A pandemia do coronavírus teve efeito sintomático no trabalho presencial nas empresas. O home office foi a saída encontrada antes mesmo da determinação das autoridades sanitárias para que o modelo fosse seguido. Algumas agências de publicidade, por exemplo, adotaram a medida como parte dos protocolos internos de manutenção da saúde dos seus profissionais. Sem olhar para a regra de teletrabalho prevista na CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) e na Medida Provisória 927 editada pelo governo federal em março deste ano, que deu garantia ao teletrabalho, redução de jornada e salários.
O home office, porém, exigiu e exige procedimentos jurídicos para evitar problemas posteriores, especialmente os relacionados a carga horária, acidentes e saúde (ergonomia e psicologia, por exemplo). A informalidade, como esclarece o jurista Ludney Campedelli, especialista em ações trabalhistas e sócio do escritório Campedelli Advogados, afetou muitas marcas que aderiram ao home office sem proteção jurídica. Consequentemente, tiveram de arcar com os custos dessa decisão nos tribunais.
“Nesses seis meses cresceu o volume de acidentes de trabalho. Os consultórios dos ortopedistas estão lotados. As pessoas talvez não se tenham dado conta que o contratante tem a mesma responsabilidade do local de trabalho tradicional quando sua equipe está em home office. Quando se trabalhava localmente a condição ergonômica de trabalho era uma, mas sentado diante de um computador oito horas por dia em casa, sem um assento confortável, os problemas de coluna, dores crônicas e LER (Lesão por Esforço Repetitivo), entre outros, surgem. Distanciamento adequado da tela do computador e iluminação, também são preocupações para se evitar problemas no futuro relacionados à estabilidade por doença profissional. A formalização de um protocolo por parte da empresa foi e é essencial. Ela precisa ser diligente e verificar o local de trabalho em home office. Muitas não fizeram alteração no contrato de trabalho por meio de um aditivo que devia estabelecer exatamente que essa pessoa deixou de trabalhar na sede da empresa e agora está trabalhando em sua residência”, explicou Campedelli.
Ultrapassar o horário de trabalho, como explica Campedelli, é algo que pode ser questionado pelo funcionário. “É importante que seja celebrado e regulamentado entre as partes tudo que não estiver acordado na relação trabalhista vigente. Para que não se transforme em efeito reverso para o empregador. E vice-versa. No primeiro momento, o da incerteza, as coisas foram acontecendo. Mas é responsável tomar uma atitude. Tivemos muitas solicitações nesse sentido. Muitas empresas sofreram por terem minimizado um assunto. Buscar orientação especializada é a solução”, observou Campedelli.
O trabalho a distância vem tomando forma nos últimos dez anos. Principalmente em atividades como o direito e a publicidade. Com a pandemia, a velocidade foi acelerada diante da necessidade da manutenção de negócios e empregos. Em alguns casos, o home office está ganhando musculatura na cultura de marcas, produtos e serviços.
“Nesse período foram registradas fraturas de dedo de pé, porque as pessoas andam em casa ou de chinelo ou descalças. Uma topada em um móvel é praticamente inevitável. Se for no horário de trabalho, a responsabilidade é da empresa. Os acidentes domésticos são muito significativos nas estatísticas de atendimento hospitalar. O ambiente doméstico é mais propício a acidentes”, raciocina Campedelli.
A falta de atenção atingiu a gigante Petrobras. Por determinação do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro, a petroleira foi obrigada a disponibilizar cadeiras adequadas para coibir problemas ergonômicos nos profissionais destacados para home office. O advogado Ricardo Freire, do escritório Gasparini Nogueira de Lima Barbosa Advogados, fala que logo no início do home office recebeu consultas para a orientação dos clientes.
