Uma das características do Festival de Gramado é a democracia: todo palestrante é maltratado igualmente. Aconteceu com o executivo sênior da Dentsu e diretor da IAA-Ásia, Noriyuki Shutto, que levou semanas preparando a sua apresentação, atravessou o Planeta para uma palestra no extremo sul do Brasil e teve sua fala interrompida por um cartaz que alertava: “the time is over”. O oriental teve seu momento latino: ficou furioso, rasgou a papelada e, ainda, deu um safanão em seu subordinado brasileiro, Alexandre Ugadin, acompanhado de um inimaginável berro de “baka!” (algo como burro, idiota!), considerando-se os padrões de formalidade japonesa. Na coletiva que foi adiada por horas, a fim de que Shutto recobrasse o equilíbrio emocional, ele foi espirituoso, ao começar dizendo que “não imaginássemos que todo japonês fosse assim, temperamental como ele.” Mas o festival judiou também de outro portador de sangue oriental, só que brasileiro e gaúcho, Ehr Ray, diretor da Borghierh Lowe. Escalado para o painel “Geração on-line: jovens criativos latino-americanos”, junto com o chileno Samuel Benavente, deveria ter sido o primeiro a se apresentar. Mas acabou sendo o segundo. Resultado: o chileno ocupou quase todo o tempo com uma exibição que beirava a escatologia (e, portanto, levava a moçada ao delírio) e coube a Ray um restinho de tempo muito aquém da necessidade de sua brilhante palestra, que ficou visivelmente prejudicada. Não escapei nem eu. Programado para me apresentar às 14 horas no auditório número 2 (que, depois, descobri tratar-se de um barracão improvisado), vivi o constrangimento de me deparar com 300 pessoas amontoadas num ambiente sem nenhuma ventilação e uma fila de mais uma centena tentando entrar. Como não sou nenhuma celebridade televisiva, talvez o festival tenha subestimado o número de interessados em me ouvir. Me neguei a falar naquelas condições e a solução foi abrir o máximo possível de portas para que circulasse algum ar no ambiente. Mas o Festival de Gramado não seria o Festival de Gramado sem esse folclore. É a marca de João Firme que nem o esmero de Airton Rocha vai conseguir descaracterizar. João Firme nunca foi dado a sutilezas e não leva em conta diferenças, sejam de que ordem for. O negócio dele é fazer a fila andar. E a fila anda, aos tropeços, mas anda.
Não há dúvida de que o festival está muito melhor, isso é voz corrente entre freqüentadores assíduos. Eu também acho. E reconheço a democracia com que é tocado. Do mesmo jeito com que tratam mal aos palestrantes, aceitam com entusiasmo as reclamações mais histéricas. Por isso, é, ao mesmo tempo, o pior e o melhor festival de publicidade do mundo. Porque é único. Indecifrável.
Stalimir Vieira