Piestun: não somos mais uma empresa de compras coletivas. Agora, como um e-commerce local, visamos a qualidade da experiência do usuário

 

Após perder US$ 81,1 milhões globalmente em 2012, o Groupon mudou radicalmente: abandonou o sistema pelo qual ficou conhecido e adotou o de e-commerce local. Em 2013, após a transição, a empresa registrou lucro de US$ 2,6 bilhões e superou as expectativas do mercado. No Brasil, quem lidera o reposicionamento da companhia é Michel Piestun, que assumiu a presidência da empresa brasileira em junho após deixar a vice-presidência de marketing da Samsung. Com 25 milhões de assinantes no país, a empresa prepara sua expansão local. Nesta entrevista ao propmark, Piestun fala de como a empresa está se reinventando no país com o lançamento de novos serviços, em áreas como entretenimento e reservas de restaurantes, e da aposta em mobile, que já responde por 50% das vendas do Groupon no mundo todo.

O Groupon passou por algumas mudanças no último ano e uma delas foi sinalizar sua consolidação como um ambiente de e-commerce. Na prática, o que isso significa e o que a companhia está buscando?
Reposicionamos o Groupon. Não somos mais uma empresa de compras coletivas, como algumas pessoas ainda acreditam. Nesse modelo, você visa altos volumes de compra e, agora, como um e-commerce local, visamos a qualidade da experiência do usuário. Essa é uma mudança fundamental. Agora, ao invés de procurarmos vender muito, tentamos entender qual a capacidade do comerciante parceiro de atender bem e limitamos o número de cupons vendidos para que haja qualidade. É uma mudança grande no modelo. Antes os descontos eram muito altos. Agora, a média é menor e, em algumas categorias, o desconto fica abaixo da média. Nesse caso, o benefício para o comerciante é a divulgação do seu espaço e, para o usuário, o conhecimento de uma ideia interessante de algo a fazer.

Experiência foi o calcanhar de Aquiles dos sites de compras coletivas. Como assegurar que a satisfação do consumidor será melhor a partir de agora?
Quando havia um modelo em que volume era o importante, não havia como assegurar experiência. Agora, começamos com a calculadora de capacidade. No caso de restaurantes, por exemplo, que é um dos itens que mais saem, temos essa calculadora e a nossa área de qualidade, na fase final do contrato, checa se aquela quantidade de cupons que será colocada à disposição está dentro da capacidade do estabelecimento. Depois, mostramos para os parceiros que o Groupon é uma forma de levar clientes até a porta da loja. Dali em diante, eles têm que cuidar. Os parceiros entenderam que o investimento, ao usar o Groupon como ferramenta de marketing, demanda atendimento para fidelizar esses clientes, algo que aumenta o retorno sobre a campanha. [Essa mudança envolveu] treinamento dos parceiros, da força de vendas e a criação da calculadora de capacidade, além de melhorarmos a escolha de quem está publicado na página.

Vocês tiveram um enxugamento dos parceiros, retiraram os que não estavam alinhados com essa nova proposta?
Eu não diria que houve um enxugamento. Alguns parceiros que não prestavam ou não prestaram bons serviços já não conseguem publicar uma nova oferta. O fato é que temos mais parceiros neste ano que no ano passado.

Quantos estabelecimentos estão registrados hoje no Brasil e quantos cupons vocês comercializam por ano?
Temos uma política internacional de não abrir números por país. Globalmente, temos 500 mil parceiros e 43,6 milhões de consumidores ativos. O Brasil é hoje um dos sete maiores mercados para nós no mundo.

O Groupon declarou em seu último balanço financeiro que deseja se tornar cada vez mais uma plataforma de e-commerce local. Qual a diferença central entre isso e uma empresa de compras coletivas?
O conceito de e-commerce local é gerar demanda para lojas físicas. Essa é uma das nossas três verticais e foi como o Groupon surgiu. A diferença com o modelo de compras coletivas é que não precisamos mais de um número específico de cupons comercializados para validar uma oferta. O primeiro que for vendido já está valendo. O foco agora é numa qualidade melhor para quem está comprando e para quem está vendendo. Somos uma plataforma que une as duas pontas. Para o consumidor, somos como um guia onde ele encontra opções do que fazer. Para o estabelecimento, uma plataforma de mídia.

Dentro desse modelo de negócios, vocês ainda conseguem dar descontos tão robustos como antes?
O nosso modelo de negócios ainda é baseado em descontos. O preço do Groupon tem que ser o melhor preço.

O Groupon mudou o modelo de negócio, mas o consumidor brasileiro já entendeu que o site agora é uma plataforma de e-commerce que o conecta a lojas físicas?
Houve muita gente que comprou e não compra mais, porque não teve uma experiência boa. Mas a nova base de clientes é leal e tem aumentado seu volume de compras de forma gradativa. Já começamos a ver uma mudança de comportamento. Nossa plataforma de marketing é composta por três pilares: a newsletter diária, em que destacamos novidades, algo que os usuários valorizam; os sites afiliados, que somam mais de 3 mil; e a aposta no mobile. Temos incentivado as pessoas a baixarem o aplicativo do Groupon, que proporciona uma experiência de compra melhor.

