Superintendente do Teatro Alfa, na zona sul de São Paulo, Elizabeth Machado tem uma visão bem peculiar sobre a exposição dos patrocinadores no local. Ela não aceita, por exemplo, cobrir as cadeiras do teatro com os nomes das empresas, uma prática comum em muitas outras casas. “Isso interfere visualmente no espetáculo. Acho que é uma exposição negativa”, diz a executiva. Nesta entrevista, ela fala que o mercado de marketing cultural está se especializando mais, com marcas olhando para isso realmente como uma ferramenta importante no mix de comunicação.

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Como surgiu o Teatro Alfa?
O Teatro Alfa surgiu a partir de um desejo de Aloysio Faria, que hoje tem 97 anos, e é um grande empresário. Dono do Banco Real, depois de vender a instituição para o ABN Amro, ele fundou o Grupo Alfa, que inclui o Transamérica Expo Center, Banco Alfa, C&C Casa e Construção e a rede de Hotéis Transamérica. Em 1998, ele inaugurou o Teatro Alfa. Na época existia o Teatro Municipal e pouquíssimos teatros privados. Em 2018, comemoramos 20 anos de existência.

Como o teatro está posicionado?
O teatro tem uma proposta que é mais cultural do que comercial. Mas há várias empresas que têm afinidade com os nossos valores e com aquilo que está ocorrendo no palco. Então, além da temporada de dança, temos o infantil, com uma sala menor e programação anual. São espetáculos super bem cuidados.E neste ano estamos lançando o pilar da música. A intenção é criar coisas especiais e não pegar um show qualquer. Isso todo mundo faz. Queremos continuar com o projeto da música para que os patrocinadores nos enxerguem. Estamos fazendo esse projeto sem patrocínio específico, mas a nossa ideia é que, tendo patrocínio, a gente continue fazendo novos espetáculos, criando coisas especiais. O conceito do Conexão Brasil Cuba (apresentado em abril, durante as comemorações dos 20 anos do teatro) tem a ideia de juntar as raízes cubanas e brasileiras, que são muito comuns. Depois tem a influência europeia nos dois lugares e a música espelha isso.

As pessoas vão mais ao teatro hoje?
Eu acho que em São Paulo isso ainda está muito vivo e está melhorando. A qualidade dos musicais está melhorando muito. As sessões para o Peter Pan (que está em cartaz no Alfa), por exemplo, estão sempre lotadas. É um espetáculo voltado para a família.

Qual é o diferencial do Teatro Alfa para outros teatros privados?
O Alfa tem uma personalidade, tem uma linha de trabalho. Não existe naming rights no Alfa. Ele pertence ao Grupo Alfa, mas não existe uma associação direta com a marca. Alfa é o nome do teatro. Eu acho que tem espaço para todo mundo, cada um do seu jeito. Por isso, acho que precisamos ter uma personalidade, o teatro tem de dizer a que veio para as pessoas se identificarem. O Teatro Alfa está ligado à questão da contemporaneidade. Para complementar o nosso orçamento, a gente depende também de realizar eventos, congressos e seminários. Isso a gente faz bastante e, como tem o Hotel Transamérica ao lado, a sinergia é muito boa.

Como é feita a capacitação de patrocínios?
Uma parte pequena do nosso orçamento vem do Grupo Alfa. A gente usa a lei de incentivo federal e a estadual. A partir dos resultados que o Grupo Alfa tem e é possível utilizar a lei de incentivo, ele encaminha para o Instituto Alfa de Cultura, que é quem administra o teatro. O resto nós saímos no mercado procurando patrocínios. A gente não tem um modelo geral que aplica para todos os patrocinadores. Montamos um pacote para cada um. Tem uns que gostam de mais visibilidade para a marca, outros querem mais ingressos ou lugares para relacionamento.

A maior parte da receita do teatro vem de bilheteria ou patrocínios?
Patrocínios. A gente tem dois produtos que são muito estabelecidos e muito claros dentro da nossa proposta, que é o infantil e a dança. Agora têm aparecido alguns patrocinadores que estão pegando o teatro como um todo. Querem estar em todas as nossas coisas. Então, para cada produto, eles querem estar de uma determinada forma.

