Vão-se os dedos, ficam os anéis? Invertendo o famoso ditado, ele cabe a movimentos presentes no mercado, em maior ou menor intensidade. Vão-se os profissionais, ficam as contas que eles cuidavam? A pergunta é delicada, difícil de ser encerrada e leva a uma série de respostas – e não-respostas.

O mais recente episódio dessas transformações aconteceu com a WMcCann. A agência, que já tinha a conta institucional da GM desde 1945, acaba de conquistar o varejo da marca, que estava na Publicis Brasil há mais de duas décadas. O movimento ocorre seis meses após Hugo Rodrigues deixar o cargo de CEO da Publicis para ser chairman e CEO na WMcCann. Em janeiro, a conta do SBT seguiu o mesmo caminho.

Décadas atrás, a própria WMcCann protagonizou com Washington Olivetto um desses primeiros movimentos no país. A Bombril migrou da DPZ para a W/GGK, depois para a W/Brasil e WMcCann, num período de 35 anos. “Outros clientes que tinham identificação profissional e pessoal comigo, como Grendene e Sadia, também optaram por seguir para a minha nova agência”, lembra Olivetto.

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A decisão de uma marca por seguir um profissional não ocorre de uma hora para outra. Ela costuma ser o resultado de ingredientes como a situação na agência atual, a visão das partes sobre o futuro da marca, o conhecimento da equipe que a atende versus da que saiu e, principalmente, a confiança. Nesse contexto, o talento humano e a relação desenvolvida na trajetória em comum podem ser decisivos no momento de escolher ou repensar a agência.

E há uma diferença grande entre o profissional levar a conta e ser seguido pelo anunciante. Para o mercado, é perfeitamente possível que o cliente decida migrar para a nova empresa daquela pessoa ou acompanhá-la. A decisão passa pela capacidade dele produzir resultados, resolver problemas e entregar soluções com competência e profissionalismo, além da relação madura e estratégica.

Cristina Carvalho Pinto, presidente e sócia do Grupo Full Jazz de Comunicação, acredita que casos assim são raros e tendem a diminuir cada vez mais. Ela explica que atualmente a escolha se aprimorou do ponto de vista profissional e o cliente busca um conjunto de qualificações que uma pessoa sozinha não pode preencher.

“Quando isso acontecia e se ainda acontecer, o vetor central é a confiança, importantíssimo para o bom resultado de qualquer relação. E no universo cliente-agências não poderia ser diferente. Confiança tem sido fundamental na construção de grandes marcas no mundo. E a falta desse atributo também tem sido responsável pela destruição de muitas marcas no mundo”, diz.

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MAIS CAROÇO NO ANGU
Com o passar do tempo, alinhamentos globais de contas e contratos matriciais engrossaram o caldo e tornaram mais complicado um movimento conta-profissional. Paulo Cunha, coordenador do curso publicidade e propaganda da ESPM, lembra que termos como “dono de conta” eram usados no mercado nos anos 1960, 1970. Nas décadas seguintes, com as transformações mercadológicas, isso foi minguando, muito em função dos processos de internacionalização e globalização, fora regras de compliance, processo de transição etc.

“Muitas vezes são contratos com várias amarrações. Essa complexidade do mercado desfavorece. Mas o networking segue ferramenta fundamental. Não tem mais dono, tem relacionamento. Existem pessoas fortes, sim, com profundo conhecimento do business, bom campo de relações, qualidade… E é mais confortável para quem contrata não ter de explicar paradigmas, história”, revela.

À frente da Execution há cerca de um ano, Geraldo Azevedo acredita que a relação ajuda, mas não é decisiva. Um motivo atual é o nível de portabilidade da conta, já que muitas têm pouca margem para mudanças e tendem a permanecer na agência “independentemente de quem esteja saindo”. Outro ponto, segundo ele, que influencia é questão da ‘eugência’. “Para determinadas contas serem atendidas corretamente tem de ter estrutura. Muitos profissionais saem para se aventurar no mercado e veem que não é bem assim”, diz.

