Se o ambiente macroeconômico ficou desidratado com os efeitos da pandemia de Covid-19, especialmente no primeiro semestre deste ano, o segmento imobiliário não tem do que reclamar do ano de 2020.
Apenas a oferta de lajes comerciais ficou comprometida devido à queda de receitas das empresas, que optaram pelo home office para manter as suas operações. Mas, as plantas residenciais de todos os perfis socioeconômicos estão em alta. E o digital passou a ser aliado na era do 3D (digital, diversidade e disrupção) do marketing imobiliário. A comunicação, que antes se concentrava nos jornais, migrou para Instagram, Facebook e Google, combinado com CRM, dados, performance, leads etc.
A Tecnisa, por exemplo, não programa flights de publicidade no meio jornal há cinco anos. E abriu mão de ter agências de publicidade para criar suas peças de comunicação. A opção foi ter à disposição 42 startups com foco em martech plugadas no seu negócio.
Romeu Busarello, vice-presidente de marketing e transformação digital da Tecnisa, explica: “Há algum tempo deixamos de ser profissionais de marketing. Estamos na era matemarketing. Há um novo vocabulário: CPA, programática, leads, RTB, growth hacking, trade desking, DSP etc. Com dados e cientificidade nossa assertividade cresceu. Posso afirmar que a margem de erro para as vendas finais de outubro é de 5%”, detalhou Busarello, enfatizando que a compra de mídia se resume a portais verticais como ZAP, Mercado Livre, Viva Real e OLX Imóvel Web, mas 60% do orçamento vai para Google, Facebook e Instagram.
O segmento acredita que há um boom e as vendas vão ficar verticais diante dos cenários auspiciosos como a queda da Taxa Selic (Sistema Especial de Liquidação e de Custódia), que contribui para a diminuição do valor das prestações, como Busarello esclarece. “Cada vez que os juros caem um por cento, o reflexo no valor da prestação é de 30%. Essa redução é um incentivo que não está sendo ignorado pelos consumidores. Mais de 30 mil unidades estão sendo ofertadas neste ano apenas no mercado de São Paulo. A retomada do setor é visível, mas vai ficar mais evidente a partir do segundo semestre quando as obras desses lançamentos forem iniciadas. A mão de obra começa a trabalhar e as compras de insumos como aço e cimento ficam aquecidas”, ressalta Busarello.
A segurança de investir em imóveis atraiu os investidores, que conseguem remuneração sobre o capital investido (ROI), enquanto a aplicação em títulos bancários está com taxas sem atratividade.
Quem atesta a tendência de elevação de negócios é a agência Z515. Em 2016, abriu núcleo dedicado ao mercado imobiliário que responde por 15% do share do seu faturamento anual. A divisão chegou com a incorporação da Enemy, de Fabio Tramontano, responsável pelo atendimento ao segmento. Uma novidade no seu portfólio de negócios é a conquista da parte institucional da Yuny, que se junta a SKR (estratégia e mídia), Kallas, Focal e Viva Benx.
Tramontano, Alan Strozenberg e Flávio Nara descrevem o case da Viva Benx, projeto 100% desenvolvido pela Z515, que aproveitou a Zeis (Zona Especial de Investimento Social), em São Paulo. “Assim surgiu o Viva Benx”, resume Tramontano. A construtora já comercializou 3.984 unidades na categoria Minha Casa, Minha Vida e com 85% das ofertas vendidas, equivalente a R$ 1,5 bilhão. O Viva Benx trabalha com segmentação do target, de acordo com o perfil de cada bairro. “Essa adequação é necessária para propiciar mais elementos para a decisão de compra”, diz o executivo. “O Viva Benx está pronto para lançar um condomínio vertical em Pinheiros, atrás do Shopping Eldorado, em São Paulo. Uma área nobre da cidade, mas que tem Zeis”, detalhou Tramontano.
A Cyrela montou in-house no início deste ano e, de acordo com o diretor de criação Lelo Nahas, não sentiu os efeitos da pandemia. Ele trabalha para as linhas Living, Vivaz e Cyrela, com a parceria dos diretores de arte Danilo Veloz e Diego Garavatti e sob a liderança da gerente de marketing Telma Graziano e da coordenadora Juliana Monteiro. “O aquecimento é nítido. Estamos trabalhando sem parar”, resumiu Nahas. “A ideia da criação é colaborativa. A criação é um vetor de potencialização dos projetos”, acrescentou.