“A MP 927 permite o teletrabalho, mas as questões de infraestrutura teriam de ser acordadas entre as partes por meio de um termo negociado. Não existiu a obrigatoriedade da empresa. Muitas assumiram custos de internet, luz etc. Regular significa não transferir para os juízes essa responsabilidade. Eles podem ter uma visão subjetiva”, explicou Freire, que teve muitas demandas dos segmentos elétrico e automotivo. “Orientamos também uma das maiores agências de publicidade do país nesse momento de tomada de decisão para que evitasse desgaste. É bom lembrar que a MP previa acordos individuais e não coletivos”, ele acrescentou.
Freire elencou pontos que considera como fortalezas e fraquezas à métrica home office. O primeiro deles é a relação entre resultado e produtividade nesse novo sistema; o segundo é a menor integração das equipes, porque o isolamento impõe perdas; em terceiro lugar está o caráter pedagógico, para que lideranças sêniores transfiram conhecimento e experiência; em quarto, saber que haverá retorno para o trabalho nos escritórios, mas contemplar que o modelo híbidro com dias presenciais e não presenciais vai estar no que se convencionou chamar de novo normal.
“Outra questão é o assédio. Ele também ocorre nas reuniões online. As ferramentas telemáticas (WhatsApp, e-mail, Zoom e áudios) acabaram viabilizando o que só se pensava ser possível nos escritórios. A gravidade desse deslize, porém, é a mesma em qualquer ambiente”, detalhou Freire.
Segundo pesquisa do LinkedIn realizada em abril com amostra de dois mil profissionais, no home office há mais estresse, pressão e ansiedade. Alguns meses depois do início da pandemia uma nova cultura foi consolidada. A constatação é do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), que observou no último mês de julho tendência de os brasileiros estarem mais declinados à opção do trabalho remoto. No entanto, essa opção abrange parte do ecossistema profissional. A publicidade, por exemplo, como explica Ricardo Freire, é uma atividade aderente.
A retomada ao ambiente presencial ainda está em discussão. O mercado de propaganda já começa a contemplar a possibilidade. A Bullet, por exemplo, anuncia o retorno presencial escalonado a partir do dia 5 de outubro.”
“Nosso jurídico tomou as precauções e não medimos esforços para levar cadeiras e máquinas para garantir produtividade no home office. Com a pandemia, usei muito do que aprendi nos três anos que morei nos Estados Unidos para implantar a Bullet. Cada profissional nos EUA é responsável pela sua produtividade. Ele faz a sua carga horária. Às 18 horas ninguém está mais no escritório. Elas vão cuidar da sua vida. Certamente que o mercado americano tem maturidade diferente. Há dois meses o retorno aos escritórios é uma realidade nos EUA. Nós vamos voltar em outubro. Mas sem pressão. As pessoas terão liberdade de optar pelo que for melhor. A produtividade é o que vai ser determinante. Na verdade já é. A livre negociação vai crescer. Precisa ser bom para os dois lados. Pelo lado de negócios, as perdas foram significativas. A Bullet deixou de fazer nove eventos de um dia para o outro. Tivemos de nos reinventar e nos acostumar com novos preços. O que custava R$ 4 milhões caiu para R$ 300 mil. Em síntese: a palavra-chave é adaptação”, recomenda Fernando Figueiredo, o Feof, sócio e CEO da Bullet.
Do ponto de vista jurídico, a agência Purple Cow tomou cuidados, mas sua maior preocupação foi com o conforto e em oferecer condições para os seus funcionários. O sócio e CEO Marcelo Bernardes relata que os salários foram 100% mantidos. “Como não somos dependentes de remuneração por compra de mídia, nosso volume de trabalho nos permitiu não ficar ociosos. Pelo contrário. Tivemos apenas uma perda, a saída da conta da Chilli Beans, que decidiu internalizar sua publicidade, exigiu o corte de metade da equipe que era dedicada à marca. O restante foi agregado a outros projetos. Ainda não sabemos quando o home office vai ser encerrado. Preferimos aguardar a vacina. Quando ela vier, vamos estudar o que fazer. Nossa ideia é ter senso de justiça com a equipe”, frisou Bernardes.