Quando você assumiu, destacou a força do mobile lá fora e declarou que isso seria alvo dos esforços da companhia. Quais são as estratégias nesse campo e como está a adoção de compras pelo celular no Brasil?
Nos Estados Unidos, mobile já representa metade das vendas do Groupon. No Brasil, somos bem maiores que a média de m-commerce [que hoje representa 4,8% das compras de e-commerce, segundo o e-bit]. Estamos bem acima disso e nossa meta é triplicar as vendas via mobile no Brasil. Globalmente, 40% das transações vêm de dispositivos móveis e achamos que é possível alcançar essa média [esse número já saltou para 50%, segundo o balanço do quarto trimestre da companhia]. Esse aumento será impulsionado pela adoção crescente de smartphones. Também há uma democratização dos planos de 3G e isso é importante, porque não adianta smartphones sem conexão. Em pouco tempo, teremos algumas tecnologias que permitirão coisas mais interessantes. Para as empresas, viramos um shopping center de bolso, inclusive aos finais de semana. O e-commerce é alto de segunda a sexta, mas tem uma queda aos sábados e domingos, quando as pessoas diminuem o acesso ao computador. Mas o celular é algo que elas carregam o tempo todo. E agora, como e-commerce local, temos centenas de ofertas por dia. São mais de 5 mil em nossa página. Antes, como compras coletivas, havia uma newsletter por dia e uma oferta. Era um ponto de acesso e uma oportunidade de contato com o consumidor. Saímos de um modelo push, em que enviavamos e-mails e esperávamos captar compradores, e adotamos o sistema de pool, em que nos promovemos como um destino de opções atraentes.

Você mencionou que o envio de ofertas para os usuários será por geolocalização. Isso já está funcionando no Brasil?
Está em testes nos Estados Unidos e, no Brasil, chegará em maio. Há uma nova versão do site do Groupon, o PromNight, como é chamado, que já está funcionando no mercado norte-americano. Ele terá uma grande barra de buscas, para o usuário pesquisar o que quer de fato fazer. Não só o design é diferente, mas toda a lógica de funcionamento. Ao acessar o aplicativo, que está sendo reformulado, ele irá exibir as ofertas de acordo com a localização do usuário, identificada por meio do GPS do celular. Essa mesma ferramenta permite o envio de notificações por push para pessoas que estejam próximas de estabelecimentos com ofertas naquele dia. Hoje não conseguimos fazer isso no Brasil porque o sistema no país ainda está sendo adaptado, algo que estamos fazendo localmente. Temos 100 engenheiros na América do Sul.

Vocês têm outros serviços lá fora, como o Groupon Freesbie e o Groupon Home. Essas opções também devem estar disponíveis no Brasil no curto prazo?
Estamos trazendo para o Brasil o Groupon Reserva [lançado nos EUA em julho de 2013, resultado da aquisição da empresa Savored.com]. Também estamos trazendo o Groupon Live. No momento, estamos contratando equipe e estruturando essa operação. Já o Freebies, que reúne cupons de descontos de várias empresas, nós demoraremos a trazer. Há outras verticais, como o Groupon Home [nos EUA, ela reúne ofertas em áreas como decoração, serviços domésticos e jardinagem], que entrará no ar em breve. Nossas principais iniciativas estão no mercado norte-americano. A partir do momento que as testamos, que temos experiência acumulada, exportamos isso para os outros Groupons do mundo. Quando o novo site vier, entre abril e maio, estaremos no mesmo nível de tecnologia que eles.

O Groupon Live já vendeu ingressos para shows de Beyoncé e Elton John, mas ainda está em teste. Como vai funcionar essa plataforma e o quanto vocês esperam que ela represente no faturamento de vocês?
Fazemos parceria com as principais empresas de show e de cinema no país – teatro é caso a caso – e vamos colocar todas essas opções em um único espaço [atualmente, o site já comercializa ingressos com desconto, mas a reestruturação prevê mais ofertas no setor de entretenimento e uma exibição mais organizada]. Também estamos indo atrás de eventos esportivos. O Groupon Live será mais uma vertical, além das que já existem: e-commerce local, shopping (produtos) e viagens. Mas ainda estamos definindo se essa será uma vertical separada. Para o usuário, o benefício será encontrar ingressos com desconto, sem taxa de conveniência. Para o estabelecimento, é um canal de venda e de divulgação. É uma forma de o promotor fazer com que mais pessoas saibam do seu show. Até maio, o serviço estará operando 100%.

Você mencionou que o Groupon funciona mais como plataforma de mídia que de vendas. Em que sentido?
Pensemos numa clínica de estética: ela vem até nós e diz que deseja ser mais conhecida. Nós publicamos uma oferta, que é disparada para 25 milhões de pessoas, exibida em 3 mil sites de afiliados e a empresa só paga sobre aquilo que é vendido. É uma grande ferramenta de awareness, e não cobramos por isso: só cobramos pelo que é comercializado. Também pode ser usada para vender de acordo com a demanda. Um estabelecimento assim tem variações na demanda. Uma academia de tênis não tem alunos em todos os horários. Colocamos mais vouchers disponíveis nesses momentos de pouca demanda, aumentando o desconto nos dias de procura menor, e publicamos ofertas menos interessantes em dias cheios. Um caso recente é o da doçaria Amor aos Pedaços. Em duas semanas, vendemos 10 mil panetones para o estabelecimento. Para eles, é ótimo: a companhia já sabia qual era a demanda antes de produzir e já tinha a venda confirmada de 10 mil panetones.

Os sites de compras coletivas receberam centenas de reclamações no Procon durante a explosão da modalidade. Essa rejeição dos consumidores foi superada?
Em 2011, todo mundo tinha problemas. Em 2014, desafiamos qualquer um a falar mal do Groupon. Ganhamos o prêmio do Reclame Aqui como Melhor Empresa para o Consumidor [em julho de 2013] e hoje estamos em uma situação muito confortável em todos os órgãos de defesa do consumidor.

*Atualizado às 17h14