Desde a proliferação do novo coronavírus no Brasil, a Jotacom vem analisando dados referentes aos comportamentos das marcas e consumidores no ambiente digital e detectou que os anunciantes têm se posicionado de forma ainda mais ativa neste período.

O Mercado Livre, por exemplo, foi um dos primeiros a alterar seu logo – onde duas pessoas dão as mãos – para um cumprimento com os cotovelos. A ação imediatamente foi bem aceita nas redes. Na outra ponta, o McDonald’s anunciou a separação de seus tradicionais arcos dourados em alusão ao distanciamento social, mas, até o momento de divulgação da peça, não estaria arcando com o seguro saúde de seus funcionários nos Estados Unidos, gerando assim uma onda de indignação dos consumidores.

Para evitar possíveis crises como essa, a presença nas redes em momentos extremos, diz João Passarinho Netto, VP de estratégia digital da Jotacom, passa pela autenticidade da mensagem, relevância, cuidado com o branding e, principalmente, por ouvir o consumidor.

João Netto: Jotacom analisa dados e faz reportes diários aos clientes (Divulgação)

Segundo dados da agência, 80% dos brasileiros acreditam que as marcas não devem explorar o momento para se promover. Para 88% do público, a mensagem esperada é de como os anunciantes podem ser úteis nessa nova vida e quais esforços têm feito para enfrentar essa situação.

Ainda de acordo com o levantamento, as pessoas estão engajadas e consumindo muito mais informação que o normal. Grande parte das marcas pausou seus esforços em publicações para entender o momento e se destaca quem levanta a bandeira da causa social e tem conteúdo relevante para compartilhar. Além disso, ações sociais têm impacto maior.

“No momento de uma crise aguda, a marca tem de se posicionar de forma a ser empática. Esta é a grande palavra-chave a que chegamos em nosso estudo. É preciso pensar com a cabeça do outro. Em como ajudar, como ser relevante. Agora, é preciso trabalhar o branding de forma a fazer a diferença na vida das pessoas”, aponta.

Para o Sicredi, cliente da Jotacom, foi elaborada uma estratégia de contingenciamento. Por ser uma cooperativa de crédito, as decisões são descentralizadas, o que dificulta as ações. A agência, pontua Netto, elaborou um war room remoto e entendeu que havia reclamações distintas para as diferentes regiões do país onde há atuação do cliente.

“Fomos direcionando (os dados) para os vários chefes para chegar em um comum acordo”, aponta. “Na primeira semana que atuamos dessa forma, o Social Bakers soltou uma pesquisa colocando o Sicredi, entre instituições de bancos e crédito, como a de maior e mais positivo engajamento no momento de crise.” Mesmo diante de concorrentes gigantes como Itaú e Nubank, que concentram grandes esforços em estratégias digitais, o Sicredi, aponta Netto, registrou 20% a mais de engajamento que estes players.

A agência notou ainda um pico nas reclamações com a chegada da pandemia. “Cresceu de 400% a 500% e entramos neste regime de war room minimizando isso. Hoje a curva está mais baixa, um nível acima do normal, mas está controlada.” O teor das reclamações, diz, também mudou e o público adotou um tom mais agressivo. “Mas conseguimos acalmar os ânimos”, defende.

Outro cliente que captou a importância da relevância social foi a Brasilcap, empresa de capitalização da BB Seguros. Por ser uma instituição estatal, a primeira reação, segundo Netto, foi parar os esforços de comunicação. “Suspendemos e ficamos entendendo os dados. Chegamos com insumos e convencemos a diretoria por meio desses dados e agora pretendemos fazer o lançamento de uma nova marca da Brasilcap, que vai ajudar o sistema de saúde e os fundos do governo no combate ao novo coronavírus”, aponta.

A estratégia do lançamento, ainda sob aprovação do cliente e sem data para ir ao ar, deverá ser crossmídia, com inserções no digital e com a combinação de outros meios.

