Nizan Guanaes: Acho que o Grupo ABC vai ser um dos dez maiores grupos de propaganda do mundo

 

Em 1993, quando era gordo e estava à frente da DM9DDB, ele ganhou o primeiro Grand Prix do Brasil em Cannes com o anúncio, criado com Marcello Serpa, hoje na AlmapBBDO, que mostrava um abdômen sarado com tampinha do Guaraná Antarctica Diet. Depois, foi presidente de júri da competição de Press, participou de algumas edições de Cannes, mas optou, exatamente em 2002, a dar um tempo de Croisette, Palais e afins. Decidiu fazer um sabático de Cannes. Também foi em 2002, que ele criou o Grupo ABC, letras para identificar empresas que fazem Advertising, Branding e Conteúdo e que atualmente reúne 14 empresas para diversos serviços de comunicação, com uma receita estimada em US$ 500 milhões.

Neste ano, para comemorar os dez anos do ABC, Nizan Guanaes, mais magro, esbelto, fez seu retorno a Cannes. Investiu em uma linha tipo triunfal. Customizou um hotel bem perto do Palais, com a marca do seu grupo, fez palestras, encontros com executivos nacionais e internacionais, e também foi responsável por uma das principais atrações do Cannes Lions 2012, a palestra do presidente Bill Clinton sobre “como a publicidade pode melhorar o mundo”. Entre os compromissos no Palais e com seus sócios e clientes, Nizan recebeu o propmark no Hotel ABC para entrevista, na qual falou sobre os planos do ABC, sobre a relevância do modelo publicitário brasileiro para a América Latina e sobre a importância de se reinventar porque “eu não nasci assim, não cresci assim e não vou ser sempre assim…”

Dez anos após formar um grupo de comunicação, como você avalia o ABC?
Olha, é um grupo que tem crescido 34% ao ano, de maneira bastante sólida porque nós desenvolvemos um plano estratégico e nossa margem de erro para o que planejamos, desde o início, foi bastante pequena. Isso significa que somos bastante realistas sobre aonde queríamos chegar. Nós quantificamos um sonho e demos a ele prazo, nós definimos o nosso escopo de trabalho, com agências, serviços de branding  e conteúdo. Nós também definimos claramente um território e, evidentemente, como qualquer outra empresa, nós erramos. Mas, nosso principal acerto foi ter errado rápido.

Quais foram os erros?
Vários. A gente erra todo dia. Mas não tivemos nenhum prurido de fechar empresas, como a Garagem e a Hello, quando descobrimos que não estavam indo no caminho certo. Não necessariamente pelo erro de pessoas, mas porque isso é normal. Ninguém no mundo lança tantas companhias para todas elas serem bem-sucedidas. Nós vimos claramente que, pelo menos naquele momento, não era possível montar empresas só de internet sem a estrutura da publicidade tradicional. Nosso nível de acerto foi muito alto, e quando descobrimos que estávamos indo para o caminho errado, consertamos rapidamente.

Além dos erros, quais foram as principais dificuldades nesses dez anos?
Quando você está fazendo uma coisa que ninguém fez antes, você não tem referências. As dificuldades existem e o Brasil tem problemas que não são fáceis de enfrentar. O país tem uma carga de imposto, uma carga trabalhista, que é muito alta. Você tem também, por exemplo, um cenário competitivo muito grande, um mercado que sofre uma pressão muito grande por parte das multinacionais. Mas, temos também nossas grandes vantagens. Somos o maior player brasileiro, temos uma quantidade brutal de talentos e nós somos o grupo mais organizado que o Brasil tem.

E o que você espera do Grupo ABC daqui a dez anos?
Olha, eu acho que o Grupo ABC vai ser um dos dez maiores grupos de propaganda do mundo, ele vai fazer um IPO não sei se no ano que vem, se um ano depois, mas nós sempre dizemos que nós queremos fazer um IPO para construir um grupo e não estamos fazendo um grupo para fazer um IPO. O objetivo do nosso IPO é ter recursos para custear o contínuo crescimento do grupo. Nós acreditamos e queremos ter mais recursos ainda para termos caixa para fundear esse crescimento. Nós queremos nos desenvolver por todo o Brasil, de Norte a Sul.

