Quando chegou ao Brasil, Head & Shoulders, da P&G, tentou replicar a estratégia que fez dela a marca de xampus mais vendida no mundo atualmente, com campanhas que falavam dos atributos do produto. O trabalho não funcionou e Head & Shoulders decidiu fazer algo inédito: partir para a irreverência. No ano passado, contratou o técnico brasileiro Joel Santana como garoto-propaganda, conhecido também pela sua famosa entrevista, em um inglês cheio de sotaque, que concedeu quando comandava a seleção da África do Sul, em 2009. Um ano depois de apostar em comerciais cheios de humor, a marca comemora os gols que fez com Joel. Em entrevista ao propmark, Tarik Mohallem, gerente de marca de Head & Shoulders, fala de como foi colocar a campanha no ar e da nova fase da estratégia, que começou em julho e tem Sabrina Sato e Rodrigo Faro ao lado do técnico.
Do lançamento da marca no Brasil, no final de 2010, até agora, qual o balanço da empresa sobre a evolução de Head & Shoulders no varejo?
Head & Shoulders é muito forte lá fora. É o xampu mais vendido do mundo, e não somente na categoria anticaspa. No Brasil, como a marca entrou por último, o território já estava dominado, e o caminho não tem sido fácil para nós. Há uma disputa muito grande, mas, como se trata de um mercado enorme, ele é um dos focos da companhia P&G.
Desde o ano passado vocês estão com uma comunicação bem irreverente, com Joel Santana de garoto-propaganda. Qual o impacto que a figura do treinador teve na marca?
O produto veio com a proposta de ser um anticaspa, mas também ser um xampu que oferecia hidratação. Isso contrariava a visão que o consumidor tinha desse tipo de produto, que era de uma solução medicinal que significava comprometer um cabelo bonito. Fizemos um esforço para mudar essa visão, trouxemos linhas de tratamento, ampolas e isso nos fez conquistar uma porção grande do segmento de anticaspa, principalmente entre as mulheres. A questão é que esse segmento tem uma grande participação do consumidor masculino, e não podíamos nos dar ao luxo de ficar só com um dos grupos. E os homens não se identificavam com a comunicação baseada nos atributos hidratação e solução anticaspa. Para reverter isso, recorremos ao esporte: lançamos uma edição especial da CBF, do Pelé, do Senna, entre outros, para nos apropriarmos do consumidor masculino. Quando fizemos esse redirecionamento e trouxemos a campanha com o Joel Santana, a marca teve uma reviravolta no Brasil.
E por que a escolha do Joel?
O Joel Santana foi um técnico com passagem por importantes clubes brasileiros e foi técnico da África do Sul entre 2008 e 2009. Em 2009 ele deu uma entrevista em inglês que ficou muito famosa pelo forte sotaque brasileiro. Tínhamos um desafio no Brasil que era a pronúncia do nome da marca, grafada em inglês. As pessoas ficavam constrangidas de pedir o produto na farmácia ou no supermercado e não saber falar corretamente. Além da questão do idioma, havia o assunto caspa, que ainda é um tabu, mesmo sendo um problema que afeta milhares de pessoas. Com esses dois pontos, somados à nossa necessidade de estreitar a conexão com o consumidor, o Joel veio a calhar. Ele falava um inglês, digamos, do povo, e com ele nos permitíamos, então, falar o nome da nossa marca de várias maneiras. Isso ajudou o produto a cair nas graças do consumidor.
O impacto do técnico refletiu nas vendas?
Quando começamos a campanha e renovamos nosso foco no público masculino, vimos uma aceleração muito grande nas vendas. As demais variáveis que observamos, como a saída do produto no varejo e o ciclo de venda, aumentaram como um todo. Desde que a marca foi lançada, esse é o período em que Head & Shoulders vem crescendo de forma mais acelerada no Brasil. Pudemos conquistar o público masculino. Nossa participação entre as mulheres já era maior que a do nosso principal concorrente e, no masculino, onde perdíamos por muito, conseguimos dar uma reviravolta. Todos os recordes internos de variáveis como market share, fundamentos e vendas foram quebrados. Nos últimos 12 meses, desde que a campanha começou, já dobramos nosso tamanho e nossas vendas.
O que são variáveis de fundamentos?
Precisamos que o consumidor pense na marca e a alie a superioridade, que a veja como a melhor marca anticaspa. Essa medida específica bateu todos os recordes. É um sinal para nós de que a campanha está saudável. A segunda medida é autoconfiança: queremos que nossa marca dê autoconfiança para quem a usa. Sabemos que pessoas que sofrem de caspa se limitam em vários aspectos – não usam roupas pretas, por exemplo, e mulheres não deixam os cabelos soltos. Por isso, autoconfiança é um atributo tão importante. Esse atributo também cresceu muito.
Com a estratégia, a Head & Shoulders conseguiu se distanciar dos seus principais concorrentes no mercado, como Clear, da Unilever, que tem Neymar como embaixador?
Medimos variáveis como imagem da marca e como o consumidor a está valorizando, tanto a nossa quanto a de nossos concorrentes. Em várias delas já passamos o nosso principal competidor. Contudo, em participação de mercado ainda temos um longo caminho pela frente. A marca começou no Brasil faz pouco tempo e o mercado de xampus no país é tão fragmentado que não há um participante que tenha metade do setor, como acontece nas categorias de sabão em pó e de lâminas de barbear, por exemplo. No caso de xampus, o líder de mercado tem 12% de participação, o que indica a quantidade de marcas que disputam esse segmento. Nós temos um longo caminho pela frente, mas posso dizer, com certeza, que a distância para o nosso principal competidor diminuiu bastante do ano passado para cá.