Aumentou o interesse das marcas em se associar à cultura?
Acho que sim. Nessa última década isso ocorreu. É um momento em que as marcas aprenderam a lidar mais com isso. Estava em uma reunião com um patrocinador em potencial e ele estava dizendo que cada vez mais a arte, a cultura e esses momentos de criatividade começam a fazer todo o sentido dentro das empresas. Isso porque, com essa mudança das profissões, do que vai acontecer no futuro, o que vai sumir com a inteligência artificial, cada vez mais a tecnologia tomando o espaço de determinadas coisas feitas pelas pessoas, a arte é o que vai manter as pessoas em contato com a sua criatividade. Vai ser um tipo de atividade que os robôs não vão ocupar e, além disso, é importante para aumentar essa dimensão do contato pessoal com a arte para a sua saúde mental, da parte sensível.

Como é a exposição das marcas no teatro?
A gente não bombardeia as pessoas com marcas dentro do teatro. A exposição é com anúncios na mídia, internet, nas páginas dos nossos programas. Fazemos ações para as marcas fora da sala, na chegada, o que o marketing tiver de ideia para fazer a gente estuda. O que eu não tenho concordado, se bem que eu sei que às vezes é um desejo do mercado, é cobrir as cadeiras com o nome da empresa. Porque isso estraga o propósito do teatro, de imersão naquele momento bonito.

Como está esse mercado de marketing cultural?
Tem mais gente olhando, se especializando. Antes as empresas faziam patrocínios culturais meio que sem saber por que, mas agora tem muita gente pensando nisso como uma ferramenta mesmo importante no mix de comunicação.

Há mais patrocinadores do que antes?
Existem dois tipos de patrocinadores: aqueles que se utilizam da lei de incentivo e aqueles que têm o patrocínio como uma ferramenta de marketing. Eles têm uma dinâmica diferente. As empresas que usam a lei de incentivo dependem muito da atividade econômica porque tem a ver com o lucro. Com essa crise, deu uma retraída. Mas, ao mesmo tempo, têm empresas que não deixaram de fazer coisas por meio dos seus departamentos de marketing. Em determinadas categorias de projeto, o custo é zero para as empresas que usam a lei de incentivo.

O que poderia ser mais inovador nessa área?
A forma como chegar até as pessoas. Como chamar a atenção de uma forma respeitosa e que ela se sinta entusiasmada com o tema que está sendo proposto. Essa é a questão. Eu acho que a delicadeza é cada vez mais importante. Trata-se da inteligência de se aproximar. Às vezes, as pessoas perdem a noção. Para mim, incomoda muito ver marcas, slogans escritos nas cadeiras. Isso interfere visualmente no espetáculo. Acho que é uma exposição negativa. Podem achar que é um excesso de cuidado que tenho com a imagem do teatro, mas conhecemos o público.

Qual é o público do teatro?
É mais classe A-B, sem falar dos projetos sociais que desenvolvemos com entradas gratuitas. Temos frequentadores de muitas outras cidades fora de São Paulo. Temos assinantes de outros estados também.

Vocês têm a proposta de democratizar o teatro?
A gente já faz isso, porque temos projetos que correm em paralelo, inclusive para a utilização do incentivo fiscal. Sempre 10% da ocupação dos espetáculos damos gratuitamente para instituições. Às vezes, é difícil que esses ingressos sejam usados, porque os espetáculos são à noite e os meninos e adultos que fazem parte dessas ONGs moram na periferia. Então, a gente precisa ter muito cuidado com esse assunto para ser bem usado e isso dá um trabalho grande. E daí 20% dos ingressos têm de ser ao custo do vale-cultura, que era R$ 50 e agora é R$ 75. No Ministério, eles estabelecem até 10% dos ingressos para divulgação e 10% para patrocinadores. Então, você só tem autonomia para vender pelo preço mais alto metade do teatro. Por isso, naturalmente, você já vai criando acessibilidade.

Existe uma frequência maior de determinados patrocinadores?
Têm alguns que são mais constantes, como bancos, que não se importam de estar lado a lado. Há alguns departamentos de marketing que não querem ter nada parecido ao lado, apesar de estarem usando lei de incentivo. O Grupo Ultra, por exemplo, utiliza muito bem os ingressos que eles têm em contrapartida com as famílias das empresas e não desperdiçam nada, o que é uma coisa muito importante.

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