Lula Vieira: “Exemplo perfeito de condução de ideias e repetições de apelos usados até hoje com absoluto sucesso, inclusive na internet” (Crédito Unsplash)

Quem tem menos de 40 anos não deve conhecer. Mas nós, velhinhos, passamos boa parte da vida submetidos a anúncios de cursos por correspondência, um negócio que movimentava milhões em dinheiros e pessoas mundo afora. Anúncios que eram veiculados principalmente em gibis e revistas de grande leitura popular.

O estilo era quase sempre o mesmo. Fotos tipo documento e depoimentos de “ex-alunos” cujas vidas se transformaram após a realização de um curso feito através dos Correios. A Maria do Carmo agradecia, por exemplo, ao Instituto Universal Brasileiro a mudança de seu status. Maria do Carmo, estudando em casa nas horas de folga, tinha conseguido seu diploma de manicure e agora sustentava toda a família.

Havia muitos “institutos” e quase uma centena de cursos diferentes. Auxiliares de cozinha, guarda-livros, modelista, relojoeiros, violonistas e por aí afora podiam ser formados exclusivamente por cartas. Alguns cursos ofereciam, junto com as primeiras aulas, algumas ferramentas da profissão.

A de técnico de rádio, por exemplo, enviava as peças de um “potente aparelho de rádio” de alcance mundial, incluindo válvulas e ferramentas básicas como alicates e chaves de fenda. Uma maravilha. Aliás, já que toquei no assunto, ser técnico de rádio e poder consertar aparelhos era de um status invejável.

A ideia de que esse tipo de produto não merece ser consertado porque o preço do reparo não compensa data de poucos anos. Os aparelhos iam e vinham do técnico para, por exemplo, trocar uma válvula ou reparar um fio arrebentado. Isso acontecia várias vezes durante sua vida útil, que levava décadas. Os filhos cresciam e iam embora enquanto o velho rádio recebido de presente de casamento imperava na sala de visitas.

O aparelho de TV, então, merecia cuidados de filho. Antenas, válvulas, controles, ajustes davam defeito e mereciam a visita do técnico, que tinha status de médico de família, comparecendo nas casas com sua maletinha com amperímetros, frequenciômetros e outras ferramentas de ficção científica. Seu trabalho era acompanhado com expectativa: “é grave?”. O alívio vinha com a resposta: “não, é só uma válvula”. Suspiros de alívio.

Mas me perdi, falava dos cursos por correspondência que já pertencem ao escaninho da saudade. Cursos e profissões que ensinavam a fazer decapé (alguém sabe o que é isso?), marcenaria, sapateiro, corte e costura, preparação de conservas e doces, refrigeração, mecânica automobilística, manutenção de bicicletas e muito, muito mais.

Inclusive o tal de “desenho publicitário” que, apesar de ter inscrito o Valdir nuns três, ele nunca fez nenhum, o que me levou a ficar até hoje na dúvida que diabo seria “desenho publicitário”. Aliás, em “pintura” a ilustração era de um jovem diante de um cavalete pintando um nu. Até hoje me pergunto se a modelo era uma foto, se vinha por demanda ou o curso sugeria que se usasse a mãe, a sogra, a irmã ou a namorada. Naquele tempo não se imaginava uma aluna pintando um nu masculino, claro.

Parte da correspondência dos cursos eu surrupiei do Valdir, como já disse, matriculado por mim. Eram o exemplo perfeito de condução de ideias e repetições de apelos usados até hoje com absoluto sucesso, inclusive na internet. Remédios para psioríase (caspa), paumolecência, fraqueza etc. são vendidos hoje pela mesma técnica centenária.

Depoimentos de pessoas que usaram o produto, aval de técnicos da área, evidências científicas e a indefectível afirmação de que “a indústria e os laboratórios não querem que você saiba”. Ou seja, em resumo, só é broxa quem quer. Esse Instituto Universal Brasileiro, ao qual já me referi, tinha uma técnica matadora de envolvimento.

Começava enviando uma carteirinha de estudante que, logo de cara, já compensava pela possibilidade de pagar meia entrada no cinema. Depois o tratava com uma individualidade que nem os modernos computadores conseguem. Você era um estudante conhecido e amado por eles, ainda que a escola tivesse muitos milhares de inscritos.

O material vinha em seu nome, e as avaliações de desempenho, via Correios, eram mais pessoais e próximas do que muitas das atuais faculdades. Você passava a existir como integrante de uma família de pessoas que queriam crescer na vida e tinham reconhecimento universal.

Aliás, o nome do curso e de uma certa igreja, ainda que me pareça simples coincidência, é o mesmo: Universal. No sentido de mundo e de acolhimento. Semana que vem eu vou reproduzir algumas das peças que o Valdir recebia. Aos meus colegas redatores eu advirto: vão ser humilhados.

Aqueles caras conheciam a alma humana.