Em algum momento vocês tiveram problemas com a P&G global por adotar o tom irreverente das campanhas com o Joel?
Tivemos algumas dificuldades e houve certa resistência no começo. Temos um modelo lá fora muito bem-sucedido, Head & Shoulders é líder de mercado no mundo todo, não é de se desprezar uma estratégia que funcione tão bem. Mas precisamos nos adaptar às realidades locais, e nisso a P&G é muito boa. A empresa trabalha com uma filosofia, que é a seguinte: o que se pode mudar e o que não se pode mudar. Esse foi um dos casos onde demonstramos para a companhia que precisávamos ter uma estratégia diferente da adotada pela concorrência porque o nosso principal competidor [Clear, da Unilever] havia entrado no mercado local muito antes de nós e tinha aqui um faturamento importante. Não ia ser algo fácil e nem barato. Sabíamos que era necessário ter uma ideia poderosa, já que não tínhamos o mesmo nível de investimento que nosso concorrente. Precisávamos ganhar pela ideia. Quando demonstramos que não era um humor escrachado, que ele tinha um fim, um objetivo claro, de criar vínculo entre consumidor e marca, conseguimos botar a estratégia no ar.
Até o WhatsApp vocês usaram na campanha com o Joel no começo deste ano. Que resultados isso trouxe para a marca?
A ideia foi tão bem sucedida que ela navegou por todos os pontos de contato digitais. Sabemos que a mídia ainda está muito concentrada na televisão porque esse é o canal com a maior penetração hoje. Porém, entendemos também que TV por assinatura e, principalmente, internet, crescem a uma velocidade incrível. Foi intencional investir em digital: queríamos uma campanha que viajasse por todo esse ecossistema. As pessoas não estão somente no YouTube buscando vídeos ou no Facebook navegando pela sua linha do tempo – elas estão em diversos ambientes ao mesmo tempo. O WhatsApp é um exemplo. Quisemos experimentar uma estratégia para esse aplicativo. O resultado foi muito bom. Esse vídeo navegou pelos grupos de WhatsApp. O jargão “está de brinquetion?” virou meme na internet. Além disso, criamos o “dicionário Joelzitor”, que fazia “traduções do português para o joelzês”, além do “instant button”, que trazia as principais frases do Joel na internet. Temos explorado o ambiente digital porque a campanha tem corpo para tal.
Fazer tudo isso somente usando TV teria outro custo. O digital é uma forma de trazer mais eficiência para o orçamento de mídia?
Com certeza. É daí que vem, cada vez mais, a pressão para ser eficiente. Os tempos de fazer um plano de mídia onde quase tudo está na televisão e um pouco está em revista acabaram. A TV ainda é um canal necessário no Brasil, mas, cada vez mais, precisamos estar naquilo que, em alguns anos, será o futuro da comunicação, que é o digital. Não sabemos se isso levará dois, cinco ou dez anos, mas sabemos que será o futuro e nós precisamos estar à frente sempre.
Irreverência ainda vai marcar o tom das campanhas de vocês ao longo desse semestre?
Sim. Entendemos que o consumidor se abriu para esse tipo de comunicação e não iremos mudar de maneira brusca nossa estratégia. O que fazemos é monitorar a resposta das pessoas às nossas campanhas. Desde o primeiro vídeo que lançamos, notamos uma clara evolução no nível do humor. Com a resposta das pessoas em sites como YouTube, refinamos a campanha. A mensagem é comunicada, mas já existe uma diferença no tipo de humor do primeiro vídeo para o mais recente, que lançamos em julho. A campanha toda já teve mais de 80 milhões de visualizações. Fomos o vídeo mais visto do YouTube Brasil. Mas só isso não basta. A resposta das pessoas que usaram e que testaram o produto conta muito, e vemos comentários sobre isso em nossos canais digitais. Enquanto a comunicação estiver servindo bem à marca, não precisaremos fazer mudanças drásticas. Mais que transformação, o que se pode esperar de Head & Shoulders é evolução.
Você mencionou que Head & Shoulders é líder de mercado globalmente. Acredita que ela pode ser a marca de xampu mais vendida no Brasil também?
Com certeza, e é para isso que estamos trabalhando. Lançamos recentemente a nova fase da campanha, “Maria sem caspa” [entrou no ar em julho], que marca uma evolução para nós. Ela mantém o tom bem-humorado, mas tem uma diferença: trazemos dessa vez duas personalidades de peso, a Sabrina Sato e o Rodrigo Faro, além do Joel Santana. Já tínhamos colocado o Pelé em nossa comunicação, uma ideia de nos aliarmos à superioridade dele, mas agora buscamos um casal. Essas são pessoas extremamente bem-sucedidas no que fazem, são carismáticas e reforçam a mensagem de que o produto é para homens e mulheres. Primeiramente, o público feminino foi o grande comprador. Com a campanha do Joel, a balança virou para o masculino. Agora queremos reequilibrar isso. É dessa forma que iremos chegar à liderança.