Desigualdade social, racismo, diversidade, machismo, homofobia, feminismo, inclusão, empoderamento, saúde mental. Poderia ser só uma lista de grandes temas da atualidade. Mas desde o dia 25 de janeiro até o dia 4 de maio desde ano, também pautam conversas dentro e fora da casa mais vigiada do país: o Big Brother Brasil.
Funcionando como um espelho da sociedade em muitos aspectos, ano a ano o programa inflama a discussão pública sobre tópicos sensíveis e convoca os patrocinadores para o palco. Para as empresas, o saldo costuma ser positivo. E não é sem razão. O reality chega ao 21º ano batendo recordes, criando formatos de interação e mexendo nos ponteiros – de engajamento e negócios.
Mas seu alto nível de risco demanda das empresas um tripé bem estruturado: planejamento, adaptabilidade e consistência. E uma boa dose de coragem. Como dizem nos memes: não é para amadores. Quem está lá dentro divulgando produtos, serviços e ideias é cobrado a se posicionar e jogar de fato.
Nesse contexto desafiador para anunciantes e na esteira de debates sensíveis, a Wunderman Thompson promoveu na terça-feira (6) um encontro virtual entre dois de seus clientes que investem no BBB21: Avon e Coca-Cola.
Desde janeiro, as duas marcas atravessam polêmicas dentro da casa se mantendo firmes em seus valores e princípios, unindo conteúdo e negócios. Um dos desafios foi a saída do ator Lucas Penteado, que abandonou o reality após sofrer o que foi chamado de “terror psicológico”.
O episódio mais recente envolveu o professor João Luiz, que teve seu cabelo black power comparado pelo sertanejo Rodolffo a uma peruca usada no castigo do Monstro. A reação veio de todos os lados. Na festa de sábado (3), a cantora Ludmilla pediu “Respeita o nosso funk, respeita a nossa cor, respeita o nosso cabelo!”. No domingo (4), a Avon endossou o pedido da artista.
Outras empresas também entraram na conversa, a exemplo da Netflix fez um post alusivo e rebateu seguidor que ironizou o assunto. O tema segue em destaque nas redes e possivelmente influenciou a eliminação de Rodolffo, que saiu na terça (6) com 50,48% dos votos. No programa, Tiago Leifert, falou sobre o tema explicando a importância do cabelo black power. Rodolffo também terá o comentário investigado pela Polícia Civil do Rio de Janeiro.
Como lidar com tanta exposição da marca? Como se preparar para o desafio de patrocinar um caldeirão social? Como unir objetivos de negócios, de branding e terminar a edição com a marca de forma positiva? O que deve mudar nas próximas edições? O que mais as marcas podem fazer para combater comportamentos que não são mais aceitos?
Confira a seguir alguns comentários de Danielle Bibas, vice-presidente de marketing da Avon, e Poliana Sousa, líder de Coca-Cola na América Latina. O bate-papo também reuniu Samantha Almeida, head do Twitter Next; Keka Morelle, CCO da WT Brasil; e Stella Pirani, CSO da agência. O jornalista Luiz Pacete, head de conteúdo do MMA Latam e editor da Fast Company Brasil, mediou a conversa.
Experiência de patrocinar o Big Brother Brasil
Danielle Bibas: “A escolha do BBB tem tudo a ver com o momento da marca, estamos nos reposicionando, completando 135 anos em 2021. O programa mudou muito de uns anos para cá, juntando um alcance muito alto nas pessoas e gerando muitas conversas. E não só conversas sobre produto, mas que têm a ver com propósito, valores, coisas que acreditamos há muitos anos: inclusão, diversidade, empoderamento feminino, independência financeira. E o que acontece na casa é um espelho da sociedade. Vimos uma oportunidade de participar dessa conversa e como protagonistas, usar essa plataforma para mostrar o que é a Avon.”
Poliana Souza: “Está sendo uma experiência incrível para a companhia e para a marca Coca-Cola. Vimos como interessante para a nossa campanha “Abertos para o melhor”. Nosso grande convite para o consumidor brasileiro foi se abrir para o melhor, apesar de tudo que esta acontecendo. Como a gente muda isso com pequenas atitudes. Apresentamos formas do brasileiro se comunicar através das latas e mensagens de esperança, otimismo. É realmente impressionante o que a gente conseguiu alcançar.”