Agências especializadas em imobiliário, como Archote, Eugênio e F.A.V., são referência para os anunciantes do ramo. A F.A.V., por exemplo, deixou de ser agência para se transformar em consultoria. Ela já promoveu 900 lançamentos em 38 cidades do país. Essa expertise foi elemento de qualificação à transformação. Recentemente a agência coordenou a apresentação do loteamento Park & Resort, empreendimento com R$ 450 milhões de VGV (Valor Geral de Venda) da São Bento Incorporadora, em Dourados, no Mato Grosso do Sul. A Helbor confiou à agência a responsabilidade de montar a estratégia do W Residences (hotel e residencial), um complexo de luxo, em São Paulo, com valor do metro quadrado das unidades residenciais acima de R$ 30 mil, na expressão de Fabio Almeida Vasconcelos, que fundou a F.A.V. há 30 anos. O plano é priorizar o mercado de luxo.
“O ano de 2019 marcou a retomada. Os lançamentos da empresa atingiram um VGV de R$ 2,3 bi. Para 2020, a perspectiva é chegar perto dos R$ 3 bilhões com os 20 lançamentos previstos”, disse Vasconcelos.
O empresário e diretor de arte Maurício Eugênio, fundador e CEO da Eugênio Propaganda, rebatizada de New E, dirigida por Thays e Luiza Eugênio, considera a atividade imobiliária como estratégica para a retomada da economia. Em sua opinião, os números do setor neste mês de outubro já estão alinhados com a era pré-pandemia.
“A New E fez o lançamento da primeira fase do Parque Global, empreendimento gigantesco, o maior da América Latina, com shopping center, áreas residenciais, áreas comerciais e faculdade, que envolve a Bueno Neto, a Related e a Benx, com R$ 9 bilhões de investimento na região da Marginal Pinheiros. A campanha foi lançada há pouco mais de um mês e colaborou para 80% de vendas, mais de R$ 500 milhões de VGV de apartamentos de alto padrão”, especificou Eugênio.
A SunsetDDB assinou a recente campanha institucional O mundo está em construção, para a MRV, com o objetivo de ressaltar a sua presença no ambiente ESG, sigla em inglês para Meio Ambiente, Social e Governança. A veiculação contemplou os principais jornais do país, entre os quais Valor, Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo. O filme Grande diferença transitou pelo digital e TVs. A ação também destaca ainda a preocupação da empresa com aspectos de urbanização: pavimentação, saneamento básico e reforma de escolas, centros de saúde e revitalização de áreas na vizinhança das obras construídas.
“O sonho da primeira casa é e sempre será uma realidade. Nos últimos meses, percebemos que as pessoas se reconheceram em suas casas, sentiram a importância de um lugar gostoso e seguro para morar. A casa ganhou um espaço ainda maior nas prioridades das pessoas”, explanou Cris Pereira Heal, chief business officer da SunsetDDB.
O diretor de marketing e novos negócios da MRV, Rodrigo Resende, concorda com Cris que investir no sonho da casa própria faz parte da cultura dos brasileiros. E é asset mercadológico para a empresa. Resende recorre à prévia operacional do terceiro trimestre, que contabilizou a maior geração de caixa da história da empresa, um volume R$ 307 milhões.
Houve “recorde histórico” de vendas pelo terceiro trimestre consecutivo, totalizando R$ 1,97 bilhão, com 11.183 apartamentos comercializados, crescimento de 41,1% frente ao terceiro trimestre de 2019. Na rubrica Repasses, a MRV também teve avanço significativo: foram 13.180 unidades no 3º trimestre deste ano, uma alta de 102,2% sobre período similar do ano passado. A retomada de lançamentos representa R$ 1,87 bilhão, equivalente a 11.106 unidades, um incremento de 15% sobre o penúltimo trimestre de 2019 e crescimento de 98,9% no comparativo com abril, maio e junho de 2020, como especifica o balanço. O VSO (Vendas Sobre Ofertas), ainda segundo o documento, foi de 21,2%, “a maior marca desde 2014.”
