A palavra solidariedade tem ganhado novos significados e aplicações práticas no cenário de pandemia da Covid-19. Não à toa, grandes marcas têm descoberto o valor das parcerias como como ferramenta para amplificar as boas ações.

A Alpargatas, por exemplo, lançou o movimento Empatia Gera Empatia, que convida empresas a se unirem para doações e iniciativas sociais. Com o mote Vista as sandálias, que sugere que as pessoas se coloquem no lugar das outras, Havaianas, que faz parte do grupo, vai doar mais de 100 mil kits de higiene e limpeza em parceria com a Colgate-Palmolive em comunidades vulneráveis.

Fernanda Romano: “Se uma marca quiser entrar na conversa, ou diz a que veio, ou esquece”

O grupo Alpargatas está com uma série de outras ações para a contenção do vírus. Patrocinou a live mais vista da história do YouTube na semana passada com o show da cantora sertaneja Marília Mendonça. Também anunciou doação de R$ 50 mil para Hospital Universitário da Universidade Federal da Paraíba, onde a marca conta com suas principais fábricas e emprega mais de 13 mil pessoas. O valor será destinado para a aquisição de testes rápidos para a detecção de Covid-19, kits de álcool gel, insumos e outros equipamentos para auxiliar no cuidado dos pacientes. 

Na entrevista a seguir, Fernanda Romano, diretora global de marketing da Alpargatas, falou ao PROPMARK sobre os projetos. A executiva analisou ainda a mudança na relação entre marcas e pessoas, propósito e como gerar relevância na vida dos consumidores.

Relevância

Enquanto o establishment trabalhava fazendo o que era capaz de fazer – sou uma fabricante de carros, portanto, fabrico carros, minha inovação vai ser fazer um carro elétrico -, essas empresas como a Uber, Airbnb, Postmates, e outras se desenhavam porque havia um espaço a ser ocupado: não há quartos o suficiente, não dá tempo de construir um monte de hotéis; vou alugar quartos e casas de pessoas normais. Ah, e vem com um bônus: é mais barato, potencialmente e a experiência é melhor. O resto da história você sabe.

Se por um lado, a recessão fez as pessoas questionarem  a equação de valor, a tecnologia, a conectividade e a abundância de recursos fizeram com que pessoas pensando diferente criassem negócios que, desde o nascimento, já ocupavam um papel nas vidas de seus usuários.  A onda cresce. Tudo isso acompanhado de uma nova forma de se conectar ao usuário final: materializando a proposta de valor em produto e serviço e indo além da mensagem publicitária etérea. 

Pandemia

A geração mais influente hoje é a Z, do público mais jovem, conectado, educado por pessoas que já questionavam muito o status quo. Sim, metade deles é selfie-obsessed, mas a outra metade é Greta, é ativista. Eles se divertem com pouco: precisam de um celular, uma trilha sonora e 15 segundos. Eles são desapegados; toda novidade é bem-vinda. Na medida em que o contágio pelo vírus da COVID-19 se estende ao planeta todo, um outro vírus se espalha também: o do questionamento, o do como-é-que-vocês-deixaram-isso-passar e, junto com isso, uma oportunidade que quase nenhum deles teve antes em sua curta vida: a de passar tempo com seus pais. 

Nesse contexto, se uma marca quiser entrar na conversa, ou diz a que veio, ou esquece. Entre minha família, tentar estudar online, segurar a minha energia e não sair de casa, as lives dos meus artistas e as baladas do Zoom e a sua marca, com quem você acha que eu fico? E, sim, esse comportamento se perpetuará.

Serviço

Se você não encontrar uma utilidade para a sua marca, ela vai desaparecer. Tenho certeza que alguém mais inteligente do que eu já disse essa frase com palavras melhores. Não precisa salvar o mundo e eu não estou dizendo que uma marca de moda deveria começar a fabricar sabonete – ainda que eu acredite que, em  uma crise, vale tudo, até o absurdo. Mas a sua marca tem de se fazer útil. Pode ser apenas fazendo as pessoas sorrirem. Pode ser ajudando-as a refletir. Mais do que nunca, é o momento de ser alguma coisa e não apenas dizer que é.

Empatia

A ideia de empatia nasceu de um insight de produto:  a gente faz calçados. “To put yourself in someone else’s shoes” é uma expressão em inglês que funciona em qualquer idioma e cultura; se colocar no lugar do outro. Quando a crise começou, a primeira coisa que fizemos foi brecar todas as comunicações de marca. Tem uma música que eu adoro que fala “se você não tem nada de bom a dizer, não diga nada” e foi essa a regra. Como falar globalmente a partir da voz de uma marca em um momento desses? O que dizer? Como conectar momentos tão distintos como o da Ásia e das Américas? A única coisa  que a gente podia fazer era pausar, escutar, refletir e, sim, tentar exercitar a empatia para entender pelo que as pessoas estavam falando. 

Se esse era nosso caminho como profissionais e como empresa, fazia muito sentido que esse fosse o caminho da marca. E, então, nasceu o movimento de convidar as pessoas a pensar nos outros. Isso vale para a gente entre a gente na Alpargatas, vale para a marca Havaianas –  que sempre fez as pessoas sorrirem – e vale para a nossa postura empresarial de não achar que vamos resolver nada sozinhos. Nos aproximamos de outras empresas porque somos grandes o suficiente para que elas nos ouçam, mas temos a real noção do alcance que podemos ter se nos unirmos a outros. Essa crise é mundial. Ninguém vai resolvê-la sozinho. 

Entretenimento

Muita gente não sabe, mas as Havaianas que todo mundo usa são produzidas na Paraíba. Desde o início das nossas ações, uma das nossas frentes é atuar junto às comunidades onde estamos instalados, e por isso nos preocupamos tanto com o estado paraibano. Esse patrocínio teve como intuito deixar esse momento desafiador mais leve e menos tenso, a Marília Mendonça tem muito a ver com Havaianas, ela tem um público muito diverso e é uma pessoa simples que preza pelo conforto, assim como Havaianas, a marca que todo mundo usa. É muito gratificante apoiar as novas formas de entretenimento e de conteúdo.

Criatividade e propósito

Eu adoro arte. Não sei desenhar se a minha vida depender disso, mas adoro ler, adoro cinema, música. Hoje, em um papo com nosso time de inovação, falamos muito sobre o papel do artista. Toda arte tem um propósito. E a criatividade, seja lá em que for aplicada, tem propósito. 

Sempre precisaremos saber ser simples, diretos e descomplicados. Às vezes, o que um usuário quer é apenas uma informação, apenas o convite para se relacionar com a marca. Saber fazer isso direito, com bom gosto e de maneira eficiente não perde a importância. No entanto, saber colocar em uma mensagem clara e envolvente para que aquela marca quer entrar na vida de uma pessoa e por que ela se deu o direito de tentar engajar em uma conversa, isso, sim, é uma arte.