A “ação promocional” da Farm, a favor, em tese, dos familiares de sua ex-funcionária, assassinada numa habitual troca de tiros entre traficantes e policiais nas favelas cariocas, terá sido uma das mais elaboradas cagadas de marketing a que tive notícia em 45 anos de experiência.

Para quem não se inteirou do fato, eu resumo: Kethlen Romeu trabalhava em uma das lojas da marca. Grávida, levou um tiro de fuzil, e morreu. Ainda que se tenham tornado corriqueiras as mortes de crianças, adolescentes e adultos, majoritariamente negros, atingidos por balas perdidas, nessas comunidades, o caso de Kethlen causou forte comoção.

Foi, então, que alguém na Farm teve uma ideia: manter ativo o código com que a ex-vendedora era identificada em suas vendas, e através do qual recebia sua comissão de 3%.

Assim, clientes compadecidos e outros consumidores, comovidos com o caso, teriam a oportunidade de, comprando, manter a falecida vendedora remunerada, e a comissão que caberia a ela, destinada à sua família. Engenhoso, não?

Tivesse a estratégia dado certo, haveria uma clássica correria de gente solidária, como se costuma ver em diversas ocasiões, tanto no Brasil como no resto do mundo.

Certamente, os 3% da comissão de Kethlen se converteriam em muito mais dinheiro do que o habitualmente recebido por ela, enquanto vivia. Bem como os 97% da empresa! Todas as metas seriam superadas. Seria um case exemplar de marketing promocional, o primeiro estrelado por uma garota-propaganda cadáver. O bom senso, no entanto, fez com que vozes se levantassem contra a trapalhada da Farm. E a marca veio, a público, confessar o gigantesco equívoco e pedir desculpas. Não acredito que numa grife com tamanho prestígio e tanto sucesso comercial houvesse consenso em faturar com a tragédia.

Preocupante é a cabecinha de onde terá brotado o insight, não pela “sacada” em si, que sempre nasce como embrião de alguma coisa a ser melhor estruturada, mas pela absoluta falta de filtros para avaliar a extrema inconveniência na forma com que foi conduzida. A afoiteza com que o marketing vem se comportando, nessa corrida para ver quem põe no ar a ação mais repercutível, leva a desastres como esse.

Diferentemente da mídia convencional, em que a agudeza da besteira se restringe à edição do dia, dando tempo para um esclarecimento pensado para o dia seguinte, na mídia online, todo dia é o dia da cagada, toda hora é a hora da cagada, todo minuto é o minuto da cagada.

Profissionais que ingressaram no mercado já nessa formatação dos meios prezam mais a velocidade do impacto das ideias do que a segurança das avaliações serenas. Conduzem seu trabalho como pilotos de Fórmula 1, esquecendo que circulam no trânsito urbano.

Qualquer vacilo, o estrago é grande e, muitas vezes, fatal. É de se perguntar onde foram parar os necessários “advogados do diabo”, aqueles chatos, sempre tão habilidosos em fazer brochar o entusiasmo da nossa “genialidade”? Ou o grilos falantes, sempre perturbadores da nossa incontida pavonice? Estão fazendo muita falta.

Stalimir Vieira é diretor da Base de Marketing (stalimircom@gmail.com)