Com esses números e quebra de recordes, Resende ressalta que a MRV se posiciona como a maior do país no segmento popular, posição que também ocupa no mercado latino-americano. Resende define a MRV como “plataforma de soluções de moradia”. Além da construtora, a empresa mantém a Alugo, de locação; e a Urba, de loteamentos em bairros planejados no interior de São Paulo e também nos estados por meio da subsidiária AHS.
“Nosso tíquete médio é de R$ 165 mil. Nunca vendemos tanto na nossa história. O 3º trimestre é histórico. Seguimos à risca o propósito da marca, que é relacionado a esse sonho dos brasileiros. Trabalho com o primeiro imóvel”, justificou Resende, destacando que as soluções digitais estão definitivamente incorporadas à MRV. Na comunicação ela abrange 60% nas plataformas digitais e no Google Display Networks. O share de vendas pela internet é de 75% e conta com a colaboração da assistente virtual MIA. Na parte de decoração, temos o software My Home Experience, que conta com mais de 900 soluções de customização de acabamento.”
Os 40% restantes do orçamento de publicidade da MRV são programados para meios tradicionais, um mix que envolve televisão, jornal, rádio, veículos do trade e mídias em geral. Não obstante, Resende observa que os jornais, que já foram os principais instrumentos de interação do trade imobiliário com o cliente final, estão indo além do impresso e com presença no digital. “Tudo se tornou híbrido”, prosseguiu o executivo da MRV.
A Cyrela registrou 19 lançamentos até o mês de setembro. “Do ponto de vista estratégico de marketing, a Cyrela está trabalhando cada vez mais campanhas focadas em proporcionar experiência aos clientes, qualquer que seja nosso ponto de contato. A pandemia acelerou todos os mercados; o mundo está mais digital. Neste contexto, entendemos que o nosso cliente também está mais digital e temos direcionado nossa comunicação nesse sentido. Por isso, implementamos diversas ferramentas, um exemplo disso é a telecorretagem, onde o corretor e o cliente se conectam online, em horário previamente agendado, para uma visita guiada pelo decorado. Outro exemplo é a realidade aumentada, na qual o cliente consegue ter uma ideia mais real de como serão as áreas comuns do empreendimento depois de pronto”, elencou Telma Graziano.
Na Setin, segundo as palavras da gerente de marketing Valéria Castro, a digitalização aguardada para cinco anos foi otimizada para 60 dias. E com as soluções online as vendas ficaram aceleradas.
“Todo o setor enxergou uma necessidade de ampliar as ferramentas de campanhas digitais para alcançar o consumidor que, em dado momento, não tinha mais acesso ao stand de vendas ou a chance de visitar os decorados. Por isso, as lives foram além do entretenimento e se transformaram em meio de contato entre compradores e corretores no momento de apresentar um novo projeto, por exemplo. Na Setin, 90% das vendas realizadas nos últimos meses tiveram, em algum momento da jornada de compra do consumidor, alguma interação digital entre o cliente e a marca.”
Se o digital aparece como opção para as estratégias de mídia do trade imobiliário, lugar que os jornais tiveram preponderância no passado, não significa que o meio impresso não tem mais relevância. Como frisou Rodrigo Resende, da MRV, a circulação de alguns títulos é relevante e está no radar da empresa. Paulo Pessoa, diretor-executivo comercial do Estadão, informa que o segmento tem impacto positivo nas receitas, mas que a oferta passou a ser integrada: impresso, digital, redes sociais, rádio, podcats, moving e eventos.
“O mercado imobiliário foi um dos que mais rapidamente e melhor conseguiram reagir, aproveitando algumas particularidades do setor (como a baixa taxa de juros) e ajustando a sua estratégia e ofertas. Em alguns momentos, ao longo da pandemia, conseguiu resultados melhores do que no mesmo período do ano anterior, o que se refletiu no investimento publicitário e na quantidade de anunciantes no grupo. Temos uma estrutura dedicada e multidisciplinar focada no atendimento comercial do segmento e na definição de estratégia de produto nas várias plataformas”, finalizou Pessoa.