Você está trancado em casa? Eu também. A cada dia que passa descubro que a casa onde moro não pertence a mim. Nem a ninguém. Tem vida própria. Eu achava que da mesma forma que no longa de Chaplin, Fantasia, durante o dia as vassouras varrem, os fogões cozinham, o café marcha para o bule e daí para as garrafas térmicas. Os cachorros abrem seus sacos de ração e se servem, os gatos também abastecem seus comedouros. As galinhas nem se fala o quanto trabalham, escolhendo seus permanentes almoços e jantares até fecharem as portas do galinheiro, para se proteger dos gambás.
Eu achava que o pó que se acumula em todos os cantos ia parar de motu próprio dentro do saco de pano do aspirador. Não. Cada coisa exige um esforço humano. Não adianta mandar os pratos, após a refeição, irem para a pia e se lavar. Eles não vão, assim como o saco de lixo também não marcha para a porta, à espera do caminhão. Minha mulher e eu estamos descobrindo como a casa funciona, seus ritos e manias.
Ainda não aprendemos aos detalhes, mas estamos tendo uma boa ideia de como a banda toca. Sempre tive uma boa relação com nossos funcionários. Mas nunca os tinha visto em ação. Agora, na tentativa de substituí-los, descubro quanto existe de sofisticação tocar uma casa. E, além do planejamento, algumas vezes força física, como arrastar móveis ou cortar a hera que trepa nas paredes usando uma máquina pesada e terrivelmente barulhenta.
Fazendo do limão uma limonada, alguns motoristas de táxi estão realizando compras para entocados como nós aqui em casa. Meu comprador particular é um taxista que atende muita gente aqui do bairro. Vai ao supermercado, nos levou para vacinar e usa todas as proteções conhecidas para evitar contaminação. É uma verdadeira dona de casa na escolha de verduras, legumes e carnes. Fica de olho nas ofertas e consegue registrar as pequenas idiossincrasias da casa. Um gênio. Estou levemente desconfiado que a sua freguesia continuará usando seus serviços, mesmo quando a circulação de pessoas voltar ao normal. Em vez de ficar reclamando da crise, criou um serviço útil, confortável e para ele lucrativo.
Como serão as nossas vidas daqui para frente? Voltar a como era antes me parece impossível. As empresas estão vendo a possibilidade de manter parte de seus funcionários em casa. Para muitos, é uma solução. Ganha-se em tempo, pois o deslocamento casa-trabalho toma parcela importante do dia. Ganha-se em espaço no escritório e, não raro, ganha-se em produtividade.
Outra atividade que está a cada dia mais forte é a do e-commerce. As empresas que atuam no setor comemoram um crescimento robusto. Para uma porção de produtos, comprar pela internet é um conforto e uma economia notáveis. É bem verdade que a minha mulher comprou um aspirador robô que pediu demissão no primeiro dia de trabalho. O manual de instrução era em chinês. Como era muito barato, ficou por isso mesmo.
Trabalhar em casa exige um rigoroso planejamento. Muita gente não vai conseguir se adaptar. Os mais veteranos nesse tipo de trabalho têm conselhos preciosos. A maioria das pessoas que eu conheço e que ganharam produtividade no home office planejou essa mudança de hábito com muito cuidado. Uma coisa eu aprendi: portar-se como quem muda de ambiente é fundamental. Cachorro, cônjuge, crianças, contribuem para destruir a produtividade. Basta acessar a internet. Há muita postagem de quem está em casa, trabalhando
Essa minha página hoje está metida a séria. Desculpem. Prometo que semana que vem volto à sacanagem, às anedotas e aos relatos hilários. Até eu me acho um chato. Mas nesses dias achar graça não está fácil.
Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira.luvi@gmail.com)