Qual é o modelo de crescimento?
Nosso modelo de crescimento é muito claro. No Brasil, que deve ser o lugar de onde vai vir 70%, 80% da nossa receita, nós queremos atuar nas áreas A (Advertising), B (Branding) e C (Content). Na América Latina, queremos crescer na área de serviços, no lado B, e no mundo, nós queremos crescer no lado D (Digital), através da Pereira &O’Dell, que é a nossa marca mundial, a nossa marca global.

Você falou que, no início do ABC, você quantificou um sonho para chegar ao que o grupo é hoje. Daria para quantificar agora esse sonho de estar entre os dez maiores do mundo?
Eu acho que a gente tem que dobrar a companhia e chegar a um bilhão de dólares de receita.

Quais as principais mudanças no mercado publicitário nesses últimos dez anos?
Várias vezes, nesses dez anos, eu tive muita saudade de Cannes e eu fiquei bastante inseguro se o que eu estava fazendo, de tirar esse tempo sabático longe de Cannes, estava no caminho certo. Mas, a melhor coisa que eu fiz foi focar no que eu estava fazendo, não ser distraído pelas sereias que são inerentes do festival porque, curiosamente, o fato de eu ter ficado longe me faz hoje ficar absolutamente sintonizado com o festival. Se eu fosse criar um espelho do meu grupo, esse espelho está aqui. Esse festival é promo, PR, publicidade e digital. O festival foi para todas as áreas que eu procurei ir e algumas para as quais eu irei e tenho que ir. Eu me sinto absolutamente sintonizado com Cannes de hoje em dia.

Para quais áreas você terá que ir?
Nós temos que investir em PR, em design, como empresas. Mas, não temos que investir para ganhar Cannes. Temos de investir para ganhar dinheiro, pois são serviços e demandas do cliente. Cannes é hoje um festival clientecêntrico e ele faz todo o sentido ser assim, ele é um festival de negócios. Não deixou de ser um festival de criatividade, pois você senta aqui e vê coisas fantásticas, o que há de melhor. Se esse festival tivesse ficado lá atrás só julgando publicidade, ele seria hoje um festival absolutamente inócuo, ele teria acabado. O festival do qual eu me distanciei em 2002 era um festival falido naquele momento, um festival fantástico, que já tinha feito coisas incríveis, mas que era um festival completamente sem sentido. Mas, naquele momento, atenção. E hoje, não. Eu acho Cannes absolutamente sintonizado com o mundo. É extraordinário o que aconteceu com o festival.

Como você avalia a importância da presença internacional do ABC?
Eu acho que é importante, mas eu não vou perder nunca a perspectiva de que nossa grande fonte de receita, nosso negócio, está centrada no Brasil. Agora, a Pereira & O’Dell tem toda a possibilidade de fazer o que a AKQA está fazendo. A AKQA foi vendida nesta semana por 500 milhões de dólares para o grupo WPP. Esse é o caminho que queremos construir, quer dizer, nós queremos ter um Grupo ABC no Brasil e a Pereira &O`Dell espalhada por várias partes do mundo.

Há quase 20 anos, em 1993, a DM9, hoje do Grupo ABC, ganhou o primeiro Grand Prix do Brasil em Cannes e, nesta semana, a Talent conquistou o quinto GP do país. Como você avalia a evolução da qualidade publicitária nesses últimos 20 anos?
Eu acho uma coisa extraordinária e acho esse GP da Talent divino. Esse trabalho poderia ser um GP de Titanium porque ele é espetacular e eu me sinto absolutamente orgulhoso. Eu e o Marcello Serpa criamos conjuntamente o GP do Brasil de 93 e eu me sinto muito orgulhoso. Ele inclusive é um GP biográfico porque eu tinha uma barriga muito grande e sonhava ter aquela barriga tanquinho…