Público interno
Tão importante quanto fortalecer os laços com seus clientes, as empresas precisam dar atenção aos próprios funcionários. Gerir crises passa, necessariamente, por manter os canais internos ativos e com comunicação clara. Segundo Milena Fiori, diretora da área de comunicação interna da InPress Porter Novelli, o novo coronavírus é uma crise que não estava formatada nos manuais e que, por isso, demanda ações ainda mais bem pensadas.

Milena Fiori, da InPress, aponta que lideranças têm papel fundamental na crise (Divulgação)

Quando se mapeiam pontos vulneráveis e de risco, diz, não há algo sobre uma “pandemia que tiraria os funcionários de dentro da empresa e faria ela ter de, rapidamente, se articular de outra forma.”

Para Milena, a chegada do vírus também interferiu na dinâmica de tomada de decisões sobre o público interno. Foi a primeira vez, aponta, que as organizações tiveram realmente de ter empatia com os funcionários. “Não poderiam tomar uma decisão em favor de um grupo e em detrimento de outro. A organização teve de se colocar no lugar do funcionário e o líder estava tão angustiado quanto o contínuo da operação.”

“Ter empatia e se colocar no lugar das pessoas é a primeira recomendação para a organização. Se pôr no lugar do indivíduo e entender que a decisão a ser tomada é para privilegiar a pessoa e não o negócio, e isso é inédito”, reflete.

Para Milena, as empresas que aderiram à MP 936/2020, que as autoriza a reduzirem, proporcionalmente, a jornada de trabalho e os salários, têm ainda mais responsabilidade na comunicação com os seus funcionários. “A partir do momento que ela comunica que o negócio está fragilizado e dá o contexto todo, é mais fácil reter o profissional depois. Se você não diz com clareza todas as medidas que a empresa está tomando para poder sobreviver no mercado, fica mais difícil”, aponta.

Nesse sentido, afirma Milena, a liderança é fundamental. “Mais do que nunca ela precisa se comunicar com sua equipe e gerar diálogo neste momento que estão todos distantes e realmente ter informação de qualidade para passar para seu time. Dar o contexto de onde estão e para onde vão.”

A sugestão é que os presidentes das empresas se comuniquem com maior frequência com os funcionários. “Atendemos uma rede de supermercados, que o presidente vai falar a cada 15 dias por um vídeo que ele mesmo faz do celular”, diz.

Para ela, os diretores têm de manter a comunicação com o time de forma semanal. Para quem for mais próximo, o contato deve ser diário ou a cada dois dias, o que é importante para manter os processos rodando. “Isso porque nunca o time esteve inteiro de home office, e tem gente que vai ser mais ou menos produtivo, que ainda tem filhos, marido e outras coisas para dar conta naquele ambiente. Por isso, é preciso entender como as coisas estão funcionando e equilibrar com momentos de distração”, aponta.

Às sextas-feiras, Milena e seu time, que atualmente tem 30 pessoas, se reúnem virtualmente para um happy hour. O momento, defende, é de distração e eles contam como foi a semana trabalhando de casa, os desafios, experiências pessoais e outras situações interessantes que aconteceram ao longo do período. Para a executiva, essas medidas são importantes porque, além de aproximar os funcionários, são uma forma de humanizar a relação deles com a empresa e de desestressar.

Outro ponto relevante na gestão de crises internas, alerta, são os canais escolhidos para passar as mensagens da empresa. É preciso se fazer valer dos portais, grupos de WhatsApp e demais aplicativos e ferramentas oficiais da companhia. “Nunca utilizamos tanto estes canais para comunicar porque temos clientes que têm parte da produção parada e aquele time de produção que se comunicava só via líder, jornal mural ou TV corporativa, agora está se comunicando via aplicativo do celular da própria casa.”

Além desses cuidados, outro ponto relevante é a integração da comunicação entre agências de PR e publicidade. “Mais do que nunca, se você não trabalhar em conjunto, alguma coisa vai dar errado. Não dá para soltar uma campanha para o público externo e ter uma crise no interno. Todos os comitês de crise e a equipe de comunicação ou colocam todo mundo para sentar junto ou vão bater cabeça. Esse também é um dos legados dessa crise, o trabalho em conjunto”, conclui.