Aprendizados
Keka Morelle: “É a ótima a oportunidade de trabalhar com duas marcas que sabem muito bem seu propósito. Estudamos muito o BBB antes de começar. Trabalhamos com seis meses de antecedência. Estudamos todos os grandes cases de sucesso nesse e outros realities. Fizemos o nosso TCC e nos planejamos muito para essa experiência. Vimos como isso fez a diferença, mas também como tivemos que nos adaptar. Ninguém previa o tsunami de conteúdos na intensidade e velocidade que vieram logo no início. A parceria com o Twitter também foi fundamental. É o pulso, é onde a conversa acontece.”
Poliana Sousa: “Estamos o tempo todo nos falando, acompanhando de perto. Tem muita troca e ajuda entre os anunciantes neste momento. É um programa de benefício e risco. Quanto maior o benefício, maior o risco. O grande aprendizado é que por mais que a gente ache que está preparado, tínhamos 15 cenários, dezenas de pessoas trabalhando para ser ágil. Mesmo assim, a hora que aconteceu na prova [vitória da Karol Conká], todos os grupos de WhatsApp bombando, o momento de decisão é muito crítico. Porque o time tem que ter autonomia, rapidez e e agilidade de mudar o curso. Outro aprendizado muito grande é que o programa muda numa velocidade impressionante. Da mesma forma que as coisas acontecem muito rápido, elas param. Explode e cai. Estamos o tempo todo repensando cenários.”
Daniele Bibas: “Outro aprendizado é como você gerencia comunicação no dia de hoje. O sangue frio e a maturidade que um time de marketing e uma companhia precisam ter para passar por aquilo – não é uma crise, mas é uma polêmica – e falar ‘vou engolir seco’ quando falam por exemplo que o concorrente direto entrou no Trending Topic. Amanhã a conversa vai ser outra e tudo. Não é uma maturidade que todas as marcas têm. E isso é inerente hoje desse ambiente digital e de redes sociais. É um aprendizado enorme de como você alinha todo mundo para passar por isso. Em outros momentos seria possível ver tranquilamente presidente de companhia ligando para a Globo para cancelar patrocínio. Tem uma maturidade muito grande para lidar com isso.”
Impacto de polêmicas na dinâmica de trabalho
Stella Pirani: “Não conseguimos prever tudo, mas nosso papel é sobre construir. Estudamos, planejamos cenários, mas não estamos no controle de tudo. Passamos por manobras estratégicas, que precisam ser feitas na curva ou na reta. Como fizemos essa semana [após comentário a respeito do cabelo de João Luiz], e outras duas. Conversamos como time sobre a hora de conduzir a conversa e de produzir. Por exemplo, Coca-Cola na Prova do Líder, quando a Karol Conká foi eleita. Estávamos acompanhando pelo Twitter, a conversa estava muito quente. Em 15 minutos detectamos isso, criamos um post, aquele do SOS e subimos. Com Avon, teve um episódio marcante quando vimos valores sendo levantados pela casa, lançamos a iniciativa Tá On, com a live reunindo a Astrid e o Lucas. Entendemos o nosso lugar para conduzir a conversa.”
Bastidores das equipes
Danielle Bibas: “Quando fechamos o patrocínio decidimos por duas réguas de comunicação: uma planejada, que seriam as ações previstas e provas, e outra régua que era a do orgânico e que evoluiria de acordo com o que acontece lá dentro. Montamos um sistema de governança, princípios e alinhamento que envolveu a alta direção da companhia: quais conversas vamos entrar e quais não, qual nosso ponto de vista sobre todos os assuntos que achamos que iam ser falados. Racismo era um dos primeiros temas. Era impossível esse assunto não vir à tona. Teve um processo muito grande de alinhamento. Os times para serem relevantes precisam ter velocidade de ação e para isso precisam ter autoridade. Tem um squad na agência e na Avon para reagir quando as coisas acontecem expressando o nosso posicionamento. Esse programa é para gente grande, se você quiser realmente entrar em assuntos polêmicos. Tem marcas e marcas. Se vai entrar tem que estar preparado para isso.”
