Uma das grandes qualidades da carreira de criativo publicitário é o estímulo à abertura, indiscriminada, para a informação. Ela nos faz antenados a tudo o que ocorre de importante, e entenda-se por importante aquilo que importa a muita gente; quanto mais gente se importa, mais importante é. No exercício da profissão, não há gosto nem preferência, apenas o talento e a sensibilidade para identificar o que funciona melhor para a eficácia da comunicação.
Lembro-me de, no começo da minha trajetória como redator, ter ouvido que nós éramos especialistas em saber um pouquinho de tudo, de sermos praticantes de um ecletismo sem limites na aceitação de toda forma de expressão.
Graças à publicidade, aprendi a identificar qualidade numa infinidade de estilos de manifestação da cultura. Por absoluto dever de ofício. Um criativo publicitário tem de vibrar com a perfeição de um verso e de uma melodia que se propõem a ser o que são, sem os filtros de preconceitos e prevenções.
Deve ser dotado de um interesse cultural “horizontalizado”. Quem não tem essa predisposição, que procure outra coisa para fazer. Quando eu trabalhava na W, recebemos um job para desenvolver a campanha dos 20 anos da Veja.
O Washington tinha criado o conceito Nós temos os melhores leitores, e a ideia era colher o depoimento de expoentes de diversas áreas, da política à medicina, que tivessem em comum o hábito da leitura da revista. Para isso, nós, os redatores, fomos distribuídos em diversas entrevistas. Lembro-me que fui à casa do Paulo Maluf. Já o Marcelo Pires foi ao encontro do doutor Zerbini, no Instituto do Coração. E, na volta, contou que, ao pedir a opinião do médico sobre a revista, ouviu o seguinte: “Não tenho, meu filho, nunca abri uma Veja na vida; só leio sobre medicina”.
Ou seja, ele tinha um interesse “verticalizado” por medicina, plenamente justificado pelo brilhantismo da sua história. Obtivemos essa “informação privilegiada” em razão de um conjunto muito particular de circunstâncias. Afinal, ao doutor Zerbini jamais ocorreria jactar-se de nunca ter aberto uma Veja. A morte de Marília Mendonça nos trouxe uma boa oportunidade de reflexão sobre o que chamo de uma “medíocre vaidade”.
Comportamento que ganhou dimensão nas redes sociais, através de manifestações enfáticas de desconhecimento sobre a cantora, às vezes disfarçadas numa curiosidade falsamente humilde – “só eu que não conhecia?”.
E, como sempre acontece na internet, nasceu daí mais uma polêmica. E, como também sempre acontece na internet, aqueles que não sabem interpretar textos, tornaram a polêmica ainda mais confusa e acirrada.
O fato é que, da mesma forma com que o doutor Zerbini não tinha tempo, interesse ou ambos, de abrir uma Veja, qualquer outra pessoa, pelas mesmas razões, pode não ter jamais ouvido falar em Marília Mendonça.
E termina aí a semelhança. A partir do momento, no entanto, em que alguém faz questão de divulgar isso, como se virtude fosse, com a intenção de afirmar-se intelectualmente, ingressamos no terreno da “medíocre vaidade”. Absolutamente dispensável.
Stalimir Vieira é diretor da Base de Marketing (stalimircom@gmail.com)