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Com cerca de 18 milhões de assinantes no Brasil, o mercado de TV paga contabiliza crescimento negativo nos últimos três anos, mas o volume ainda é relevante para as geradoras de conteúdo, distribuidoras, telespectadores, agências e anunciantes. Segundo o Kantar Ibope Media, em 2017, esse trade foi a segunda opção de mídia do país com um faturamento bruto de R$ 17, 6 bilhões e market share de 13,2%.

Mas, os desafios são enormes, entre os quais o excesso de regulação como frisou Marcelo Bechara, diretor institucional do Grupo Globo durante o Pay TV Fórum realizado na semana passada, em São Paulo. Os marcos legais envolvem regras da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) e da Ancine (Agência Nacional de Cinema). Atrair o consumidor de baixa renda que declinou das assinaturas diante da crise econômica, é outro gargalo. A pirataria, que aplica tecnologia de ponta para seduzir clientes, é outro entrave para o negócio.

O OTT (over-the-top) movimenta as programadoras. Alguns pacotes já são negociados sob demanda. O Grupo Globo está estruturando uma divisão de OTT, como esclareceu João Mesquita, diretor-geral do Globo Play, que já tem 20 milhões de usuários. Serão conteúdos nacionais e internacionais, algumas exclusivas e no modelo longtail.

O fenômeno multitela, que já concentra a atenção de 53% dos usuários, também está entre as oportunidades. A concorrência do streaming aumenta e gera polêmica. Alberto Pecegueiro, diretor-geral da Globosat, por exemplo vê com preocupação o modelo negócios da Netflix que aposta em preço baixo para chamar a atenção. O executivo afirmou que não questiona a tecnologia e as mudanças no comportamento de consumo pós streaming, mas o valor cobrado. “Por que o Netflix cobra tão pouco por suas produções? Assim destrói a cadeia de valor do nosso negócio”, observou Pecegueiro.

O Netflix vem investindo mais nas produções próprias. Mas já sofre com o rompimento de contratos como o que ocorreu com a Fox no ano passado. Porém, é um novo player no foco das produtoras de conteúdo. No ano passado foi anunciado que a plataforma pretende realizar 20 produções no Brasil, que é o país de origem da série 3%, a mais assistida nos Estados Unidos entre as ofertas de língua não inglesa.

Não foi só a Netflix que esteve no radar de Pecegueiro. O Facebook foi alvo de críticas por buscar espaço na compra de direitos para transmissão de esportes. A compra da Champions League foi considerada antiética pelo presidente da Globosat, que acredita que esse negócio não faz parte do escopo da rede social, especialmente pela complexidade da produção exigida, uma expertise natural nas TVs. O Twitter também concorre com produtos como a NFL e NBA nos Estados Unidos.

“Há uma bolha no valor cobrado pelos direitos esportivos. Ela cresce e estoura regularmente, mas como pode crescer enquanto o país vive sua pior recessão? Não é o momento mais adequado para se soltar foguetes. Por que o segmento esportivo está fora desse processo? Por que alguém vai se dispor a pagar o dobro do que foi pago no último ano?”, perguntou Pecegueiro.

No debate Publicidade: da segmentação ao programático, o último do Pay TV Fórum deste ano, o Facebook foi provocado por executivos como Rafael Davini, vice-presidente de publicidade dos canais ESPN. “É grande desafio para o Facebook transmitir a Champions no lugar da Globo e, também, a Libertadores. Será uma grande lição para o mercado, que está meio perdido. A expectativa existe porque são propriedades fortes e importantes, além de representar uma quebra de paradigma”, disse Davini.

O executivo Renato Domingues, diretor de negócios do Facebook, foi um dos debatedores desse painel, mas se esquivou de responder à questão por não ser da sua área de competência, nas próprias palavras. Davini ponderou que o preço de publicidade cobrado pelo Facebook não se coaduna com o valor superior pago para ter jogos de futebol no seu sistema.

Mas Domingues disse que o Facebook considera a conversa com as programadoras do Pay TV como estratégica. “Elas são pauta do Facebook. Durante a Copa da Rússia, 58 milhões de pessoas falaram sobre o evento. Nosso sistema de BI mostra que 76% dos usuários das TVs por assinatura acessam o Facebook. O caminho é saber como entregar mais valor para o anunciante. Fizemos um estudo para uma programadora, que não posso revelar, e 29% dos domicílios têm TV por assinatura. Também queremos estar antenados com o VOD e com a oferta compartilhada de branded content”, ele afirmou, mas enfatizando que o inventário do Facebook não é aberto para a mídia programática. “Usamos apenas a segmentação nativa para a compra do inventário”, ele acrescentou.

A Globosat tem buscado soluções pelo viés programático. O projeto VIU, uma brincadeira que une as expressões “view” e page-views”, é dedicado à produção de brand content digital multiplataforma. Fred Muller, diretor-executivo comercial da programadora, enfatiza que a publicidade endereçável é um caminho sem volta. “Vários canais nos Estados Unidos estão se unindo em torno desse assunto. Usamos nosso modelo que pode abrir um espaço na madrugada que, na maioria dos casos, pode não ser tão atraente, mas pode gerar uma ação sob medida. Com o adressable conseguimos uma monetização maior do inventário”, detalha Fred. “A programática no mundo interativo de plataformas como Google e Facebook tem uma monetização de inventário quase infinita. Mas nas TVs o inventário é finito”, acrescentou Davini.

