A Bia chama Bia, mas podia chamar Bráulio, que não ia mudar nada. Continuaria sendo apenas um algoritmo, desenvolvido e operado por mulheres e homens, para atender à conveniência de seus patrões e clientes, seja ajudando ou atrapalhando usuários.

Eu xingo algoritmos com frequência, não importam os nomes de fantasia que lhes tenham sido atribuídos. Xingo, principalmente porque algoritmos não erram, não se enganam, não se confundem; algoritmos fazem exatamente aquilo que humanos programaram para que fizessem, o que torna o xingamento muito mais justificado.

Tentar fazer proselitismo de gênero, utilizando um algoritmo de nome feminino como bandeira, me parece bizarro. Se Bia fosse uma atendente de carne e osso, sujeita a falhas humanamente estúpidas e que, por causa da sua estupidez, ouvisse xingamentos, inclusive de mim, eu me proporia a fazer uma autocrítica dos xingamentos. Mas Bia é um algoritmo, nada mais que um maldito algoritmo!

A ideia de pegar todos os xingamentos a um algoritmo e transformar em uma campanha em defesa da mulher extrapolou todas as fronteiras do bom senso, na tentativa de proteção do chamado politicamente correto. A impressão que a iniciativa me deixa é a de que, no afã de surpreender pela forma, estamos prescindindo da efetividade do conteúdo. Ou seja, desde que o discurso esteja alinhado com alguma expressão do que se poderia chamar de senso comum, não importa em que base ele foi gerado. Basta que promova uma ilusão, como essa que inventa que o algoritmo, denominado Bia, é uma mulher, vítima de xingamentos, por ser mulher. Ainda que não se sustente em nenhuma racionalidade, a ideia de “proteção à Bia”, acaba soando familiar, em geral, e oportuna à alguma militância.

E, assim, perde-se completamente o foco do que realmente importa avaliar num algoritmo de atendimento: a suficiência de qualidade para fazer com que os usuários se sintam plenamente satisfeitos com ele. É óbvio que um algoritmo muito xingado, precisa, em primeiro lugar, ser revisto pelo dano que vem causando à relação do usuário com a marca que ele deveria proteger. O que se fez, no entanto?

Uma campanha em defesa da “honra” do algoritmo. É uma ideia diferente? Sim. É uma ideia surpreendente? Sim. É uma ideia criativa? Se fosse uma piada, eu diria que é uma ideia criativa. Só faltou uma entrevista com a Bia depois, no lançamento da campanha, agradecendo com voz embargada, tamanha expressão de solidariedade. Ou será que eu, sem querer, estou fazendo spoiler da continuação da campanha? Quem sabe, mais adiante, seria oportuna uma campanha de amamentação, com aconselhamentos da Bia para lactantes…

Para não ficar apenas com a minha percepção, pedi a opinião de algumas mulheres sobre o assunto. E ouvi que essa tentativa de colocar um algoritmo no “lugar de fala” delas, como defensor de suas causas, foi, no mínimo, inadequado, pra não dizer uma verdadeira bizarrice. Então, me pergunto: estarão nossos criativos tão mergulhados na virtualidade, a ponto de “enxergar” a tal da Bia, como de verdade?

Stalimir Vieira é diretor da Base de Marketing (stalimircom@gmail.com)