Já tem?
Ainda não, mas eu vou chegar lá… Quanto à Talent, ela foi extremamente criativa, extremamente talentosa e eu ouvi comentários muito bons sobre esse GP. Da mesma forma que o GP que a gente conquistou em 1993, que criou uma escola de propaganda visual, a meu ver até exageradamente. Acho que Cannes precisa dar mais atenção ao título, que hoje é mais difícil no julgamento porque está mais fácil para as pessoas julgarem anúncios visuais. Esse é um desafio que o festival precisa ter. O festival cresceu muito e a dificuldade de julgar também cresceu. Acho que para determinadas coisas é preciso encontrar uma nova forma de julgamento. Mas, tudo isso é problema bom. Eu estou muito feliz com a performance do Brasil e muito feliz com esse GP da Talent.

Qual a importância do prêmio para o negócio publicitário?
Depende do que você faz com o prêmio. Acho que a Africa, por exemplo, deve copiar a Talent, que tem uma relação muito saudável com prêmios. Ela não busca ser a mais premiada. É uma empresa que busca ser premiada. Prêmio tem de ser um dos indicadores, não pode ser o único. Você não pode ser aquele chef de cozinha que se mata quando é rebaixado com uma estrela Michelin, isso não é um mundo sadio. Eu acho que prêmio deve ser um dos indicadores da sua empresa, mas nenhum cliente vai escolher uma agência só porque ela é premiada. Prêmio é um indicador, ele é uma estrela Michelin. Mas, quando ele entra no restaurante, a comida tem de ser boa. É o uso equilibrado disso. Os clientes não estão  aqui no festival só por causa de prêmios. Eles estão aqui porque o festival hoje é um TED, é um lugar com absoluto trânsito de ideias, uma troca de informações muito grande. As pessoas, antes, iam a festivais para ver os filmes, mas hoje elas vão para ouvir cases, para trocar ideias e debater. Acho que isso é muito rico e o Brasil deve acompanhar as coisas. Na vida, a gente tem de se reinventar. Já que a gente está em época de Gabriela, eu não nasci assim, eu não cresci assim e não vou ser sempre assim…

O que você acha do modelo publicitário brasileiro?
Eu acho que o Brasil tem fundamentos publicitários muito bons e, inclusive, nós devemos ser a luz do caminho na América Latina. A indústria publicitária argentina, totalmente destruída, virou terra de ninguém. Eu vou querer apoiar completamente o Fiap de forma que a gente possa levar a América Latina a adotar bases mais sólidas. Essa história de deixar o mundo na mão dos bureaus de mídia… Não tem sentido o mundo ser comandado só pelas empresas de mídia de quatro grupos. Isso não tem o menor sentido, não é saudável. Essa estruturação da mídia mundial não passaria, se fosse banco, pelos fundamentos de Basileia. Deixar que Publicis, WPP, Omnicom e Interpublic façam, de uma maneira que o Cade não aprovaria, o controle absoluto da publicidade mundial através  de uma regra que eles mesmos criaram, não tem sentido. Eu respeito muito essas pessoas, é natural que elas queiram o absoluto domínio, o monopólio, mas é natural também que os países afirmem suas próprias identidades. Se a gente não quer no futuro ter uma Grécia publicitária, é melhor que a gente comece, como o Brasil está defendendo nosso modelo, que o Peru, a Colômbia, o Chile, os países da América Latina adotem bases mais sólidas.

E como você avalia esse modelo sendo desenvolvido em outros mercados do mundo, como Estados Unidos e Europa?
Vamos focar na América Latina, vamos focar na nossa região, vamos liderar a nossa região. O mundo não é mais aquele mundo em que uma pessoa do centro mandava. Martin Sorrell quer mandar em tudo. Acho super saudável ele querer, mas também acho super saudável eu não querer. Não vai ser assim do tipo ‘yes, sir!, yes, sir, yes, sir!’. É uma disputa saudável. É natural que ele queira mandar em todo lugar, estabelecer as coisas, tocar as coisas do jeito dele e é natural que no meu país, a gente construa uma indústria que a gente imprima mais a liberdade local.

