No dia em que conversou com o PROPMARK, via Skype, com perguntas em Berlim e respostas em Miami, onde acaba de inaugurar a Gut, Anselmo Ramos se mostrava eufórico com os preparativos para lançar sua agência, mais uma em parceria com o argentino Gaston Bigio. Os dois, juntamente com Fernando Musa, abriram a David em 2011. Agora, a Gut, que inicia com escritório em Buenos Aires, é a concretização de um sonho de ter uma “agência independente”. O adjetivo “independente”, neste caso, está ligado à essência da ousadia, palavra que Ramos mais utilizou nesta entrevista tanto para posicionar a natureza da boa publicidade quanto para nortear os rumos de qualquer tipo de comunicação. Único brasileiro a presidir um dos júris do D&AD, que será realizado entre os próximos dias 24 e 26 em Londres, ele vai coordenar a área de Outdoor. Sobre essa área, ele diz, mais uma vez, que a ousadia deve ser o principal ingrediente. Nesta entrevista, também avaliou cases que considera “melhores ideias” de 2017, opinou sobre o Facebook e a qualidade da publicidade brasileira.

A polêmica em torno da coleta indevida de dados feita pela Cambridge Analytica através do Facebook coloca as redes sociais em uma posição de perigo talvez nunca vista antes. Qual o impacto deste problema para a publicidade como um todo?

Eu acho que é um problema muito sério. Os anunciantes têm de cobrar um posição não apenas do Facebook, mas de toda e qualquer empresa de tecnologia que não for transparente nas regras de coleta e uso de dados dos usuários. Temos também uma outra questão muito séria neste ambiente da comunicação social, que é sobre o conteúdo, sobre marcas expostas junto a conteúdo inadequado ou impróprio. Acho que estamos passando por um momento de rever as mídias sociais como um todo, de avaliar como as marcas vão estar presentes nesses canais. Este episódio, com o problema afetando diretamente o Facebook, também é importante para avaliarmos o impacto da mídia impressa. Digo isso porque foi aos jornais que o Facebook recorreu para se manifestar sobre a situação. O problema mostrou o poder impressionante da mídia impressa. Ela não morreu. Ela só precisa ser bem feita, pois, sendo bem feita, o impacto é emocionante. Acho que o problema da coleta de dados representa uma oportunidade para os anunciantes avaliarem como e onde estão investindo. Houve essa grande migração de dinheiro que saiu da chamada mídia tradicional para o digital porque o digital trouxe uma amostra de classificação do target muito forte. Mas se o conteúdo não estiver de acordo com o posicionamento da marca, não adianta nada. Digital é superimportante, mas não é a solução de todos os males.

Diante da grande fragmentação da mídia, você acha que está mais fácil ou mais difícil fazer publicidade boa, que seja de fato eficaz?
Sempre foi difícil fazer publicidade boa, aquela que é capaz de chamar a atenção das pessoas, que vira parte da cultura popular, que tenha repercussão forte. Com a atenção cada vez mais segmentada, a comunicação tem de ser muito, mas muito boa mesmo. Eu costumo dizer que se você tem uma marca, você não precisa competir com outras marcas. Você tem de competir pela atenção do consumidor e isso só se consegue com coragem e com muita ousadia. Está cada vez mais difícil ganhar essa atenção no sentido de que tem muita gente competindo com a sua marca e com a sua atenção a cada segundo.

Mas alcançar o consumidor ficou mais fácil com os recursos de cookies, algoritmos e todos as outras ferramentas de “perseguição” que a tecnologia proporciona…
O problema é quando as pessoas acham que dados e algoritmos vão resolver a vida de todas as marcas e de todo mundo, de todas as formas de comunicação. Algoritmo não é ideia. Não adianta ter um pop-up com uma mensagem especial, feita de maneira personalizada para mim, para um consumidor específico, que pode até chamar a atenção. Mas se esta mensagem tiver um conteúdo ruim, ela não vai funcionar. É simples assim. Quando você alia os dois mundos, o dos dados e o das ideias, aí sim, a comunicação pode ficar interessante.

Quais os principais desafios e dificuldades da publicidade atualmente?
Eu acho que temos de mostrar para nossos clientes o valor que nós, agências, temos nos negócios deles. As melhores oportunidades de comunicação são aquelas que estão atreladas a uma proposta de business, de gerar negócios. Temos de ajudar esses clientes a identificar as oportunidades de comunicação. Temos de trazer ideias poderosas que vão gerar buzz, repercussão. Acho que os desafios para fazer uma boa publicidade passam por quatro pontos. O primeiro é definir muito claramente qual o posicionamento da marca. Muitas vezes, uma marca não tem claro o seu ponto de vista em relação ao mundo. O segundo é fazer algo de fato novo, algo que ninguém nunca viu, fazer algo que nunca foi feito antes. O terceiro ponto é a execução da ideia, e isso é fundamental. O quarto ponto é rezar. Rezar para tudo dar certo porque ninguém pode ter certeza se tudo vai funcionar exatamente como programado. A gente fala muito em “Embrace Uncertainty” (Abrace a incerteza) e acho que esse é o melhor caminho. Se você tem uma ideia e já sabe tudo que vai ocorrer com ela, esse nunca é um bom sinal.