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Isso tudo não quer dizer que esses movimentos não existem. Eles acontecem também por timing e coincidências. Guime Davidson deixou a WMcCann no fim de 2017, onde estava há quase 15 anos. Hoje à frente da Guimmick, ele atende a Lupo, que deixou a agência tempos depois e o procurou.

“Tinha uma relação ótima com esse cliente, deixei ele tranquilo sobre a equipe que ficou na agência. Mas na sequência essa equipe foi saindo. Acho que ele se sentiu desamparado pelas pessoas mais próximas não estarem. Nunca falei ‘venham comigo’. Quando surgiu a ideia de ter uma pop-up de criação decidi me dedicar à Lupo e outros clientes”, lembra.

O próprio Azevedo atende um cliente com quem trabalhou nos tempos de Neogama, a Autostar. Ele também não acredita que a relação influenciou a marca. “A Autostar é fruto de uma concorrência seriíssima”, afirma. No caso de T4F, onde foi diretor comercial, o conhecimento do negócio ajudou, mas não foi determinante. O mesmo pode ser sito da Publicis, com a Puig, que a agência conquistou em fevereiro. A copresidente Miriam Shirley atendeu a conta no passado, mas um ponto não decidiu o outro.

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CULTURA E FORÇA DA AGÊNCIA
Embora clientes, de forma geral, busquem por profissionais e sua competência ao se ligarem a uma agência, a cultura da mesma tem de falar mais alto, na avaliação de diversos integrantes do mercado.

Marcia Esteves, presidente da Grey, afirma que cada pessoa tem caraterísticas únicas, mas ninguém é insubstituível e ninguém é indiferente em uma relação de negócios. “As funções precisam ser maleáveis e permitir rápida e eficiente adaptação de um novo profissional. Quando existe confiança, existe esta premissa: que mudanças na estrutura acontecem, mas a agência permanece sólida, com histórico e demais profissionais absolutamente capazes de dar continuidade ao projeto do cliente”, avalia.

Ainda para ela, nenhuma marca é construída e se mantém apenas pela capacidade exclusiva de um indivíduo. E uma boa agência se faz com a excelência de seus profissionais e não deve perder a sua qualidade com a saída de um, ainda que isso possa ser relevante. “Uma boa equipe se sustentacom a soma de talentos de tal maneira que a saída de um não desmantele a inteligência coletiva e o projeto construído em conjunto. O que se espera é que uma boa agência tenha estrutura, ferramentas, processos e pessoas que garantam a permanência do cliente apesar da movimentação inevitável de seus colaboradores”, diz.

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Cintia Gonçalves, sócia e diretora-geral de planejamento da AlmapBBDO, também defende que em um negócio de pessoas o “fazer junto” na relação cliente e agência faz toda a diferença. E, para ela, é natural que surjam afinidades e muito positivo que se estabeleçam relações de confiança e parcerias. Mas é difícil imaginar, entretanto, que a decisão de uma marca em trabalhar com uma agência ou outra se baseie somente na afinidade com um profissional.

“Ao escolher uma agência, você está escolhendo um modelo de trabalho em que acredita, pessoas para compartilhar o dia a dia do seu negócio, suas frustrações e até mesmo seus sonhos. Nós, da AlmapBBDO, acreditamos que um time de talentos que sabe jogar bem junto é o que garante a excelência nas nossas entregas”, explica. Outro ponto fundamental em sua avaliação e que não pode ser deixado de lado é a cultura, que são os valores e as crenças de cada agência e que dão o “tom” das entregas. “O que o cliente recebe não é a entrega de uma pessoa, mas de um grupo que tem em comum a busca pela criatividade e pelo novo.”

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Com tantas variáveis é natural um possível “medo” da agência ao perder um profissional que era mais ligado à conta x ou y. No entanto, elas não devem temer essas relações mais próximas. Tal proximidade tende a ser sempre positiva, desde que faça sentido para o trabalho, segundo Cristina. “Depende da qualidade de contribuição efetiva que esse profissional está trazendo para os objetivos e resultados da marca em questão. Todos os meus clientes são meus amigos, mas essa amizade nasceu da qualidade da contribuição da minha pessoa e da Full Jazz para seus objetivos e metas”, pondera.