Independentemente de região, percebe-se hoje uma pressão maior do cliente, do anunciante, em busca de resultados publicitários. Há a força das mesas de compras, do fator preço nas concorrências em detrimento de talento e qualidade criativa. Como você vê essa situação?
Eu acho mesa de compras uma das maiores aberrações que existem hoje em dia. Não que os clientes não devam ter mesas de compra, mas eu acho que a forma como estão sendo estruturadas as mesas de compra… Veja bem, publicidade é um serviço artístico, diferenciado e não pode ser comprado única e exclusivamente pelo critério preço, e a mesa de compra, que deve ser formada, não pode ser formada pelo mesmo profissional que compra parafuso. Isso é uma discussão técnica. O papel da publicidade é vender e o cliente tem que historicamente buscar a publicidade que mais vende. O que é o pior cliente? O pior cliente é aquele que acha que a publicidade deve ser a sua melhor compra e aí ele compra a publicidade na bacia das almas, mas ele compra o que há de pior na publicidade, ou seja, é uma coisa louca que alguém gaste para comprar o que há de pior em publicidade quando a tarefa seria a de comprar o que há de melhor e a publicidade fazer o papel de vender. O anunciante tem de ganhar dinheiro com a publicidade no que ela vende e não na compra (da publicidade). É como você escolher seu cardiologista pela conta do menor preço.

O que o mundo multimídia traz de desafios para a publicidade? Como você se sente?
Eu me sinto em casa. Acho que é exatamente isso que tem que acontece. E não é isso mais isso mais aquilo. Não, o que você tem que dar é esse menu de escolhas ao anunciante. Você tem uma visão de 360 graus, mas na realidade, ela é uma visão de cinco, dez graus, quinze, para você ter vários instrumentos e saber o que indicar. Não é tudo, é um mundo de escolhas e eu me sinto em casa. E eu não estaria em casa se eu tivesse vindo todos esses anos ao festival. Eu fiz o meu dever de casa, eu foquei, eu fui construir um grupo e se esse troço é about storytelling, antes de começar a telling, eu fui construir a story.

Coincidentemente com o Cannes Lions 2012, está acontecendo a Rio+20 e o Grupo ABC trouxe ao festival o presidente Bill Clinton para falar sobre como a publicidade pode ajudar o mundo. E na sua opinião, como a publicidade pode ajudar o mundo?
No momento em que acontece a Rio+20, a plataforma da Unesco diz que o mundo tem de mudar o seu padrão de consumo. Ora, quem pode mudar o padrão de consumo do mundo são aqueles que construíram, como a indústria, a sociedade de consumo, que é a Madison Avenue. O que temos de fazer é que as pessoas consumam de uma nova maneira e que consumam novas coisas. Ao invés de gastar dinheiro com cigarro, você vai gastar com forma física, gastar com ioga, isso é manter padrões de consumo porque o padrão de consumo é saudável, gera emprego, faz a economia rodar, mas rodar com coisas boas e não fazer as pessoas se entupirem de gordura. Não é construir uma sociedade deprimida e sim uma sociedade em que as pessoas usam o dinheiro para o seu bem-estar e não para a sua destruição.

Que exemplos você daria de publicidade colaborando para um mundo melhor?
Acho que o uso dos carros nas grandes cidades deve ser repensado tanto pelo governo quanto pelas pessoas. A solução a gente não consegue ver de imediato. No futuro, acho que carro será alugado, não será uma propriedade, mas isso é na base do achismo. Mas, são novas formas de viver. As pessoas vão estar mais inclinadas a andar de bicicleta, a caminhar. Hoje, mesmo em pequenas distâncias, as pessoas usam seus carros e não há a menor possibilidade, seja do ponto de vista do uso do petróleo ou das outras fontes alternativas de energia, de conduzir a vida assim. Nós vamos encontrar novas formas de viver, o que não é nenhuma coisa assustadora. Faz parte da história do mundo a sociedade mudar.

Mas, você daria algum exemplo de cases que tenham ajudado a publicidade a melhorar o mundo?
Nike é, sem sombra de dúvida, uma empresa que melhorou as pessoas, lançando altos padrões com foco na consciência no bem estar físico. Apple a mesma coisa. São empresas que influenciaram solidamente o comportamento.