Atividade que é dependente química da criatividade, a publicidade tem mais mobilidade para estabelecer parâmetros para novos cenários estruturais. A Covid-19 subtraiu postos de trabalho e afetou a captação de receitas dos canais de mídia, das agências, dos anunciantes e das produtoras. A Artplan não se descuidou do elo legal, mas a diretora de gestão de pessoas, Sandra Poltronieri, ressalta que o fator essencial foi a saúde mental das pessoas. Segundo ela, as ações práticas tiveram a cumplicidade do time. A agência preparou um book com procedimentos de rotina, horários, cuidados com quem tem filhos, treinamento, suporte de ambiente e preocupação com os jovens talentos.
“Desde o início ficou claro que fazer pressão de entrega não faria sentido. Todo mundo precisa de momentos de desconexão. Por isso sugerimos que regularmente cada um poderia ter quatro dias de folga. Isso é bom para equilibrar o retorno à conexão louca. Enviar e-mail após o horário de trabalho não é legal, nem enviar WhatsApp. Se algo é urgente, faz uma ligação que a pessoa vai entender”, recomendou Sandra.
A executiva Paula Molina, diretora de RH da WMcCann, afirma que a cultura presencial predominante antes da pandemia precisou ser alterada com rapidez. “Não imaginávamos sermos capazes de nos adaptar. Para assegurar que todos tivessem informações de forma rápida e transparente, fizemos pesquisas de satisfação e reforçamos a comunicação interna por meio de lives, e-mails e contatos diretos via gestores e RH. Fizemos aditivos de contrato para adequação à legislação do teletrabalho, além de forte trabalho de orientação aos líderes sobre a diferença das práticas de gestão online, como a flexibilização do horário de trabalho e como manter a motivação e o acompanhamento da rotina da equipe remota”, garante Paula.
“Para assegurar que todos tivessem o suporte adequado, fizemos também ajustes nos nossos benefícios: adotamos o ‘auxílio home office’ para suporte aos custos de internet e energia, flexibilizamos o vale-refeição e emprestamos cadeiras ergonômicas para todos os colaboradores. Sobre os cuidados com a saúde mental, durante a pandemia, implementamos um programa de assistência social e psicológica ao colaborador e asseguramos boa comunicação sobre o acesso à telemedicina do nosso seguro saúde. No retorno ao trabalho presencial, parte dos nossos colaboradores deverá permanecer no regime de home office ou híbrido. Para tal, continuaremos adaptando nossas políticas, mas estamos seguros de que, mantendo boas práticas de gestão do trabalho, todos os lados só terão a ganhar”, prosseguiu a diretora de RH da WMcCann.
“Desde o início deixamos claro que a nossa prioridade era uma só: a saúde e a segurança dos times. As agências se organizaram para o envio dos computadores, quando necessário cadeiras e auxílio com internet – tudo isso mantido até hoje. Por sermos uma holding global, já estávamos acompanhando várias medidas tomadas internacionalmente. Enviamos máscaras e promovemos campanhas de vacinação durante o período de quarentena. Nossas lideranças tiveram lives quinzenais com o Arthur Sadoun (chairman e CEO do Publicis Groupe) e essa atitude teve um efeito multiplicador em cada uma das agências, o que contribuiu para uma comunicação muito próxima e empática entre as lideranças e seus times. Estamos preocupados com as pessoas que não se sentem confortáveis trabalhando de casa, com o impacto do isolamento social na saúde mental dos colaboradores e com o fato de que os limites entre a vida pessoal e profissional ficaram menos nítidos. Trabalhamos para amenizar esses problemas diariamente, oferecendo uma série de recursos como webinars com dicas para um trabalho de casa mais saudável, aulas diárias de ioga, acompanhamento individualizado às pessoas que requerem uma atenção especial, assinatura gratuita de um app como o Headspace e a implementação da nossa plataforma Marcel, que nos permite trabalhar em conexão com o mundo seja de onde for”, finalizou Fernanda Coelho, CTO do Publicis Groupe no Brasil.