De gestores de marca para filtros de conversa
Samantha Almeida: “E agora esse consumidor entra na nossa timeline e diz ‘não gostei’, ‘discordo’ e traz um meme que a gente às vezes nem sabe quem é. Nessa velocidade de entender a humanidade, decodificar os comportamentos, ouvir as conversas que não são óbvias, porque não é necessariamente porque as pessoas dizem que querem alguma coisa que elas tão dizendo examente aquilo, precisamos ser melhores filtros. Estamos sendo empurrados não mais para ser gestores de marca, mas para ouvir as pessoas e suas complexidades. É um processo difícil. Só no ano passado, foram 280 milhões de tweets sobre o BBB20. Temos que ter cada vez mais a capacidade de ouvir, filtrar e achar qual o nosso lugar nessa conversa. São conflitos reais, da vida, do cotidiano. Precisamos lidar com eles e descobrir qual nosso papel.”
Agressão psicológica
Danielle Bibas: “Até que ponto vai a agressão psicológica, que pode se tornar tão ruim ou pior que uma pessoa dar um tabefe na cara do outro? Existe uma discussão sobre quais são as regras nessa área – assédio moral, assédio psicológico, racismo, verbalização do racismo. O que pode e o que não pode? É delicado, não é fácil. Tem muita gente cobrando a Globo e os patrocinadores sobre o que vai ser feito. Todos nós estamos aí para aprender e evoluir como o programa vai trazer essas discussões à tona de uma maneira saudável. É impossível essa conversa não chegar à tona de quais são as regras e até onde vai o assédio psicológico dado o que aconteceu este ano.”
Poliana Sousa: “A sociedade não tolera mais. Um programa desses, com alta visibilidade, alta exposição, também é palco para estas discussões. E realmente, todos estamos aprendendo. Acho que a Globo vai aprender e as coisas vão evoluindo com o tempo. A gente é contra qualquer tipo de discriminação e a gente vai estar junto com a Globo nesses aprendizados e entender como precisa evoluir. É importante o debate.”
Papel das marcas
Keka Morelle: “Isso foi realidade nesse BBB. As marcas se conectando com as outras e se apoiando. Vimos esse comportamento nas redes sociais, nesse movimento de patrocinadores e dos ADMs dos perfis. É uma grande conversa com as marcas tendo essa personalidade mais íntima entre elas. E isso é um ganho. Assim como achamos pontos de conexão entre marcas e pessoas, achamos entre marcas. E isso pode ser amplificado. Quando duas marcas têm o mesmo ponto de vista ou querem combater posicionamentos que não são mais aceitos na sociedade, e elas podem se unir, é um território muito fértil. Como agência temos o papel de fazer esses encontros também.”
Poliana Sousa: “Vimos no BBB e vemos em outras iniciativas. Mas acho que a gente pode fazer mais. Aprendemos muito com o BBB, mas tem espaço pra fazer muito mais. As marcas se complementam, tem valores parecidos, e podem usar isso para fazer uma plataforma de conteúdo e comunicação para o consumidor.”
Samantha Almeida: “Tá todo mundo no mesmo lugar. No Twitter, todo mundo se pinga, se tagueia, entra na conversa um do outro. Podemos fazer ainda mais. Podemos criar conversas juntas. É um grande círculo de relações. Acho que é o próximo passo. Quando várias marcas falam a mesma coisa é diferente de quando uma só fala.”
Stella Pirani: “Juntar marcas e juntar forças. Isso aqui é a manifestação do que estamos falando. Temos 97 pessoas da agência envolvidas no BBB. Estamos com duas marcas muito corajosas e campanhas conversacionais. Isso é muito simbólico e potente. Que a gente sempre se permita a construir vínculos. Enquanto marca e gestores, podemos e devemos promover vínculos. Não tenhamos medo da interação, é nela que vamos construir nossas relações.”