O sócio da consultoria Pricewaterhouse Coopers, Carlos Giusti, abriu o painel que liga a segmentação ao programático. Apresentou dados da Pesquisa Global de Entretenimento e Mídia que prevê para 2021 um investimento de US$ 2,23 trilhões em publicidade, dos quais
US$ 43,7 bilhões no Brasil.

A análise de PwC indica que nos próximos anos haverá um consumo maior de canais de mídia por meio do mobile. Vai refletir o volume de capacidade de dados que será disponibilizado: o salto deve ser dos 7 trilhões de megabytes de 2016 para 24 trilhões de megabytes em 2021. Isso significa que 177 milhões de brasileiros vão ser assinantes de internet móvel, o que vai impactar o consumo de vídeo online no país, e, consequentemente, impulsionar as plataformas digitais, mercados de games, música e publicidade na web.

“Outro mercado de destaque no Brasil em relação aos demais países da América Latina é o de TV por assinatura. A expectativa é que os gastos do consumidor com assinatura de canais de TV aumentem 2,4% ao ano até 2021. O faturamento do setor sairá de US$ 6,2 bilhões em 2016 para US$ 7 bilhões daqui a cinco anos – o Brasil representa, hoje, o maior mercado da América Latina no que se refere a gastos do consumidor com TV por assinatura. O segmento de vídeo na internet também continua em crescimento – a estimativa é que o setor tenha um crescimento de 8,8% ao ano até 2021, quando deverá movimentar US$ 276 milhões”, sintetiza o estudo da PwC.

“Convergência 3.0 é a próxima onda. Empresas de todos os setores desenvolvem modelos de negócios direcionados pelo engajamento do consumidor, mas significa saber escolher a audiência, que passa por análise de dados para desenvolver produtos sob medida. O omnichannel é uma precipitação flexível em uma época de convergência geográfica e de negócios, mobilidade e conectividade. Buscar audiência não é métrica de engajamento. Com mais velocidade, a força da marca está nas conexões que faz, mas sua consistência requer coerência. Portanto, a oferta deve prender a atenção para quem estiver sendo impactado, ou seja, parar o que estiver fazendo em qualquer dia e hora”, disse Giusti.

Crise
Pode não ser a pior, mas o mercado convive com a maior crise da história. O principal reflexo no trade de Pay TV é o imediatismo que ocupa o lugar de estratégias de longo prazo. Davini recomenda atenção aos processos de transformação nas agências, anunciantes e veículos.
“Com volume menor de vendas, temos de fazer escolhas. A verba é menor, o mercado está receoso e é o anunciante que alimenta toda a cadeia. Agências e publishers estão retraídos porque precisam de resultados. Precisamos trazer as marcas para dentro e compreender como elas se integram a um programa pelo contexto. O David Droga fala que o ideal para a comunicação é ter 3 Cs: Content, Canvas e Context. Quando conseguirmos harmonizar esses Cs vamos ter mais resultados”, ponderou Davini.

Na avaliação de Roberto Nascimento, diretor de ad-sales da Discovery, a crise é depuradora. “Nenhum dos modelos de 2014 são válidos para hoje. Os anunciantes estão mais exigentes e querem resultados imediatos. Todos temos de desenvolver nossa capacidade de transformação. Tudo pode dar certo, mas as entregas são diferentes”, ponderou Nascimento.

Cada vez mais os anunciantes querem comprovação das escolhas que fazem. A expressão é de Domingues, do Facebook, que se encaixa na era do ROI customizado. “Eles querem uma decisão mais técnica e com maior previsibilidade, seja em resultado de vendas ou brand effectiveness. O que o mercado anunciante quer é maior comprovação, decisão mais técnica e maior previsibilidade” ele afirmou.

Audiência
CEO do Kantar Ibope Media, a executiva Melissa Vogel, participou do painel A audiência em busca de uma nova realidade, com foco no desempenho e mistérios para capturar o interesse do telespectador. Ela apresentou dados sobre os novos comportamentos de consumo de mídia, cada vez mais móvel.

Se em 2013 o acesso à internet era de 60% por meio de computadores, em 2017 caiu para 35% e a tendência é de queda. Mas o acesso por smartphones está em elevação: em 2013 representava 17% e no passado já atingiu 75%.

A proliferação de telas também é um fato. Há cinco anos o uso de duas telas era de 26%, mas em 2017 foi de 77%. Muitos consumidores já estão usando quatro telas, algumas simultâneas e outras nos momentos mais adequados. Mas o smartphone é o device que ganha projeção devido a sua mobilidade.

Segundo Melissa, o Pay TV tem uma boa notícia: o meio televisão está evoluindo para o conceito de uma grande plataforma, ou seja, uma espécie de smart hub. Isso exige a integração de novos dados para a manutenção da consistência do sistema de medição de penetração.

“O papel do Kantar Ibope Media é liderar a transformação da medição de audiência de televisão para uma aferição cross media”, observa Melissa. A complexidade do cross media começa na TV linear, passando pelo VOD (Video On Demand), vídeo digital e conteúdo pago em aplicativos.

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