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Eduardo Domingues me contou uma história sobre o pai dele, Caio Domingues, que me pareceu mentira. Fiquei em dúvida se eu contava pra vocês, já que, não sendo verdade (eu achei), poderia perder a graça. Como se o encanto de uma história dependesse do fato dela ser real. Uma bobagem.

Nenhuma boa história necessita de um detalhe tão desimportante quanto ter acontecido ou não.

A boa história prescinde da verdade. A boa história necessita apenas da verossimilhança e da possibilidade, se é que vocês me entendem. Voltando ao caso e ao Caio.

Alguém aí se lembra do Caio? Pois eu afirmo, digo e assino que parte importante do meu currículo é ter o privilégio de ter conhecido o Caio Domingues.

Digo mais, sem querer me gabar: ele me conhecia pelo nome. E me abraçava.

Coisa mais do que suficiente para eu me achar um cara decente.

Caio, que eu saiba, jamais apertou a mão de filho da puta.

A história: o Caio, de vez em quando, viajava entre Rio e São Paulo, em viagem num expresso chamado “Trem de Prata”, que tinha vagões-restaurante, salas de estar e cabines individuais.

Uma viagem que fazia a delícia de quem sabe curtir a vida. Dava pra embarcar no Rio de Janeiro, biritar com amigos no vagão-bar, ouvir um bom piano, dar uma trepadinha (ou só dormir, se fosse o caso) e chegar em São Paulo.

A mesma coisa que se pode fazer num avião lowprice, sentado numa poltrona dura, comendo uma barra de cereal e tomando água mineral ou Coca Diet.
A viagem é a mesma. O destino também.

Mas, como diria aquela índia do filme Matar ou Morrer: “se você não entende a diferença, não adianta explicar.”

Caralho, e o Caio? Pois é. O Caio.

Ele, uma vez, embarcou no trem na estação do Rio de Janeiro, foi direto para a cabine, abriu a malinha, vestiu o pijaminha, escovou os dentes, arrumou os lençóis e deitou-se.

Enquanto Caio dormia, um trem de carga descarrilhou, provocando pane em todo o sistema ferroviário entre Rio e São Paulo. Nenhum trem sequer saiu da estação.

Um verdadeiro caos.

Mas Caio, um justo, sonhava em sua cama. No trem parado. A zona lá fora foi tão grande que ninguém se lembrou de acordar o Caio.

E ele, às oito da manhã, levantou-se, tomou seu banho, escovou os dentinhos, fez a barba, vestiu o terno e a gravata e saiu.

Exatamente onde tinha embarcado. Foi daí que ele descobriu que a vida pode proporcionar surpresas incríveis. Tais como um trem que não sai. Logo não chega.

Ou seja: nesse caso você está onde quiser. No destino ou já de volta.

Depende do ponto de vista.

Cogitando essas coisas, Caio foi ao bar da estação e, pela primeira vez na sua vida, tomou um pingado num copo de vidro.

Percebeu que era um raro caso de viajante que estava chegando sem ter partido.

E, fosse qual fosse a sua decisão sobre o que fazer naquela manhã, nada tinha mais importância do que o fato de que algo muito engraçado tinha acontecido.

Lula Vieira é publicitário, diretor da Mesa Consultoria de Comunicação, radialista, escritor, editor e professor