.