Em sua trajetória profissional, a Full Jazz já participou da concorrência depois que a liderança do marketing viu uma palestra ou leu um artigo seu ou de alguém da equipe. Nesse caso, a atuação individual foi o gatilho para uma análise do cliente. “São casos em que o pensamento, a visão estratégica, os valores morais de um profissional, bem como exemplos de trabalhos, encontram ressonância em alguém do marketing de alguma empresa. Quando a afinidade de visões é legítima, a chance de construir resultados superpositivos aumenta de imediato.”

Guime endossa essa visão de que a proximidade é melhor para o negócio. “Se a relação é fria, é muito difícil nutrir admiração, identificação, cumplicidade e envolvimento. O sucesso de boas relações comerciais está em quando do outro lado da mesa tem quem se parece, tem as mesmas aflições e está preocupado com as mesmas coisas que você”, comenta.

PEDAÇOS E PESSOAS
Outras possibilidades de movimentações incluem a divisão da conta em diferentes agências, algo que não é novo e ocorre com grandes marcas. A conta toda não precisa seguir um profissional, apenas um pedaço. E esse movimento de partes começa a ventilar mais forte. Segundo Cunha, da ESPM, isso é reflexo da demanda das empresas por serviços especializados em várias áreas.

“A agência pode ser ‘dona’, mas de que parte da conta? As verbas estão fragmentadas e outras áreas recebem aportes cada vez maiores. Entre os anos 1980 e início dos 1990, por exemplo, grandes grupos tinham agências especializadas em serviços. Elas deveriam ter suas contas, sim, mas também atender às contas de suas agências-mães.”

Há ainda mais duas trilhas nas relações entre pessoa e anunciante, na visão de outras fontes consultadas. Uma, de defesa, acontece quando a agência vê risco de perder uma conta e contrata um profissional ou uma equipe que tenha uma boa relação com a marca; e outra ocorre quando as empresas prezam tanto por profissionais que as conhecem bem que, a nova agência, tendo sinalização positiva do cliente, contrata alguém da antiga.

Nesse universo de possibilidades e de fórmulas complexas, só há um elemento em comum: pessoas. Marcia enfatiza a relevância do valor individual inserido em um processo coletivo, ressaltando que agências de excelência são formadas por profissionais competentes, motivados e com clareza de propósitos. “Isso não é individual, é obra do coletivo”, explica a executiva. Cristina também não vê separação entre os seres. “O patrimônio de uma agência é sua equipe”, fala.

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 Identificação e confiança movem relações de marcas e profissionais

Washington Olivetto, que virou consultor da McCann em Londres, acredita que o negócio da publicidade é muito mais do que uma relação entre empresas; trata-se principalmente de uma relação entre pessoas. Mas faz considerações. Confira sua entrevista:

FATOR DETERMINANTE
Quando anunciantes se identificam com um profissional de agência e confiam nele, a chance de permanecerem por muito tempo juntos é enorme.

PROFISSIONAL X AGÊNCIA
O ideal é que prevaleça a confiança em vários profissionais de uma agência. Não estou falando de uma multidão, coisa característica das agências gordas, inchadas e juniorizadas. Estou falando de alguns poucos e muito bons profissionais em que o cliente confie e admire.

PROXIMIDADE
É extremamente positivo para marcas e profissionais. Não é problema para agências verdadeiramente boas.

ALINHAMENTOS
Grandes grupos se habituaram a manter contas com algumas amarrações não necessariamente ligadas à competência dos profissionais envolvidos, e não necessariamente satisfatórias para os profissionais que tocam o dia a dia dos anunciantes, muitas vezes obrigados a engolir agências e profissionais que eles não gostam nem admiram por causa de vínculos internacionais. Mas isso está mudando com os novos desenhos que a atividade vem ganhando.

BOMBRIL, SADIA E GRENDENE
Apesar de não ficar feliz com as perdas desses três clientes, a DPZ, que era uma boa e sólida agência, continuou sendo assim. Só se abalam nesses casos as agências ruins e frágeis.

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