Quais os melhores cases, melhores ideias de publicidade que você viu neste último ano?
O Nike Breaking2, pela coragem do cliente de tentar quebrar um recorde que todo mundo dizia que era impossível. E, mesmo não conseguindo, gerou resultados incríveis para a marca. É uma execução 100% just do it. O segundo é o Ikea’s Response To Balenciaga, uma ideia que é exemplo de marketing moderno. Rápido, oportunista, auto, depreciativo. Teria sido muito estúpido não ter feito essa ideia… Entre as três melhores, na minha opinião, também está P&G The Talk, que foi uma das ideias mais corajosas do ano. Algumas pessoas criticaram a execução, dizendo que faltou incluir pais e filhos, e que o The Talk, na realidade, é muito mais duro e longo. Eu entendo tudo isso e concordo. Quando você cria uma ideia nova e corajosa, às vezes você vai errar, não acertar 100%. Mas eu vejo o lado positivo: a quantidade de pessoas que descobriram pela primeira vez que existe o The Talk graças à P&G. Eu inclusive.

Especificamente sobre mídia exterior, como você avalia a produção e criatividade desta área, em termos mundiais?
Eu terminei de julgar (no dia 29 de março) o primeiro round online do D&AD e é ótimo porque é um processo de votação com sim ou não, ou seja, você escolhe simplesmente se uma determinada inscrição está dentro ou fora, se vai continuar ou não na disputa por algum tipo de prêmio. É muito claro. É um processo ótimo. As que se destacam são as que estão usando a mídia exterior com inovação e ousadia ou as que têm a qualidade de técnica, de craft, de execução. Mas, de novo, eu volto para o ponto da atenção. Aquele pôster me para e me chama a atenção? Hoje as pessoas andam nas ruas olhando o tempo inteiro para baixo, vendo a tela do celular. O bom outdoor, o bom trabalho de mídia exterior é aquele que faz você sair do smartphone, que faz você olhar pra cima para ver que existe publicidade nas ruas, nas placas de mobiliário urbano, nos painéis eletrônicos, nos pontos de ônibus…

Qual sua opinião sobre as estratégias das marcas no ambiente da globalização? É melhor priorizar ideias de impacto global ou local?
Depende muito da marca. Não existe uma resposta que vai valer para qualquer marca. Tem marca que é mais global por natureza e não tem tanta diferença de percepção a partir de mercados. Há marcas que você faz estratégia global com execuções e há ainda as marcas que têm de parar de ser global e ter mais estratégia local. O que não funciona é uma marca tentando ser o que ela não é. Não seja o que você não é. Há um comercial tailandês (Capture, da McCann para o suplemento dietético Verena Sure), que qualquer pessoa do mundo que assiste aquilo vai se identificar, vai achar engraçado porque é um humor local, mas que consegue viajar para qualquer cultura. Ele tem roteiro, atuação e edição impecáveis. E uma prova que dá pra fazer uma execução 100% local, mas que também funciona em qualquer lugar do mundo. Desde que tenha um insight global. Os argentinos também sabem fazer isso muito bem.

Qual a sua opinião sobre a grande quantidade de premiações no mercado publicitário mundial?
Eu acho que tem muito prêmio. Como agência e como cliente, você tem de pensar no que é importante, no resultado de prêmio que vai gerar algum valor para sua marca e para sua agência. Está cada vez mais difícil mandar tudo para todos os lugares, por questões de budget, de custos. Acho que o critério tem de seguir o valor que o prêmio representa. Acho importante que as marcas e agências participem de pelo menos uma premiação local, de um prêmio regional e, depois, dos globais.

Como você tem acompanhado a publicidade brasileira e como você a avalia atualmente?
Acho que a publicidade brasileira é supercriativa. Acho que o talento brasileiro é inquestionável tanto na capacidade de gerar ideias quanto na capacidade de trabalho. A oportunidade que o Brasil tem de melhorar, em termos internacionais, está em usar conceitos que possam viajar mais, que possam ser aplicados em outros países. Acho também que o Brasil pode melhorar no quesito qualidade de produção. Já está melhor do que foi, mas ainda há um gap em relação a outros países.

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