Contexto ainda deverá sofrer as reverberações de fatores externos como a guerra da Ucrânia e inflação na Europa e EUA
O cenário econômico desafiador no país, reunindo alta taxa de desemprego, juros e inflação elevados e ainda eleições potencialmente conturbadas em outubro deste ano, vão demandar uma olhar mais atento para os orçamentos e melhores estratégias para dialogar com um população que racionaliza cada vez mais as decisões de compra, considerando os recursos mais limitados e escassos. Um contexto que ainda sofre as reverberações de fatores externos como a guerra da Ucrânia e inflação generalizada nos Estados Unidos e na Europa, que também elevam as suas taxas de juros.
O Google, por exemplo, já percebe “uma espécie de freio de arrumação”, segundo as palavras de Fabio Coelho, presidente da companhia. Ele diz que o movimento é parte de um processo de rebalanceamento das estratégias das empresas, que voltam a poder oferecer outras ações aos consumidores após períodos de isolamento, mas reconhece que o momento está mais desafiador. “As empresas começam a olhar e ter mais cuidado no uso do dinheiro, mais racionalidade, buscando mais eficiência nesta abordagem”, explica.
Segundo o economista VanDyck Silveira, CEO da Trevisan Escola de Negócios, o cenário apresenta um viés recessivo tanto para o Brasil quanto para o resto do mundo, que certamente vai impactar os investimentos em marketing e comunicação. Trabalha com a expectativa de crescimento zero ou uma recessão de até 0,5%. Do outro lado, está a inflação alta, descolada do mundo, só não maior do que a da Argentina e da Turquia.
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“Com o ambiente atual, e levando em consideração que os maiores investidores em marketing, os maiores anunciantes, sejam as empresas de varejo, de bens de consumo em geral, e bancos, com essa perspectiva de inflação fora de controle na maior parte do mundo e em especial no Brasil, onde realmente a situação perdeu a mão, e o custo do dinheiro se elevando, a tendência é uma redução grande”, afirma. Segundo os dados mais recentes, entre as empresas com maiores aportes em comunicação estão Unilever, Banco do Brasil, Bradesco, Sky, Via, Telefonica, Mercado Livre e B2W.
O especialista também prevê que os investimentos em ações como treinamentos, festas, eventos e benefícios para colaboradores, já bastante penalizados ao longo da pandemia, devem sofrer impactos, e ainda fusões e aquisições, novos investimentos em plantas e equipamentos novos. Um quadro que pode prejudicar o florescente ecossistema de inovação, com a presença de brandtechs, adtechs e martechs.
Para Felipe Mendes, diretor-geral da GfK para América Latina, as indústrias e o varejo têm receio de aumentar preços e perder vendas e, logo, ficam com margens apertadas. Em efeito cascata, isso leva à redução dos investimentos em geral - e a mídia entra aí.
Ele observa, no entanto, que há agora duas tendências que podem “proteger” um pouco esse investimento diferentemente de outros períodos. A primeira é a criação das mesas de performance; e a segunda, a expansão dos investimentos de mídia em propriedades de Varejo, como “ads” dos grandes markerplaces, que têm atraído novos anunciantes e gerado receita. “Acredito que o investimento total em mídia não irá sofrer tanto como em outras crises, mas prevejo uma mudança importante para a mídia de 'Varejo' e para formatos que permitam maior aferição de performance, ambos com conteúdo mais digital”, complementa.
O que fazer?
Para Márcio Oliveira, presidente da R/GA, a contaminação será multimercado e as marcas precisam definir estratégias. Ele sugere focar em quem já conhece a empresa e consome os seus produtos.
“Fidelize essa pessoa, em todos os sentidos: conteúdo, vantagens, descontos, experiências etc. São essas pessoas que vão trazer novas pessoas para conhecer a sua marca. Em tempos como este, um programa de membership, fidelidade ou um clube de assinaturas, são estratégias perfeitas para você conseguir tirar vantagens desta tempestade que está chegando”, afirma.
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Iniciativas como essas, que contribuem até na aquisição de dados “first party” diante do anunciado fim dos cookies, tornam o relacionamento mais natural, segundo o executivo. “Abrir o diálogo, gerar experiência, cuidado, serviços. Os produtos entram de uma maneira mais natural e fluida se as marcas estabelecerem uma relação constante, interessante, relevante e, principalmente, verdadeira”.
Caito Maia, fundador da Chilli Beans, diz que prefere pensar que crises como a atual criam oportunidades. “Uma situação delicada econômica faz qualquer empresário questionar sobre o valor investido em marketing e comunicação. Mas, ao mesmo tempo, pode ser uma grande oportunidade de se posicionar e ganhar o mercado, enquanto outras marcas estão recuando e diminuindo seus budgets”, afirma. Como exemplo, cita uma ação na edição deste ano do BBB que continua a entregar resultados mesmo após o término do programa.
Uma compreensão que dialoga com a da Patricia Cerqueira Reis, professora e pesquisadora da ESPM e sócia da HOD Marketing Territorial. A especialista defende que é ultrapassado não olhar para o “gasto” em comunicação e gestão de marca como investimento.
“A comunicação antiga, ficada em promoção com intuito de seduzir o consumidor, deve ter uma queda significativa de investimento. Mas a comunicação de marca, estratégica, que visa criar relacionamentos de longo prazo com os stekeholder, assim como ajustar e construir reputação, deve permanecer com suas alocações de recursos já previstas”, propõe.
A preocupação em relação aos cortes de investimentos é parte de um “trauma” do mercado, que sempre foi o primeiro - ou um dos primeiros - a ver os recursos minguarem diante das diversas crises que o país tem acumulado ao longo dos anos. Em um ano que representa a retomada pós-pandemia e que tem eleições, Copa do Mundo, Black Friday e Natal “tudo junto, ao mesmo tempo e agora”, como diz Oliveira, da R/GA, gera ainda mais dor de cabeça.